sexta-feira, outubro 23, 2009

Primores de ternura - 2

por Olavo de Carvalho

Nos anos 50-60, a união simbiótica de revolução e crime passou por um upgrade formidável, deixando de ser apenas uma prática consagrada e um objeto de exortações retóricas e tornando-se alvo de teorização sistemática por parte dos pensadores marxistas, especialmente da Escola de Frankfurt. Segundo Herbert Marcuse, o mais popular dentre esses autores na época e um queridinho da grande mídia americana, o proletariado industrial já não servia como classe revolucionária, por ter sido corrompido pelas benesses do capitalismo. Em vez de tirar desse óbvio desmentido dos prognósticos de Marx quanto à miséria crescente dos trabalhadores no livre mercado a conclusão lógica de que o marxismo não servia para grande coisa, Marcuse achou que podia consertar a teoria simplesmente buscando uma nova classe revolucionária, definida não pela desvantagem econômica, mas por qualquer tipo de frustração psicológica. Em vez de uma ele descobriu três: (1) os intelectuais e estudantes, sempre revoltados contra uma sociedade que não lhes dá toda a importância que julgam merecer; (2) todos os insatisfeitos com qualquer coisa – esposas mal amadas, gays enfezados com a empáfia masculina, crianças rebeldes à autoridade paterna, etc.; (3) os marginais em geral: prostitutas, viciados, assassinos, estupradores e tutti quanti. Eram essas pessoas maravilhosas, e não os proletários, que tinham de ser organizadas para corromper o "sistema", enfraquecê-lo e destruí-lo por dentro. A influência de Marcuse, fundindo-se às propostas de "revolução cultural" inspiradas em Antonio Gramsci, foi tão vasta e profunda que hoje o marcusismo em ação já nem aparece associado ao nome de seu inventor: tornou-se o modo de ser natural e universal do movimento revolucionário por toda parte.

No Brasil, a íntima colaboração entre a esquerda revolucionária e o banditismo, da qual já se viam amostras esporádicas desde os anos 30, começou a existir de forma mais organizada durante o regime militar, quando os terroristas adestrados em Cuba, na Coréia do Norte e na China passaram a transmitir seus conhecimentos de estratégia e tática da guerrilha urbana aos delinqüentes comuns com os quais compartilhavam o espaço no Presídio da Ilha Grande, RJ. Foi daí que nasceram as mega-organizações criminosas, o Comando Vermelho e depois o PCC. A esperança que inspirou a sua fundação não foi decepcionada. Em poucos anos, o guru do narcotráfico carioca, William Lima da Silva, o "Professor", já podia se gabar de haver superado seus mestres:

"Conseguimos aquilo que a guerrilha não conseguiu: o apoio da população carente. Vou aos morros e vejo crianças com disposição, fumando e vendendo baseado. Futuramente, elas serão três milhões de adolescentes, que matarão vocês nas esquinas. Já pensou o que serão três milhões de adolescentes e dez milhões de desempregados em armas?"

O recorde anual de homicídios no Brasil, entre 40 e 50 mil mortos, segundo a ONU, e o crescimento acelerado do consumo de drogas neste país – enquanto diminui nos países em torno - mostram que esta segunda expectativa também não foi totalmente frustrada.

Mais tarde os terroristas subiram na vida, tornaram-se deputados, senadores, desembargadores, ministros de Estado, tendo de afastar-se de seus antigos companheiros de presídio. Estes não ficaram, porém, desprovidos de instrutores capacitados. A criação do Foro de São Paulo, iniciativa daqueles terroristas aposentados, facilitou os contatos entre agentes das Farc e as quadrillhas de narcotraficantes brasileiros – especialmente do PCC –, dos quais logo se tornaram mentores, estrategistas e sócios. Foi o que demonstrou o juiz federal Odilon de Oliveira, de Ponta Porã, MS, pagando por essa ousadia o preço de ter de viver escondido, como de fosse ele próprio o maior dos delinqüentes (v. http://www.eagora.org.br/arquivo/Farc-ensina-seqestro-a-PCC-e-CV-afirma-juiz/ e sobretudo http://odilon.telmeworlds.sg/), enquanto os homens das Farc transitam livremente pelo país, têm toda a proteção da militância esquerdista em caso de prisão e até são recebidos como hóspedes de honra por altos próceres petistas. (O secretário de Relações Internacionais do PT, Valter Pomar, diz que as Farc nem mesmo pertencem ao Foro de São Paulo.. Ele mente e sabe que mente. Dezenove anos de documentos oficiais do Foro provam isso acima de qualquer possibilidade de dúvida.)

Mesmo apoiada pela mais vasta e permanente campanha de mutação cultural, a articulação direta de bandidos e revolucionários não seria suficiente para produzir seus efeitos se, ao mesmo tempo, a própria estrutura jurídico-policial do Estado não fosse submetida a alterações destinadas a dificultar a atividade repressiva, fornecendo aos delinqüentes todas as vantagens na sua luta contra a sociedade. O desarmamento da população civil, a criminalização fácil das ações policiais mais corriqueiras, a leniência proposital para com os delinqüentes juvenis, a tolerância ou mesmo incentivo à violência nas escolas – tudo isso converge com a estratégia geral do movimento revolucionário em seu empenho de demolir as defesas da sociedade por meio da criminalidade triunfante.

O auxílio-reclusão – ou "Bolsa-Bandido", como o povo prefere chamá-lo – não tem nada de extravagante ou surpreendente. É apenas mais uma expressão da "imensa ternura para com os ferozes", o sentimento mais profundo e permanente da religião revolucionária, que de há muito já deixou de ser só um estado de alma e se transformou em temível instrumento de ação prática.

sexta-feira, outubro 16, 2009

Lula testa transposição de votos às margens do rio S. Francisco

por Raymundo Costa - Valor Econômico

No lugar onde circulavam caminhões basculantes e escavadeiras retiravam pedras gigantescas partidas e repartidas por perfuratrizes, na noite de quarta-feira, às 19h15 de ontem reinava o silêncio. Não havia um só trabalhador. Os potentes holofotes que iluminaram basculantes e perfuratrizes estavam parados ao lado da escavação na qual, na noite anterior, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inspecionou o terceiro turno de trabalho do consórcio de empreiteiras que toca o lote 11 do projeto de transposição das águas do rio São Francisco.

Era uma viagem feita para emoldurar a imagem da candidata Dilma Rousseff a presidente. O fato de não haver trabalho ontem não significa que o consórcio encarregado do lote 11 não fará mais um turno, mas também é fato que as obras não estão sendo desenvolvidas no ritmo mostrado ao presidente, à sua candidata à sucessão e aos jornalistas que cobriram a viagem e outros que percorreram as obras um dia antes a convite da Presidência. Nas próximas semanas, é que será possível medir se a popularidade de Lula na região será suficiente para transferir os votos necessários para eleger sucessora a ministra da Casa Civil nas eleições de 2010.

Depois de 16 anos, Lula reeditou com Dilma as caravanas da cidadania de 1993, com as quais o presidente reiniciou o projeto do PT de chegar ao Palácio do Planalto, após a derrota para Fernando Collor numa eleição que dividiu o país, em 1989. Faz 20 anos. Agora, uma pesquisa qualitativa determinou cada detalhe da viagem. A sondagem em poder dos marqueteiros de Lula indicou que é grande o poder de transferência do presidente, quando o entrevistado é perguntado se votaria num candidato por ele indicado.

O resultado foi melhor que o esperado, inclusive em São Paulo, segundo fontes próximas ao jornalista João Santana, o Patinhas, responsável pela vitoriosa campanha de Lula nas eleições presidenciais de 2006 e que já trabalha em função da candidatura Dilma 2010. E nada melhor do que apresentar a ministra eleita de Lula para o melhor público do presidente, o Nordeste, junto com a obra cujo verbete sempre estará associado a Lula, em qualquer enciclopédia, se efetivamente for realizada - o fato é que vencidas as barreiras ambientais e jurídicas, o trabalho nos canteiros de obras foi acelerado.

Essa obra está sendo pensada desde 1847, discursou Lula para um pequeno grupo de trabalhadores que ouviu com impaciência o secretário-executivo do Ministério da Integração Nacional, João Reis Santana Filho, fazer uma longa descrição técnica da obra, sob um sol escaldante e temperatura acima dos 35 graus à sombra. O imperador Pedro II queria fazer essa obra. Eu estou falando de 200 anos. E eu resolvi fazer. Não por ser engenheiro e conhecer. É porque eu, com sete anos, carreguei pote de água na cabeça, eu sei o sacrifício.

As queixas que sobraram para o longo discurso de Santana também alcançaram o presidente. Pela razão oposta: falou pouco. O suficiente, no entanto, para mais uma vez se identificar com o povo nordestino, incentivar o imaginário da incompreensão de quem toma café da manhã, almoça, janta e toma água gelada com o nordestino sofrido, atacar adversários da transposição (convenientemente, o bispo Luiz Flávio Cappio participava de um evento fora da região) e para dizer que comanda uma das maiores obras em execução no planeta.

Lula se comparou a Franklin Delano Roosevelt (1882-1945), o presidente que tirou os EUA da Grande Depressão de 1929. É uma das maiores obras em realização no mundo. Só tem igual quando o presidente Roosevelt pegou o lugar mais pobre dos EUA, chamado Vale do Tennessee, e transformou aquela região numa região produtiva, disse, para depois acrescentar que obras como a transposição servem para desenvolver a região: O Nordeste não precisa produzir mais pedreiro; o Nordeste tem que produzir engenheiro, disse o presidente.

Lula não percebeu, mas ao lado dele a ministra Dilma perdeu o equilíbrio. Refeita, bateu a poeira da calça e permaneceu o resto do discurso em pé, firme. O palco, armado por uma empresa do Recife que faz shows, festa de 15 anos e casamento tinha tantas armadilhas quanto as tendas e cercados construídos às pressas pelo consórcio que comanda as obras do lote 11, formado pelas empreiteiras OAS, Galvão, Coesa e Barbosa Mello.

Nem o consórcio nem o Ministério da Integração Nacional revelaram o custo dessas obras, um oásis no meio do sertão do Pajeú: a sala de imprensa e os quartos destinados ao presidente, ministros e jornalistas tinham ar condicionado e água corrente. O maior apartamento, com cama king size, entre ministros, governadores e deputados que integravam a comitiva era de Geddel Vieira Lima, titular da Integração Nacional. Só perdia para os de Lula e Dilma, próximos.

O desequilíbrio de Dilma não foi o único imprevisto da viagem, marcada por diferenças políticas desde o seu planejamento. Na véspera do embarque de Lula, ao amanhecer de quarta-feira, o governador da Bahia, Jaques Wagner, pernoitou em Brasília. Estava convencido de que seria o único baiano a desembarcar com Lula na Bahia, mas teve de engolir em seco a presença, no avião, de Geddel, que rompeu politicamente com o governador e ameaça disputar o cargo de Wagner em 2010.

Lula é amigo de Jaques Wagner, mas deixar Geddel de fora era difícil. Além de ministro responsável pelas obras do São Francisco, Geddel diz que apoiará a candidatura da ministra Dilma nas eleições presidenciais, independentemente do fato de concorrer contra o PT na Bahia. O ministro é figura-chave para a consolidação da aliança com o PMDB. Os petistas torceram o nariz, pois estão convencidos de que Geddel acabará no palanque do provável candidato tucano a presidente, José Serra.

No avião que partiu de Brasília, Geddel e Wagner trocaram gentilezas numa roda com Lula, Dilma, o ministro Franklin Martins e o deputado Ciro Gomes (PSB-CE), também pré-candidato a presidente. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que preside o PSB, disse que o partido fez, até agora, tudo o que foi combinado com o presidente. E que mais adiante haverá uma nova conversa, definitiva. Ministros que acompanharam Lula, como Franklin Martins, segundo apurou o Valor, se dizem convencidos de que, no fim, os partidos da base aliada, como é o caso do PSB de Ciro, terão um candidato único em 2010, a ministra Dilma. Ciro insiste que será candidato.

No primeiro dia da caravana, um constrangimento: Lula desembarcou em Pirapora, município governado por um prefeito do DEM, e seguiu direto para Buritizeiro, município governado pelo PT. Aécio estava no aeroporto e posou para fotos com Lula e os outros dois presidenciáveis, assim como ele no PSDB: Dilma e Ciro. Mas não seguiu com Lula. O governador e o presidente, em conversa, gesticulavam como se discutissem. Aécio negou, dizendo que apenas falara sobre a Lei Kandir com o presidente. Ficou o mal-estar (ver reportagem ao lado).

Implicâncias políticas à parte, o fato é que as obras do Projeto São Francisco, um rio melhor, um rio para todos, o slogan que tomou o lugar da polêmica transposição também chamada de interligação, está andando e transformando as regiões onde está mais adiantado, como os lotes 11 e 1 visitados por Lula e Dilma. A obra tem dois eixos: o Eixo Norte, com 402 quilômetros, terá duas pequenas centrais hidrelétricas e levará água para Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte; o Eixo Leste, com 220 quilômetros, irrigará parte do sertão e as regiões do agreste de Pernambuco e da Bahia. Emprega atualmente 8 mil trabalhadores, ninguém ganha menos de R$ 600. O contraste entre o novo e o velho já é visível ao longo das obras.

Esse é o caso de Custódia, município localizado a pouco mais de 30 quilômetros do lote 11, que já atingiu 16% das obras previstas. Há dois anos, a cidade vivia pendurada no fundo de participação, algo em torno de R$ 900 mil. A arrecadação de ISS era de R$ 20 mil. Houve um salto gigantesco e hoje Custódia arrecada do tributo R$ 600 mil. O mesmo ocorre em Sertânia, o município na outra ponta do vértice formado com Custódia e o lote 11.

O empresário Iuri Gonçalves de Souza, 45 anos, é um exemplo do boom. Ele já está pensando em expandir com mais 30 apartamentos o hotel Macambira, que antes vivia vazio e hoje mantém a ocupação em 100%. Tive de hospedar gente em casa dos meus parentes na visita do presidente Lula, diz. Iuri também está no comando da segunda maior fábrica de sucos de fruta e extrato de tomate do Nordeste. Ele é obrigado a comprar tomate em Goiás, às vezes até na Espanha, para manter a fábrica, com 800 funcionários, a todo vapor. Ele compra em torno de 6 mil toneladas de frutas/safra e torce para que a transposição viabilize projetos de irrigação na região, o que faria baixar os preços que atualmente paga.

O agronegócio é um dos principais alvos dos críticos do projeto do São Francisco, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, criticados ontem por Lula. O bispo Cappio foi citado nominalmente. Não é difícil identificar o destinatários das palavras de Lula em uma entrevista às rádios do Nordeste: Ser contra lá na Tijuca, no Rio de Janeiro, na Avenida Paulista é fácil. Eu sou contra depois abro a geladeira e abro uma água Perrier marca de água francesa geladinha. Agora, vem pra carregar uma lata de água na cabeça com caramujo e tudo para depois tirar com uma canequinha uma água barrenta para beber.

Dias antes, o governador de São Paulo, José Serra, tucano líder das pesquisas de opinião sobre a eleição presidencial de 2010, fizera críticas a projetos de irrigação que visitara no Nordeste, região que se tornou também rotineira na agenda de pré-candidato do governador paulista.

Lula culpou novamente o Tribunal de Contas da União (TCU) pelo atraso de obras, Segundo o presidente, o problema hoje não é falta de dinheiro para as obras. Dinheiro tem, disse na entrevista aos radialistas, mas muitas vezes, o Tribunal de Contas diz que tem indícios de provas de sobrepreço, e aí para, aí você tem que fazer todo um processo. Muitas vezes, a empresa que perde a licitação entra na Justiça e para a obra. Fazer uma obra no Brasil hoje é muito difícil.

Didático, deu o exemplo de uma licitação para a compra de computadores para escolas públicas: Nós ficamos dois anos fazendo licitação para entregar 350 mil computadores às crianças, nas escolas. Demorou dois anos para que o Tribunal de Contas permitisse que houvesse a licitação. Agora, as pessoas não medem qual é o prejuízo para a nação e para as crianças se você ficar dois anos esperando.

Lula, como é costumeiro, atrasou a viagem em praticamente todas as etapas, mas pelo menos em uma ocasião incluiu de última hora um compromisso: foi na manhã de ontem, para propiciar aos fotógrafos e cinegrafistas imagens da implosão de um trecho de canal no lote 11. Mesmo local onde, na noite de quarta-feira, vistoriou o trabalho do terceiro turno. Perfuratrizes (ligadas quando o presidente estava prestes a chegar, depois de assistir no acampamento ao jogo entre Brasil e Venezuela), tratores e caminhões basculantes, davam a impressão de um ritmo frenético, acelerado no andamento das obras. No lote 11 trabalham 1,25 mil operários.

Ao contrário de 16 anos atrás, quando liderou as caravanas da cidadania, desta vez Lula desfrutou de confortos como ar condicionado, cama king size e água gelada. O presidente se deslocou entre os eixos do projeto São Francisco de helicóptero, o que, em algumas ocasiões, provocou situações embaraçosas. Quando decolou do lote 11, por exemplo, uma espessa nuvem de poeira encobriu os trabalhadores e populares que foram se despedir do presidente.

No chão, Lula várias vezes teve de percorrer estradas de terra batida. Antes, um carro-pipa molhava a estrada, para que não levantasse poeira quando o presidente passasse.

No Nordeste, Lula teve 77,10% dos votos, na eleição de 2006. Na Bahia e Pernambuco, os dois Estados visitados na Caravana do São Francisco, bateu nos 78% dos votos. É uma situação diferente das caravanas de 1993. Trata-se agora de um presidente quase idolatrado, na região, num esforço para eleger a candidata que impôs ao PT numa eleição que prefere plebiscitária, na base do nós contra eles.

quarta-feira, outubro 14, 2009

Será que Lula está testando seu teflon?

por José Neumanne

Desde que noço líder genial dos povos da floresta, Luiz Inácio Lulinha Paz e Amor o Cara da Silva, envergou a toga, travestindo-se ao mesmo tempo de supremo magistrado perdoador dos amigos e condenador dos adversários tornados inimigos e senador romano defensor do lema in dubio pro reo (na dúvida, a favor do réu), seus desesperados adversários tucanos e dêmicos se torturam com a imbaixável (apud Magri) popularidade dele. E foi aí que cunharam a teoria do teflon. Pois é. Sabe aquela película que é posta nas frigideiras para evitar que a fritura adira a elas? Sua Insolência também teria tal propriedade, pois sujeira nenhuma gruda nele. Por mais evidências que surjam à tona sobre a eventual participação de assessor próximo, amigo do peito, senhorio compadre ou filho prático, sua imagem sempre sai, impávido colosso, de quaisquer complicações, sem máculas nem sequer nódoas de gordura. Nem os dólares na cueca do irmão do companheiro o sujaram.

Lula comporta-se como se desfilasse despido em praça pública, mas num carro protegido por um permitido insulfilm (o teflon da indústria automobilística) que evita que o guri xereta lhe aponte o dedo e berre à multidão que o aplaude: O reizinho está nu. Mas, magnânimo, como seria um califa de mil e uma urnas abarrotadas de votos, Sua Insolência aventura-se às vezes a testar a consistência da camada protetora que mantém sua efígie imaculada, enfrentando desafios nunca antes arriscados por quaisquer antecessores mais temerários. É o caso de apostar nisso neste momento em que ele surfa sobre mais de 80% de aprovação do eleitorado a um ano de se tornar paraninfo da eleição da chefe de sua Casa Civil, Dilma Rousseff, que enfrentará o ogro favorito da oposição, José Serra, na sucessão presidencial. Nunca antes na história deste governo seu chefe desafiou com tanto destemor os favores dos fados benfazejos.

Sua Insolência mandou, por exemplo, que os generais da política econômica desafiassem o dogma da poupança intocável. E fez mais: permitiu que os econometecas do governo cometessem a suprema blasfêmia de fixar como limite da taxação R$ 50 mil, lembrando os Cr$ 50 mil da medida governamental mais impopular da História do Brasil: o confisco da poupança por seu antecessor Fernando Collor e pela ministra dele Zélia Cardoso de Melo, que dizem alguns engraçadinhos ter sido a primeira piada a se casar com um humorista. A única explicação próxima da lógica para a lambança da taxação da poupança seriam os arrepios de náusea que essa modalidade popular de investimento para evitar a corrosão da moeda provocam hoje nas instituições financeiras. Se essa hipótese de maledicentes da oposição for absurda, resta o dilema atroz provocado pelo anúncio da medida: para que mexer nesse vespeiro em véspera de eleição difícil com candidato pesado para enfrentar adversário favorito? Só pode ser a disposição de Lula de testar a consistência de seu teflon.

Ousada? Pode ser. Tanto que o próprio Lula, ao que tudo indica, mandou a turma da economia voltar atrás na medida, não por ser absurda, mas por não haver razões políticas para adotá-la. E ainda houve outras piores. Que tal essa de o governo não devolver o dinheiro, tomado antecipadamente das pessoas físicas, do Imposto de Renda? O próprio presidente disse que esse empréstimo compulsório sem devolução à vista não atende aos princípios elementares da economia, pois o governo quer é ver o cidadão com dinheiro no bolso para poder comprar, gastando mais. O comentário seria de uma lógica cristalina se não fosse o comentarista chefe do governo que tomou a medida antipática, apostando na certa no fato de a grande maioria do eleitorado, residente nas favelas que ardem e nos morros que deslizam, não ter um tostão guardado com o infidelíssimo depositário federal. E mais: lembrou que já houve similares batidas de carteira do contribuinte no passado. Quer dizer, então, que para a tunga - e só para a tunga - não vale o refrão nunca antes na História deste país, é? Tá bom!

Os exemplos de Lula testando seu teflon se multiplicam, não havendo aqui espaço para citar todos. Vamos apenas a mais um. O Ministério da Educação (MEC) contratou uma empresa privada para cuidar das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que vinha reunindo cacife para substituir o vestibular como uma forma mais transparente e justa de selecionar universitários. Alguns funcionários temporários da gráfica carregaram a prova impressa debaixo da blusa e dentro da cueca, evidenciando o vazamento, do qual saíram prejudicados milhões de estudantes que se beneficiariam com a inclusão da nota do Enem para terem acesso à universidade. Chamar os autores da façanha de pés de chinelo seria exagerado: não chegam a sê-lo. A Polícia Federal (PF) detalhou as falhas da segurança da empresa contratada e elas atingem as raias do incrível. Ainda assim, a PF das operações espetaculares, a PF republicana que não dá mole para bandidos, forjou um perdão para o contratante de fazer corar frade de pedra. A fragilidade foi da empresa contratada, que ganhou a licitação. Não houve fragilidade do governo, disse seu superintendente, Fernando Duran.

A mesma Federal não teme prender banqueiros que promotores e juízes consideram inescrupulosos, mas não dá ao Ministério Público uma informação que o autorize a pedir a prisão de Valdomiro Diniz, o factótum da Casa Civil do tempo de Zé Dirceu, que confessou ter achacado um empresário da jogatina e passeia sua impunidade pelo Planalto Central. Uma pergunta que não quer calar é se essa dubiedade pode explicar o teflon de Lula. Outra é se o insulfilm que impede a visão da nudez real não resultaria da suspeição inepta da oposição, incapaz de apontar o dedo por temer que vejam que ele não está muito limpinho.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

terça-feira, outubro 13, 2009

O PT e a sétima arte

por Solange Amaral

Enganam-se aqueles que pensam que a sucessão presidencial, em 2010, será marcada pela modernidade na comunicação, seguindo o modelo de sucesso adotado pelo presidente Barack Obama, que inovou ao usar com competência as redes sociais da internet. O governo federal e o PT sabem que o grosso do seu eleitorado nunca ouviu falar em Twitter ou Facebook, e por isso apostarão suas fichas num aparelho criado pelos irmãos Lumière, no século 19, batizado de cinematógrafo.

Peço licença aos patrulheiros de plantão, mas a verdade é que o filme "Lula, o filho do Brasil", que será lançado no ano da eleição, é o trunfo que o governo precisa para eleger até um poste. Trata-se de um filme-exaltação, contando o drama de um homem igual a milhões de outros brasileiros que vivem em situação de miséria no país. O problema é que o filme conta apenas a verdade que interessa ao Planalto, omitindo os desvios éticos do protagonista, já como presidente, como a compra de parlamentares no escândalo do Mensalão, o aparelhamento de organizações sociais e os acordos para consolidar sua base política.

Será que o Planalto, através do seu diligente ministro da Justiça, Tarso Genro, permitiria a exibição de um documentário, no estilo Michael Moore, contando os bastidores dos oito anos do governo petista? O público, que será brindado com cenas lacrimosas de um retirante que se tornou presidente, também tem interesse em conhecer os métodos usados pelo "Cara" para domesticar a UNE, o MST e as centrais sindicais.

O cruzamento de imagens de arquivo, onde Lula chamava de corruptos aqueles que hoje são seus aliados, é reflexão necessária sobre uma realidade que não pode ser omitida, para o filme ter começo, meio e fim.

Para quem não está convencido de que "Lula, o filho do Brasil" é um panfleto eleitoral, o próprio presidente dá a pista sobre a verdade que se esconde no escurinho do cinema. Com o filme pronto, sua meta é criar salas de exibição nas periferias do Brasil. A proposta de criação do Vale Cultura, encaminhada com pedido de urgência urgentíssima ao Congresso, é excelente. Mas por uma questão de respeito e equilíbrio do jogo democrático, é inaceitável que o acesso à cultura seja impregnado por intenções político-eleitoreiras.

A senadora Marina Silva e os governadores José Serra e Aécio Neves rendem excelentes filmes. Nas mãos habilidosas de um cineasta, qualquer história toca a sensibilidade de um povo.

"Lula, o filho do Brasil" não foi feito para emocionar. A meta é eleger sua candidata em 2010.

sexta-feira, outubro 02, 2009

El Gran Circo

por Nelson Motta aqui

Eu confesso: não consigo viver sem o Gran Circo Latinoamericano, sem seus palhaços e dinossauros, sem seus domadores de multidões com seus trajes típicos, sem suas bravatas retumbantes. É diversão garantida. Leio diariamente jornais de Caracas, La Paz e Buenos Aires, e não perco as “Reflexões do companheiro Fidel” no “Granma”. No picadeiro digital, o velho apresentador do circo, em vez do “respeitável público”, saúda os “compañeros revolucionários”. E passa o microfone ao seu sucessor Hugo Chávez.

Aos colegas da Unasul e ao mundo, Chávez denuncia com provas cabais um plano de dominação do Império sobre a América Latina a partir da Colômbia, como se fossem documentos secretos do Pentágono capturados pelos serviços de inteligência bolivarianos. Era só um velho estudo acadêmico, publicado na internet. Um sketch de comédia à altura de um “Zorra Total”, só que menos sofisticado.

Logo depois, Evo “Zacarias” Morales denuncia que os americanos oferecem ajuda para o combate ao narcotráfico com o único objetivo de desmoralizar as Forças Armadas da região, que não teriam competência para combatê-lo sozinhas. E, por desprezarem as nossas forças guerreiras, são desafiados, de punhos cerrados: “Que vengan los gringos!”

O público grita “Pátria o muerte”! Que filme de Cantinflas ou Chapolin, que comédia dos Trapalhões pode ser mais cômica? Pena que, pelas bravatas e trapalhadas do Gran Circo Lationamericano, sempre morra muita gente inocente.

Agora, com a entrada em cena do quase inverossímil “Mel” Zelaya e seu chapelão, o Gran Circo vive um grande momento, palhaços gritam bravatas, domadores de multidões bradam seus slogans e palavras de ordem, malabaristas da lógica e trapezistas da democracia as usam para tentar destruir a democracia e a lógica.

No picadeiro central, a luta do século: O Perfeito Idiota Latinoamericano enfrenta o Politicamente Correto Norteamericano. É um telecatch com tudo combinado e ensaiado, e no final, os adversários descobrem que são irmãos e se abraçam. E juram lutar juntos contra o capitalismo, pelo povo. A multidão delira, o circo pega fogo.