quinta-feira, março 25, 2010

Devaneio autocrático

Editorial da Folha

O vezo antidemocrático de Lula se expõe quando o que está em pauta é a divergência de opinião e a liberdade de imprensa

A DEMOCRACIA , numa definição de manual, é um sistema de governo no qual o povo exerce a soberania e elege seus dirigentes por meio de eleições periódicas; é um regime em que estão asseguradas as liberdades de associação e de expressão. Todos esses princípios estão plasmados na Constituição de 1988 -ela própria uma conquista democrática.
Isso tudo é óbvio. Mas quem impele a repisá-lo é o presidente da República. Na versão de Luiz Inácio Lula da Silva, a democracia muito frequentemente -e cada vez mais- surge como se fosse uma concessão da sua vontade. Ele não parece tratá-la como valor, mas como capricho.
O vezo autoritário do mandatário se torna flagrante quando o que está em questão é a divergência de opinião ou o compromisso com a liberdade de imprensa. Lula não tolera ser criticado e convive mal com esforços de fiscalização de seu governo.
Ontem, numa cerimônia, ele disse: "Acabei de inaugurar 2.000 casas, não sai uma nota. Caiu um barraco, tem manchete. É uma predileção pela desgraça. É triste quando a pessoa tem dois olhos bons e não quer enxergar. Quando a pessoa tem direito de escrever a coisa certa e escreve a coisa errada. É triste, melancólico, para um governo republicano como o nosso".
Talvez seja o caso de mencionar os mensaleiros, os aloprados, o "roçado de escândalos" da aliança com o PMDB. Ou, ainda, os benefícios pouco ortodoxos concedidos com dinheiro público a algumas empresas que este governo elegeu para implementar sua versão de "capitalismo de Estado". Nada disso compõe um figurino "republicano".
O que mais impressiona, porém, é o raciocínio embutido na seguinte frase de Lula: "É triste quando a pessoa tem o direito de escrever a coisa certa e escreve a coisa errada". É uma afirmação tosca, sem dúvida, mas antes disso autocrática. Não faz sentido no contexto da democracia.
A imprensa tem de ser livre, inclusive para errar -e responder por isso perante seu público ou à Justiça, sempre que for o caso. Essa liberdade atende sobretudo ao direito do cidadão de ter acesso a informações.
Lula disse ainda que "setores da imprensa" deveriam olhar para pesquisas de opinião antes de tirar conclusões sobre ações públicas de seu governo. Em alguns casos, como o desta Folha, as pesquisas são realizadas pelas mesmas empresas cujo trabalho Lula busca desqualificar.
Tampouco é verdadeira sua afirmação de que avanços sociais ou do país obtidos neste governo não tenham sido noticiados. Foram -e de maneira exaustiva.
O problema é outro. Recentemente, o presidente da República agrediu os valores democráticos ao equiparar os presos políticos de Cuba aos presos comuns do Brasil -e endossar os crimes de uma ditadura.
Agora, ao criticar mais uma vez a imprensa, comporta-se como quem aspira à unanimidade -algo que está longe de ser um padrão democrático.

segunda-feira, março 08, 2010

Não há por que se decepcionar

por João Nemo em 28 de janeiro de 2010 no Mídia@Mais

Pessoalmente jamais me decepcionei com o governo Lulla. Aliás, tendo a manifestar uma certa irritação quando ouço alguém dizer que está decepcionado porque surgiu mais alguma peça do rosário de escândalos, ou porque os mais notórios coronelões da velha política nele estão abrigados, ou porque o falastrão-mór deu mais algum dos seus espetáculos grotescos ou, ainda, porque, apesar de ser um grande líder, mais uma vez não sabia de nada. Acho até que já passei dos limites sugerindo a uns e outros que leiam o artigo que escrevi logo após a primeira eleição da figura, em que me autodenominava “o chato da festa”.

Agora, novamente, uma porção de gente se mostra perplexa com o descaramento embutido no tal Plano Nacional de Direitos Humanos, onde, atrás de um linguajar que chega a ser nauseante, se propõe o atropelo de todo o ordenamento político e jurídico e uma espécie de sovietização jeca do Brasil. Tanto os idiotas por inocência como os idiotas por conveniência, outra vez, estão decepcionados. Que coisa!

Se nomearmos um cafetão para comandar uma paróquia, não há por que estranhar nada do que virá a acontecer na sacristia e no presbitério. É muito provável que ele mantenha as aparências do local e as suas rotinas básicas, para que os paroquianos não fiquem logo indignados; distribua bênçãos com grande generosidade; seja extraordinariamente brando nas penitências; faça homílias um tanto exóticas, consideradas mais próximas da “linguagem do povo”. O cavalheiro poderá usar batina, citar os evangelhos e até participar das procissões. Terá especial gosto em recolher as oferendas, mas dificilmente escapará à natureza dos seus verdadeiros dotes e valores. Recomendo às donzelas não irem ao confessionário. A paróquia poderá parecer bem, principalmente se o sacristão for zeloso, mas caminhará inexoravelmente para novos rumos, pouco a pouco, dependendo da credulidade dos fiéis.

Quando se coloca no comando de uma democracia representativa gente que não tem fé na coisa, não há por que estranhar que, passo a passo, os rumos sejam alterados. As razões alegadas para fazê-lo sempre serão sublimes, voltadas para um modelo supostamente mais puro, dentro da conhecida técnica de contrapor as maravilhas pretendidas às imperfeições da realidade.

A natureza profunda do PT é totalitária. Da mesma forma os círculos intelectuais que o rodeiam, a maior parte da velha guarda que o formou, os “movimentos” com que interage e assim por diante. Não há que estranhar o fato de que cumpram os rituais do Estado de Direito, tanto quanto possível nas aparências, mas procurem ser criativos na maneira de mudar os fundamentos do processo político. Eles não têm fé em democracia representativa; têm predileção pelos métodos cooptativos e bolcheviques a que dão o nome de “democracia participativa” e são, na melhor das hipóteses, devotos de Rousseau, aquele “intelectual orgânico” que escrevia sobre educação enquanto seus filhos mofavam e morriam num orfanato. Nesse ponto, o nosso apedeuta é bem superior: não escreve nada, alega que também não lê (nem o que assina), mas seu filho, corado e rechonchudo, se torna um fenômeno do mundo dos negócios.

Por trás daquele linguajar horroroso, ligeiramente parecido com a língua portuguesa, o que o dito Plano de Direitos Humanos do governo Lulla propõe é, antes de tudo, preparar o terreno para o governo Dilma (que Deus nos proteja) com uma reforma constitucional total, não via Parlamento, mas pela deformação da linguagem, dos conceitos e a implantação de métodos “populares”. Diriam alguns que é a nossa cópia do roteiro chavista, mas, na verdade, assim como no caso do paraquedista venezuelano, trata-se apenas de uma versão B da conhecida ascensão totalitária vista e revista no século passado.

Bons articulistas, como Reinaldo Azevedo, Percival Puggina, Ricardo Vélez e outros já esmiuçaram as maravilhas do texto, portanto não há muito o que acrescentar:
- Para o Legislativo é proposta, definitivamente, a irrelevância. Já não basta comprá-lo em lotes;
- O Judiciário ficaria obscurecido pelas comissões populares. Já não basta praticar, nos tribunais, o “direito achado nas ruas”;
- As garantias da propriedade, particularmente as rurais, passariam a ser mais frágeis do que no “estado de natureza” hobbesiano. Dependeriam, praticamente, de não haver quem queira tomá-la. Se houver quem queira, vamos discutir o assunto.
- A imprensa e outros meios de comunicação passariam a ser controlados e patrulhados. Já não bastam os petralhas e filopetralhas que poluem todas as redações, nem se trata, simplesmente, de instalar a censura, como tem sido dito. É muito mais do que isso. Durante os governos militares houve censura extensa: começaram vedando as notícias que diziam respeito à luta armada e acabaram se metendo até em letra de samba, mas nunca houve efetivo “controle”. Na proposta lulo-petista até a linguagem seria patrulhada, através de um conjunto de gratificações e punições. Um herege como Diogo Mainardi, por exemplo, seria banido no primeiro artigo publicado, por crimes verbais de lesa-humanidade.

Há quem se tranquilize alegando que, escritas ou não, essas coisas jamais serão praticadas. Será? Nem é preciso, basta a insegurança que geram para fazer um enorme estrago.

Apesar de já ter ocorrido um recuo tático, o que mais claramente retrata a mentalidade que preside a estrovenga é a insistência em tentar abolir unilateralmente a anistia concedida em 1979, que as esquerdas quiseram “ampla, geral e irrestrita” porque, à época, era duvidosa a concessão do benefício aos enquadrados em crimes de sangue. Cultivam um ódio irrevogável e um revanchismo persistente depois da surra sofrida há 40 anos atrás. É como se, num conflito bélico, um dos lados, encurralado, levantasse a bandeira branca. Feita a trégua e negociada a paz, muito tempo depois, bem armados e em posição favorável, decidissem que o acordo não valeu, que foram anistiados, mas não anistiaram e, portanto, devem punir os antigos oponentes. Já não bastam as indenizações milionárias obtidas com os mais tortuosos argumentos; é preciso obter vingança até dos que abriram mão dela no passado e reescrever a história. Para isso, não se pejam, sequer, da ridícula denominação “orwelliana”, revivendo o Ministério da Verdade da célebre utopia “1984”. Faz parte do prestígio que os nossos bolcheviques tardios pretendem ter em certos círculos internacionais, como os que protegem humanistas do tipo do assassino italiano que Lulla ainda mantém, esperando a poeira baixar ou uma oportunidade para ele “fugir”.

Uma pena que nesse governo ninguém leia, mas todo mundo assine, tanto o grande estadista como a Maga Patalójika, que quer ser presidente da república.

sexta-feira, março 05, 2010

O que faz o DEM ser diferente

por JOSÉ AGRIPINO na Folha

Gostaria que o Brasil nos compreendesse. Não houve "mensalão do Democratas". A expressão fica preservada como patrimônio de outros

O EPISÓDIO envolvendo dirigentes e parlamentares do Distrito Federal oferece ao país a oportunidade de acompanhar a maneira como um partido pode comportar-se diante de situações de crise.
A oportunidade também de comparar partidos e comportamentos.
Na desfiliação do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, do vice-governador, Paulo Octávio, do deputado Leonardo Prudente e na dissolução do diretório regional, o Democratas não deu espaço para conveniências imediatistas ou de ordem pessoal. Optou pelo respeito à ética, encarada pelo partido como um valor permanente da vida política.
Levado a cortar na carne e punir filiados de longo tempo, o DEM mostrou ao Brasil que não convive com a improbidade e não aceita a impunidade.
Em novembro do ano passado, o governador Arruda foi exposto à opinião nacional em imagens que o mostravam na prática de ações inaceitáveis. Diante da gravidade das denúncias então veiculadas, o senador Demóstenes Torres, o deputado federal Ronaldo Caiado e eu apresentamos à Executiva do partido representação com pedido de expulsão do governador em rito sumário.
Como é comum nas democracias, todo partido tem linhas diversas de pensamento. A Executiva acatou o pedido, decidindo pela concessão de um prazo de oito dias para a apresentação da defesa.
Próximo ao final do prazo, confrontado com a iminência da sua expulsão, o governador José Roberto Arruda pediu desfiliação. O vice-governador, Paulo Octávio, e o deputado Leonardo Prudente desfiliaram-se após algumas semanas e o diretório regional do partido foi dissolvido.
Em consequência da ação da Executiva partidária, os envolvidos nos episódios do Distrito Federal não poderão candidatar-se a nenhum cargo nas próximas eleições.
Enquanto isso, impõe-se uma reflexão: onde andam os implicados no escândalo dos aloprados? Onde andam os mensaleiros? Onde andam os camufladores de dólares em roupas íntimas? Seguramente, não são do Democratas. E o povo sabe quem continua a acobertá-los.
Dentro da Executiva, pelo diálogo, chegou-se a um entendimento unânime. Prevaleceu no partido a ideia de que ninguém teria, ao julgar colegas, o direito de agir por meio de sentimentos pessoais.
Ao partido, como instituição, impunha-se a tarefa de dar exemplo, cumprindo sua obrigação, fazendo o que outros, em circunstâncias semelhantes, não tiveram a coragem de fazer.
As atitudes foram guiadas pela convicção de que as instituições devem estar acima dos sentimentos que, por serem humanos, são falíveis.
Todo processo traumático de tomada de posição costuma se transformar em referência. Ficam os exemplos -positivos ou negativos. Impôs-se a decência.
Gostaria que o Brasil nos compreendesse. Não houve, portanto, "mensalão do Democratas". Os ilícitos denunciados circunscreveram-se estritamente ao governo de Brasília e não envolveram filiados de outras unidades da Federação.
O partido providenciou, no tempo adequado, o expurgo exigido pelos fatos no Distrito Federal. Detectado o problema, o corrigimos drasticamente, afastando os envolvidos com irregularidades. Em nenhum momento contestamos as evidências exibidas pelos meios de comunicação ou alardeamos a existência de conspirações.
O futuro vai nos reservar o direito de dizer que fizemos história partidária. A expressão "mensalão" fica, assim, preservada como patrimônio de outros partidos que não souberam ou não puderam distanciar-se do território da corrupção.
Vamos reconstruir o DEM no Distrito Federal. O senador Marco Maciel foi designado para recompor os quadros do diretório regional com homens e mulheres que se orgulhem do que o partido fez na crise de Brasília. Continuaremos nosso trabalho.
Atravessamos uma trilha amarga, mas fizemos o que tínhamos que fazer para nos apresentar como referência de rigor na não convivência com a impunidade. Tenho certeza de que, mais à frente, irão reconhecer esse nosso esforço. Não pelo que eu digo, mas pelos fatos.
JOSÉ AGRIPINO MAIA , 65, engenheiro civil, é senador da República pelo DEM-RN e líder de seu partido no Senado Federal. Foi governador do Rio Grande do Norte (1983-1986 e 1990-1994).