domingo, maio 31, 2009

Nação Guarani

por Denis Lerrer Rosenfield - O Estado de S. Paulo - 25/05/2009

A demarcação da Raposa-Serra do Sol já aparecia como o prelúdio do que estava por vir. Apesar das ressalvas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal, que tornaram menos aleatórias e arbitrárias as demarcações e homologações de terras indígenas, o processo de relativização da propriedade privada e da soberania nacional segue agora o seu curso. Imediatamente após a decisão do Supremo, as agremiações ditas movimentos sociais, como o MST e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ala esquerdizante da Igreja Católica, deflagraram um processo de fragilização dessas ressalvas, procurando, nos fatos, mostrar que a lei a eles não se aplica. Tornaram ainda mais explícitas suas posições contra a economia de mercado, a propriedade privada, o agronegócio e o Estado de Direito. Vejamos.

O Cimi e os ditos movimentos sociais estão entrando numa nova etapa de formação da opinião pública nacional e internacional, propugnando pela formação de uma nação guarani. As publicações Porantim (Cimi) e Sem Terra (MST) já trazem matéria a esse respeito, pois essas organizações têm plena consciência de que sem o apoio da opinião pública nenhuma transformação política pode ter lugar. As mentes precisam ser conquistadas para que haja um espaço de abertura para mudanças. Eles estão cientes de que a política moderna, a das democracias representativas, está alicerçada na opinião pública. Utilizam-se, nesse sentido, da democracia para subvertê-la, arruinando as suas instituições.

Para que se tenha ideia da enormidade que está sendo tramada, a dita nação guarani abarcaria partes dos seguintes Estados brasileiros: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. O foco é o Estado de Mato Grosso do Sul num primeiro momento e, logo após, Santa Catarina e Espírito Santo.

Cabe ressaltar que é em Mato Grosso do Sul que essa luta se vai travar prioritariamente. Eles reconhecem que perderam nesse Estado a primeira batalha política junto à opinião pública pela disputa desses territórios indígenas. Houve forte reação de proprietários rurais, parlamentares e do próprio governador, impedindo uma primeira tentativa de amputação de cerca de um terço de seu território. Naquele então, o discurso apresentado era de que se tratava apenas de uma nova demarcação, que corrigiria uma "injustiça" histórica. Em suma, afetaria apenas alguns proprietários. Ora, já naquela ocasião o que estava em pauta era a formação de uma nação guarani, projeto que ainda não dizia explicitamente o seu nome. Agora estão preparando a segunda batalha, com a bandeira guarani orientando os seus movimentos. Novas portarias da Funai se inscrevem nesse processo em curso.

A nação guarani não está, porém, restrita a esses Estados brasileiros, mas se estende a outros países: Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai. Segundo eles, a Bolívia já trilha esse caminho político, necessitando apenas ser apoiada no que vem fazendo, destruindo, na verdade, as frágeis instituições daquele país. O foco, aqui, seria o Paraguai, onde o processo se inicia com um presidente simpatizante da "causa" e que, via Teologia da Libertação, compartilha os mesmos pressupostos teóricos do Cimi, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do MST. Entendem-se, portanto, melhor a sustentação dessas agremiações políticas ao presidente Lugo e a política adotada de apoio às invasões das terras dos brasiguaios. A identidade brasileira não lhes interessa.

Para granjear a simpatia da opinião pública internacional criaram um site global, hospedado nos EUA, assumido por uma ONG holandesa e alimentado pela regional do Cimi de Mato Grosso do Sul. Observe-se que é o próprio Cimi que elabora o conteúdo de um site internacional (www.guarani-campaign.eu), visando a interferir, dessa maneira, nos assuntos brasileiros, escolhendo como alvo o Estado de Mato Grosso do Sul. Aliás, o site é muito bem feito, começando por uma apresentação gráfica da América Latina sem fronteiras, sob o nome de Ameríndia. A verdadeira América Latina seria a pré-colombiana. Provavelmente pensam, no futuro, em expulsar todos os brancos e negros, europeus, africanos e asiáticos, que deram, pela miscigenação, a face deste nosso Brasil!

Como não poderia deixar de ser, o site comporta várias versões: em português, inglês e holandês, estando prevista a sua ampliação para o alemão. Para quem se preocupa com a opinião pública internacional, busca apoio político e financiamento na Europa e nos EUA, uma ferramenta desse tipo é vital. É ela que terminará alimentando as pressões exercidas sobre o Brasil e subsidiará, também, os formadores de opinião nacionais e internacionais.

Consoante com esse trabalho, foi elaborando um mapa da nação guarani, denominado Guarani Retã, que englobaria os Estados brasileiros acima listados e os países latino-americanos vizinhos. Chama a atenção o fato de a América Latina ser apresentada como um território verde, sem fronteiras nacionais, com o lema "terra sem males". Procedimento semelhante foi adotado com o mapa quilombola, elaborado pela Universidade de Brasília, que orienta hoje as ações da Fundação Palmares, do Incra e dos ditos movimentos sociais. A estratégia política é a mesma.

O Cimi, em suas publicações, reconhece ainda a aliança estratégica com o MST, que lhe ofereceu apoio logístico e organizacional em invasões e outras manifestações, como campanhas de abaixo-assinados. Exemplo recente seria Roraima, com "assessores" emessetistas "ajudando" os indígenas em plantações de arroz. Esses "brancos", aliás, podem lá entrar! Reconhecem, inclusive, que tal aliança foi operacional no Espírito Santo, na luta contra a Aracruz, pois, como se sabe, as plantações de eucaliptos e a indústria de papel e celulose são símbolos, a serem destruídos, do agronegócio.

sexta-feira, maio 15, 2009

O capitalismo anticapitalista

A indústria cultural americana é hoje uma central de propaganda comunista mais virulenta do que a KGB dos tempos da Guerra Fria.
Olavo de Carvalho - 13/5/2009 - 20h25 - Diário do Comercio

Quando digo que a democracia capitalista dificilmente pode sobreviver sem uma cultura de valores tradicionais, muitos liberais brasileiros, loucos por economia e devotos da onipotência mágica do mercado, fazem expressão de horror, de escândalo, como se estivessem diante de uma heresia, de uma aberração intolerável, de um pensamento iníquo e mórbido que jamais deveria ocorrer a um membro normal da espécie humana.

Com isso, só demonstram que ignoram tudo e mais alguma coisa do pensamento econômico capitalista. Aquela minha modesta opinião, na verdade, não é minha. Apenas reflete e atualiza preocupações que já atormentam os grandes teóricos do capitalismo desde o começo do século 20.

Um dos primeiros a enunciá-la foi Hillaire Belloc, no seu livro memorável de 1913, The Servile State, reeditado em 1992 pelo Liberty Fund. A tese de Belloc é simples e os fatos não cessam de comprová-la: destravada de controles morais, culturais e religiosos, erigida em dimensão autônoma e suprema da existência, a economia de mercado se destrói a si mesma, entrando em simbiose com o poder político e acabando por transformar o trabalho livre em trabalho servil, a propriedade privada em concessão provisória de um Estado voraz e controlador.

Rastreando as origens do processo, Belloc notava que, desde o assalto dos Tudors aos bens da Igreja, cada novo ataque à religião vinha acompanhado de mais uma onda de atentados estatais contra a propriedade privada e o trabalho livre.

Na época em que ele escrevia The Servile State, as duas fórmulas econômicas de maior sucesso encarnavam essa evolução temível cujo passo seguinte viria a ser a I Guerra Mundial. Quem mais compactamente exprimiu a raiz do conflito foi Henri Massis (que parece jamais ter lido Belloc). Em Défense de l’Occident (1926), ele observava que, numa Europa desespiritualizada, todo o espaço mental disponível fora ocupado pelo conflito "entre o estatismo ou socialismo prussiano e o anti-estatismo ou capitalismo inglês".

O capitalismo venceu a Alemanha no campo militar, mas a longo prazo foi derrotado pelas idéias alemãs, curvando-se cada vez mais às exigências do estatismo, principalmente na guerra seguinte, quando, para enfrentar o socialismo nacional de Hitler, teve de ceder tudo ao socialismo internacional de Stálin.

Hoje, Défense de l’Occident é um livro esquecido, coberto de calúnias por charlatães como Arnold Hauser – que chega ao absurdo de catalogar o autor entre os protofascistas – mas seu diagnóstico das origens da I Guerra continua imbatível, tendo recebido ampla confirmação pelo mais brilhante historiador vivo dos dias atuais, Modris Eksteins, em Rites of Spring: The Great War and the Birth of the Modern Age, publicado em 1990 pela Doubleday (nem comento o acerto profético das advertências de Massis quanto à invasão oriental da Europa, do qual tratarei num artigo próximo).

Segundo Eksteins, a Alemanha do Kaiser, fundada numa economia altamente estatizada e burocrática, encarnava a rebelião modernista contra a estabilidade da democracia parlamentar anglo-francesa baseada no livre mercado. Esta só saiu vitoriosa em aparência: a guerra em si, por cima dos vencedores e perdedores, fez em cacos a ordem européia e varreu do mapa os últimos vestígios da cultura tradicional que subsistiam no quadro liberal-capitalista.

Outro que entendeu perfeitamente o conflito entre a economia de mercado e a cultura sem espírito que ela mesma acabou por fomentar cada vez mais depois da I Guerra foi Joseph Schumpeter. O capitalismo, dizia ele em Capitalism, Socialism and Democracy (1942), seria destruído, mas não pelos proletários, como profetizara Marx, e sim pelos próprios capitalistas: insensibilizados para os valores tradicionais, eles acabariam se deixando seduzir pelos encantos do estatismo protetor, irmão siamês da nova mentalidade modernista e materialista.

Que na era Roosevelt e na década de 50 a proposta estatista fosse personificada por John Maynard Keynes, um requintado bon vivant homossexual e protetor de espiões comunistas, não deixa de ser um símbolo eloqüente da união indissolúvel entre o antiliberalismo em economia e o antitradicionalismo em tudo o mais.

Nos EUA dos anos 60, essa união tornou-se patente na "contracultura" das massas juvenis que substituíram a velha ética protestante de trabalho, moderação e poupança pelo culto dos prazeres – pomposamente camuflado sob o pretexto de libertação espiritual – , investindo ao mesmo tempo, com violência inaudita, contra o capitalismo que lhes fornecia esses prazeres e contra a democracia americana que lhes assegurava o direito de desfrutá-los como jamais poderiam fazer na sua querida Cuba, no seu idolatrado Vietnã do Norte. Mas o reino do mercado é o reino da moda: quando a moda se torna anticapitalista, a única idéia que ocorre aos capitalistas é ganhar dinheiro vendendo anticapitalismo.

A indústria cultural americana, que no último meio século cresceu provavelmente mais que qualquer outro ramo da economia, é hoje uma central de propaganda comunista mais virulenta que a KGB dos tempos da Guerra Fria. A desculpa moral, aí, é que a força do progresso econômico acabará por absorver os enragés, esvaziando-os pouco a pouco de toda presunção ideológica e transfigurando-os em pacatos burgueses.

O hedonismo individualista e consumista que veio a dominar a cultura americana a partir dos anos 70 é o resultado dessa alquimia desastrada; tanto mais desastrada porque o próprio consumismo, em vez de produzir burgueses acomodados, é uma potente alavanca da mudança revolucionária, visceralmente estatista e anticapitalista: uma geração de individualistas vorazes, de sanguessugas carregadinhos de direitos e insensíveis ao apelo de qualquer dever moral não é uma garantia de paz e ordem, mas um barril de pólvora pronto a explodir numa irrupção caótica de exigências impossíveis.

Em 1976 o sociólogo Daniel Bell já se perguntava, em The Cultural Contradictions of Capitalism, quanto tempo poderia sobreviver uma economia capitalista fundada numa cultura louca que odiava o capitalismo ao ponto de cobrar dele a realização de todos os desejos, de todos os sonhos, de todos os caprichos, e, ao mesmo tempo, acusá-lo de todos os crimes e iniqüidades. A resposta veio em 2008 com a crise bancária, resultado do cinismo organizado dos Alinskys e Obamas que conscientemente, friamente, se propunham drenar até ao esgotamento os recursos do sistema, fomentando sob a proteção do Estado-babá as ambições mais impossíveis, as promessas mais irrealizáveis, os gastos mais estapafúrdios, para depois lançar a culpa do desastre sobre o próprio sistema e propor como remédio mais gastos, mais proteção estatal, mais anticapitalismo e mais ódio à nação americana.

Em 1913, as previsões de Hillaire Belloc ainda poderiam parecer prematuras. Era lícito duvidar delas, porque se baseavam em tendências virtuais e nebulosas. Diante do fato consumado em escala mundial, a recusa de enxergar a fraqueza de um capitalismo deixado a si mesmo, sem as defesas da cultura tradicional, torna-se uma obstinação criminosa.

Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de Filosofia

sábado, maio 09, 2009

As armas e os varões!!!

No Políbio Braga:
Conheça melhor a verdadeira história de Dilma Roussef

OPINIÃO DO LEITOR
Piauí não conta a verdadeira história de Dilma

Cansativo o texto, com historinhas para boi dormir. Tirou da reta todos crimes cometidos por esta ex-guerrilheira comunista (VAR-Palmares). Inocentando ela e fazendo com que parecesse somente uma menina desorientada, quando na verdade o perfil dela é bem diferente. Pegou em armas, sim, participou ativamente dos ataques, matou gente, roubou (o cofre do Ademar de Barros foi apenas um dos assaltos) e portanto cometeu crimes comuns. Coisa que deveria ser levada em conta pela OAB e colocar esta senhora no rol dos inimigos jurados da democracia, retirando-a da esfera política.Por fim, faço uma observação: o jornalista, conversou com inúmeras pessoas "amigas" da Dilminha, na atualidade e descreveu os lugares e atividades de todos, hoje. Curioso é que todos estão muito bem de vida, inclusive o ex-maridão de Minas e o irmão, aboletados em carguinhos públicos de livre nomeação... A maioria é morador de lugares nobres, lugares onde suas ideologias não aceitavam. Tornaram-se "burgueses", palavra que esta ralé de esquerda que não suou para ganhar o próprio pão, preferindo chupinhar o dinheiro público, usava como pejorativo.Então, como acreditar nestes caras, hoje? Por que votar numa mulher que sequer renega esse passado de bandidagem política, inclusive do próprio líder da Dilma, o Lamarca, assassino confesso ? Bem, o voto é livre e qualquer imbecil tem o direito de exerc-lo. Eglê Sálvio, Belo Horizonte, MG.

A educação política e sentimental de Dilma Rousseff
LUIZ MAKLOUF CARVALHO para Revista Piauí

“O pon está na mesa.” Pétar Russév não conseguia dizer “pão”. Falava pon. Búlgaro, tinha 1,95 metro de altura, olhos azuis, cabelos quase brancos de tão louros. Era advogado e fora filiado ao Partido Comunista da Bulgária. Quando aportou no Brasil, no final dos anos 30, já era viúvo e deixara um filho em sua terra chamado Luben. Ele desembarcou em Salvador, achou o calor intolerável e logo partiu para Buenos Aires, onde ficou alguns anos. Fez uma segunda incursão no Brasil e se estabeleceu em São Paulo. Veio com algum dinheiro e soube fazê-lo crescer. Era bom de negócios.

Pétar Russév mudou o nome para Pedro e afrancesou o sobrenome para Rousseff. Numa viagem a Uberaba, se encantou com a professora Dilma Jane Silva. Ela tinha 20 anos, nascera em No-va Friburgo, no Rio, e fora criada em Minas, em Uberaba. Casaram-se por lá e depois se mudaram para Belo Horizonte. Igor, o primeiro filho, nasceu no primeiro dia de 1947. Dilma Vana, quase no último: 14 de dezembro. E Zana -Lúcia, a caçula, em 1951. Até hoje a família chama o primogênito à maneira búlgara: Igór. Zana morreu em 1977.

Segundo Igor, sua mãe era “a mulher mais bonita de Uberaba”. Os pais dela criavam gado. Apesar da diferença de idade entre ela e o marido, sempre se deram muito bem.

Rousseff ganhou um bom dinheiro empreitando obras para a siderúrgica Mannesmann e negociando imóveis que ele mesmo fazia construir. “Meu pai era muito bom em cálculos”, disse-me Igor numa entrevista em Belo Horizonte. Na lembrança do filho, o búlgaro amava os prazeres da vida: fumava cinco maços de Cairo por dia, tomava uísque, jogava cartas e se deleitava com uma mesa farta.

Os Rousseff moravam numa casa espaçosa, cuidada por três empregadas. As refeições eram servidas à francesa, com guarnições e talheres específicos. O patriarca era louco por dobradinha – que Igor até hoje odeia, fazendo uma careta ao lembrar o “cheiro insuportável” do cozimento da tripa – e às vezes metia-se ele mesmo a fazer “aqueles queijos bichados” (segundo o filho) que comia na Europa.

No começo, a tradicional família mineira olhou de cima para baixo o estrangeiro bon vivant. “No jardim-da-infância, eu e a Dilminha fomos matriculados numa escola boa, mas não na melhor, porque disseram que não tinha vaga”, disse Igor. Exigente em matéria de notas e estudos, Rousseff se esforçou em dar uma formação de classe média européia aos filhos. As crianças tinham piano em casa e uma professora particular, madame Vincent, os visitava semanalmente para ensinar francês. “O velho cobrava mesmo”, lembrou Igor. “Nunca bateu, mas era um suplício quando começava a reclamar.”

Com o passar do tempo, o crescimento dos filhos e o incremento no padrão familiar, os Rousseff dirimiram preconceitos e foram plenamente aceitos. Ficaram sócios dos clubes mais tradicionais e Igor e Dilma entraram nas melhores escolas – ela no Colégio Sion, de freiras, particular, e depois na Estadual Central, público e renomado. Nas férias, iam de avião para a praia de Guarapari, no Espírito Santo, onde ficavam três semanas no Radium, o hotel-cassino. Pedro Rousseff passava horas jogando, apesar de não ser viciado. Era viciado, isso sim, em cigarro, mas sabia que fazia mal à saúde. “Ele odiava o cigarro e tinha pavor que eu viesse a fumar”, lembrou o filho. Nas vezes em que flagrou Igor fumando, Pedro Rousseff deu-lhe broncas mais do que enfáticas. O filho fuma até hoje.

O pai uma vez o levou de carro ao Rio de Janeiro. Ficaram hospedados no (então) suntuoso Hotel Novo Mundo, no Flamengo, que tinha no saguão um lustre imenso. O búlgaro comentou que vira lustres muitíssimo mais valiosos em hotéis europeus. Levou também o menino para conhecer um dos bancos com o qual fazia negócios. Não exatamente o banco, mas o cofre, com as pesadas portas de metal que Igor nunca esqueceu.

Pedro Rousseff incutiu nos filhos o gosto pela leitura. Deu a eles as obras completas de Monteiro Lobato, livros de Jorge Amado e filósofos gregos. “Dilminha sempre estava com algum livro”, disse Igor. O irmão não lembra se ela era boa aluna. O histórico escolar dela está guardado nos arquivos da Estadual Central, hoje Escola Estadual Governador Milton Campos. “Eu só libero se a ministra autorizar por escrito”, informou-me a diretora Maria José Duarte. A ministra-chefe da Casa Civil não autorizou.

Pedro Rousseff morreu em setembro de 1962. Já era brasileiro naturalizado e planejava para breve uma visita à Bulgária. Igor tinha 15 anos e Dilma um a menos. “A noite em que o pai morreu foi dramática”, recordou o filho. “Ele tinha ido jogar no Clube Campestre, voltou pelas onze da noite e de repente se sentiu mal, passando a respirar com dificuldade. Estávamos todos em casa. O médico foi lá, mas não teve jeito. Morreu em casa e foi velado em casa, de onde saiu o enterro.” O meio-irmão búlgaro, Luben – do qual o pai falava com frequência –, foi informado e entrou como um dos herdeiros no processo do inventário. Ele era engenheiro e faleceu em 2007 *. Segundo Igor, Pedro Rousseff deixou “uns quinze bons imóveis”. Continuou a falar pon em vez de “pão” até morrer.

Em 1965, quando Dilma Rousseff prestou concurso e entrou na Estadual Central, a escola era um centro de agitação do movimento secun-darista, radicalizado pelo golpe militar do ano anterior. Com 17 anos, muitas leituras e intelectualmente inquieta, Dilma deu ali os primeiros passos de sua educação política. Dois anos depois, passou a militar numa organização chamada Política Operária, mais conhecida como Polop. Fundada em 1961, ela teve origem no Partido Socialista Brasileiro. Pouco depois da entrada de Dilma, a Polop atravessou um período de turbulência teórica, polemizando acerca do melhor método para derrubar a ditadura e avançar na luta pelo socialismo. Grosso modo, uma ala defendia a reivindicação de uma Assembléia Constituinte. Outra, a prioridade para a luta armada. Dilma ficou em dúvida, flertou com a primeira posição, mas acabou com o segundo lado, que veio a formar o Comando de Libertação Nacional, o Colina.

Nessa época, ela conheceu Cláudio Galeno Linhares, de 24 anos. “Fiquei encantado com a beleza, a personalidade e a inteligência da Dilma”, disse-me ele no restaurante de um hotel em Belo Horizonte. Galeno, como todos o chamam, tem 67 anos, é baixo e está bem mais gordo do que gostaria. Apesar de ser cinco anos mais velho que a antiga namorada, ele comentou: “Não fui eu quem fez a cabeça da Dilma, ela sabia das coisas, já tinha contato com a organização.” Galeno ficou encabulado quando perguntei detalhes sobre o início do namoro. “Nos apaixonamos mutuamente e tivemos um namoro intenso”, resumiu. Casaram-se no ano seguinte, apenas no civil, com uma pequena festa para os amigos mais próximos, no caso os camaradas de militância.

Em 1967, com 20 anos, o hoje deputado federal tucano José Aníbal conheceu Dilma. “Ela era muito inteligente e tinha bom humor”, lembrou o deputado em seu escritório de São Paulo. Mais inclinado para a constituinte do que para a luta armada, Aníbal não aderiu ao Colina e perdeu a companheira de vista.

Já Galeno defendia a luta armada. “Aprendi a fazer bomba na farmácia do meu pai”, brincou, acendendo o primeiro dos três cigarros que fumou em três horas de conversa, enquanto bebia café e água. Era uma farmácia de manipulação, cheia de pós e líquidos químicos guardados em potes de vidro. Ele nasceu e morou em Ferros, mas estudou em colégio interno na cidade vizinha de Conceição do Mato Dentro. Com 12 anos, a família se mudou para a capital e Galeno foi colocado num colégio público.

Serviu o Exército por três anos e, em 1962, entrou na Polop. O golpe militar o pegou no Rio de Janeiro, enfiado até o pescoço na sublevação dos marinheiros. Foi um dos presos mantido no porta-aviões Minas Gerais e, depois, por cinco meses, no presídio da ilha das Cobras. No final do ano obteve um habeas corpus, foi solto e voltou a Belo Horizonte. Trabalhou como repórter na sucursal do jornal Última Hora. Seu chefe era Guido Rocha, um dos principais líderes da Polop, que conhecera na cadeia. Rocha era contra a luta armada.

O médico Apolo Heringer, de 66 anos, está engajado na luta contra a transposição do rio São Francisco. A causa o apaixona tanto que, uma vez, telefonou para a ex-camarada Dilma Rousseff. Ele atacou a mais não poder a transposição e ela o escutou com paciência, mas no final defendeu o projeto do go-verno Lula. Em 1968, Heringer era dirigente do Comando de Libertação Nacional. “Dei aula de marxismo para a Dilma quando ela ainda era estudante secundarista”, relembrou. “Ela era inteligente, mais simpática do que bonita, e tinha um carisma próprio.”

Na avaliação de Heringer, Dilma era “filha política” de Guido Rocha. “O Guido defendia fortemente que lutássemos por uma Assembléia Nacional Constituinte”, disse o médico. “Ele escreveu uma tese a esse respeito, que a Dilma leu. O problema foi a chegada daquele livrinho.”

O livrinho era Revolução na Revolução, de Régis Debray, jovem intelectual francês que, em 1965, se mudou para Cuba, onde ficou amigo de Fidel Castro e se dedicou a propagandear a teoria do “foco” – a idéia de que a guerrilha seria o estopim que deflagraria a revolução anticolonial, que terminaria por expropriar a burguesia. O livro foi publicado em 1967, o mesmo ano em que, acompanhando a aventura guerrilheira de Che Guevara, Debray foi preso na Bolívia. “O livro incendiou todo mundo, inclusive a Dilma”, disse Apolo Heringer.

Outro incendiado pelo livro de Debray foi o estudante de medicina Jorge Nahas. Ele participou da primeira ação armada do Colina, em agosto de 1968: vestido de policial, assaltou com quatro camaradas um jipe da Secretaria da Fazenda que fazia transporte de valores. “Mas não havia um tostão furado no jipe”, lamentou, sorrindo, Nahas, que é secretário de política social da Prefeitura de Belo Horizonte.

“A Dilma tinha uma grande capacidade de liderança”, continuou. “Ela sabia se impor numa reunião e integrava com naturalidade aquele coletivo de homens mandões.” Maria José de Carvalho, a Zezé, então casada com Jorge Nahas, também se lembrou da ministra: “Ela era bonita e tinha muita desenvoltura.” Segundo Zezé, Dilma não participava dos assaltos porque “ela era conhecida pela sua atuação pública”. As tarefas dela no Colina estavam ligadas à feitura do jornalzinho O Piquete, à preparação de aulas sobre marxismo e a contatos com sindicatos. Teve também aulas sobre armamentos, tiro ao alvo, explosivos e enfrentamentos com a polícia. Boa parte das aulas foi ministrada nos arredores de Belo Horizonte pelo ex-sargento da Aeronáutica João Lucas Alves. “O João Lucas ficava hospedado na nossa casa”, contou Galeno, orgulhoso do risco.

“Eu conheci a Dilma em um desses cursos de revolução”, contou o advogado Gilberto Vasconcelos em seu escritório de Uberaba. “Giba”, como a ministra o chama, tem um filho que é subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil. “Nós aprendíamos a fazer bomba, e a dar tiros, muito precariamente”, lembrou Giba. Ele foi um dos estudantes presos no congresso da União Nacional dos Estudantes, em Ibiúna. Solto depois de alguns dias, voltou para Uberaba. Sua tarefa, no começo de 1969, era a preparação de um assalto a uma agência do Banco do Brasil. Até janeiro daquele ano, o Colina contabilizava, em Minas, quatro assaltos a bancos, uma meia dúzia de carros roubados e dois atentados a bomba, sem vítimas, a residências de autoridades locais.

A organização tinha um punhado de armas, pouco dinheiro e a disposição de algumas dezenas de militantes jovens e abnegados, embalados não apenas pelas idéias de Debray, mas também pelo Maio francês e pela ofensiva dos vietcongues de dezembro de 1968, na qual os guerrilheiros chegaram aos jardins da embaixada americana em Saigon.

As coisas se complicaram no dia 14 de janeiro de 1969, depois de um assalto ao Banco da Lavoura de Sabará, do qual Zezé Nahas participou. Alguns militantes foram presos, entre eles Ângelo Pezzuti, da direção do Colina. Sete integrantes da organização se reuniram em uma casa alugada no bairro de São Geraldo e discutiram como tirar o dirigente da prisão. “O clima estava tenso desde a prisão do Ângelo, mas o fato é que dormimos todos na casa de São Geraldo sem maiores preocupações”, relembrou Zezé Nahas.

Começava a amanhecer quando policiais civis invadiram a casa atirando. Murilo Pezzuti, irmão de Ângelo, acordou com a barulheira, pegou uma metralhadora Thompson e mandou bala em três policiais, matando dois e ferindo um. A polícia baleou o estudante Maurício Paiva. “Eu também devia ter atirado, como o Murilo, mas faltou coragem”, disse Jorge Nahas.

A cólera dos policiais com a morte dos colegas levou-os a espancar os militantes e a ameaçá-los com um fuzilamento coletivo ali mesmo. Com dificuldade, o delegado que comandava a operação controlou a tropa e levou os sete para o Departamento de Ordem Política e Social, o Dops. O Inquérito Policial Militar sobre o Colina foi comandado pelo coronel Octavio Aguiar de Medeiros, que no governo de João Figueiredo foi chefe do Serviço Nacional de Informações.

Naquela noite, Dilma e Cláudio Galeno não dormiram no apartamento em que moravam, o 1001 do Condomínio Solar. Estavam apreensivos desde a prisão de Ângelo Pezzuti – frequentador do imóvel – e passaram a tomar alguns cuidados, entre eles o de dormir cada noite num local. Quando souberam das prisões, a primeira providência foi voltar ao apartamento para destruir documentos e tudo que pudesse ligá-los à organização.

O casal entrou pela garagem sem ser visto. “O apartamento tinha até microfilme de uma possível área de treinamento de guerrilha, escondido em uma das tomadas”, contou Galeno. “Ficamos lá dentro, no mais absoluto silêncio. Lá pelas tantas tocaram a campainha. Eu vi coturnos pelo olho mágico e, pela persiana da janela, três carros suspeitos lá embaixo. Continuamos em silêncio e destruímos toda a papelada que pudesse nos comprometer. Como não podia dar a descarga, eu espetava os papéis em um arame de cabide e enfiava pelo ralo, o mais fundo que podia. Limpamos tudo e saímos pelos fundos, no elevador de serviço. Foi um sufoco.” Estavam na clandestinidade.

Dilma, que terminara o segundo ano na faculdade de ciências econômicas, tinha completado 21 anos em dezembro de 1968 – um dia depois da edição do Ato Institucional nº 5. Ela e o marido ficaram em Belo Horizonte mais algumas semanas, tentando reorganizar o que sobrara do Colina, pulando de esconderijo em esconderijo. Souberam que as casas de seus pais e familiares haviam sido visitadas e eram vigiadas por policiais.

“Estiveram lá em casa procurando a Dilma e o Galeno, foi um susto danado”, contou Igor Rousseff. Indiferente à política – “eu não era de esquerda nem de direita” –, em 1966 Igor partiu para uma temporada no Canadá e nos Estados Unidos. Trabalhou como garçom, em hotéis, aproveitou o que pôde, e voltou em 1967, a tempo de assistir ao casamento da irmã. “A gente sabia que ela estava envolvida com política, mas não com aquela gravidade toda”, disse. “Só ficamos sabendo quando ela teve que fugir.”

O risco de prisão agravou-se com a publicação na imprensa de um retrato falado de Galeno – “muito fiel”, reconheceu o retratado –, acusando-o de ter participado do assalto de Sabará. Não era verdade, mas era impossível procurar a polícia para explicar. “Decidimos que eu deveria passar por uma transformação física”, prosseguiu Galeno. “Um casal amigo assumiu a tarefa. Primeiro, separaram, com pinça, a minha marca registrada de sobrancelha contínua. Depois descoloriram o cabelo. A sobrancelha ficou preta e os cabelos, vermelhos. Uma coisa terrível.” Quando não deu mais para ficar em Belo Horizonte, a organização determinou que fossem para o Rio. Primeiro foi Galeno, de ônibus. Uma semana depois Dilma partiu, de ônibus também.

No dia 18 de março de 1969, o coronel Octavio Medeiros mandou invadir o apartamento 1001 do Condomínio Solar. O auto de busca e apreensão relaciona em duas laudas o material que Dilma Rousseff e Galeno abandonaram. Entre os livros há Torturas e Torturados, de Marcio Moreira Alves, A História da Revolução Russa, de Leon Trotsky, Cultura e Revolução Cultural, de Vladimir Lênin, Revolução e Estado, de Fidel Castro, e Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina, de Celso Furtado. Entre as publicações, uma coleção da Revista Civilização Brasileira e alguns números da Monthly Review. O resto são objetos como um binóculo e duas serras portáteis, apostilas de assuntos variados, recibos de contas domésticas e documentos pessoais. E nada daquilo que o coronel queria – material interno sobre a “organização político-militar”, como a denominou no inquérito.

No Rio, o casal fez parte dos “deslocados” – como passaram a ser denominados os militantes transferidos de outras cidades, clandestinos e procurados. Outro “deslocado” era Fernando Pimentel (que veio a ser prefeito de Belo Horizonte). Quando a casa de São Geraldo foi invadida, ele era um garoto de 18 anos. O pai pediu que se entregasse ao Exército, mas ele se recusou e entrou na clandestinidade.

Quando os “deslocados” começaram a chegar ao Rio, Juarez Brito e sua mulher Maria do Carmo faziam parte da direção do Colina. “A enxurrada de mineiros deixou a gente louco, porque simplesmente não havia infra-estrutura para cuidar de todo mundo”, contou Maria do Carmo no terraço de seu apartamento, no bairro carioca de Laranjeiras. Galeno pediu-lhe um lugar para o casal. A resposta foi negativa, mas pegaram algum dinheiro da organização. Acabaram indo para a casa de uma tia de Dilma, que acreditou que a sobrinha e o marido estivessem de férias. Depois moraram num hotelzinho e num apartamento alugado até Galeno ser enviado para Porto Alegre, onde o Colina mantinha contato com uma dissidência do Partido Comunista Brasileiro, o “Partidão”.

Dilma ficou no Rio ajudando a direção da organização. Levava armas, dinheiro e munição para lá e para cá, participava de reuniões, redigia e discutia documentos. Numa das reuniões, ela conheceu o advogado gaúcho Carlos Franklin Paixão de Araújo, o chefe da dissidência do Partidão, que havia hospedado Galeno em Porto Alegre. Tiveram um coup de foudre simultâneo e recíproco. Em sua primeira viagem a Porto Alegre, Dilma informou Galeno sobre o namoro com Carlos Araújo.

No restaurante do hotel, olhando a piscina deserta, Galeno acendeu o terceiro cigarro e disse: “A Dilma é transparente, não tem meia conversa. Ela chegou e falou: ‘Estou com o Carlos.’ E acabou. Foi uma coisa natural, que eu até esperava. Eu também já tinha uma namorada, a Martinha. O rompimento podia sair de mim ou da Dilma. Naquela situação difícil, nós não tínhamos nenhuma perspectiva de formar um casal normal. E ela foi mais valente de expor aquilo no momento justo. Não ficou nenhuma sequela, nenhuma cicatriz. Continuamos grandes amigos, como somos até hoje, o que envolve as respectivas famílias.” (Perguntei se eram amigos a ponto de ele ter o celular pessoal da ministra. “Mesmo que tivesse, não te diria”, respondeu, um pouco irritado.)

“Foi uma coisa muito bonita”, disse-me Dilma, em 2003, quando era ministra das Minas e Energia, numa entevista publicada em parte pela Folha de S. Paulo. “O Carlos pediu a minha mão para o Juarez”, relembrou emocionada.

O casamento estava desgastado desde Belo Horizonte. Quatro militantes que conheceram bem Galeno e Dilma – Apolo Heringer, Fernando Pimentel, José Aníbal e Maria do Carmo Brito – acham que havia uma diferença intelectual entre os dois, com vantagem para Dilma. Galeno concordou: “Ela tinha uma tendência mais acentuada do que eu à atividade intelectual.”

Antes de conhecer Dilma, Carlos Araújo vivia com a geógrafa Vânia Abrantes. Nas contas de dona Marieta, mãe de Araújo, Vânia já era sua oitava mulher. Ele tinha um filho de 8 anos da primeira. “Que mal há nisso?”, perguntou-me, candidamente. “O Carlos era muito sedutor”, disse Vânia em seu apartamento de cobertura em Copacabana. “Um dia ele me disse que estava com uma nova companheira, e deixamos de morar juntos. Mas nem por isso deixamos de ser amigos.”

Carlos Araújo tinha 31 anos quando conheceu Dilma. Filho do advogado Afrânio Araújo, dono de uma prestigiada banca trabalhista e membro do Partido Comunista Brasileiro, começou a militância ainda rapaz, também no PCB. No início do anos 60, mudou-se para Recife e foi assessor de Francisco Julião, o líder das Ligas Camponesas. Viajou com ele pela América Latina, conheceu Fidel Castro e Che Guevara, e foi preso por alguns meses em 1964. Continuou na ativa, organizando grupos de trabalhadores que o procuravam no escritório, até hoje um dos maiores de Porto Alegre. Em 1968, depois do AI-5, “muito impulsivamente”, como disse, aderiu à luta armada. Convenceu alguns camaradas da justeza da luta, conseguiu contato com Maria do Carmo e Juarez, e fez várias viagens ao Rio para conversar com eles.

No primeiro semestre de 1969, Araújo começou a discutir com eles a possibilidade da fusão de seu grupo com o Colina e a Vanguarda Popular Revolucionária, a VPR, organização liderada pelo capitão Carlos Lamarca, que desertara do Exército.

A Vanguarda Popular Revolucionária destacou Antonio Roberto Espinosa para conversar com o pessoal do Colina sobre a possível fusão das organizações. Espinosa tinha 23 anos e um currículo de pelo menos meia dúzia de ações armadas, entre elas dois assaltos a banco e um roubo de armas de um quartel do Exército em São Caetano. “A Dilma, que participou de reuniões sobre a fusão, me lembrou um pouco a Mônica dos quadrinhos de Maurício de Souza, com cabelinho, dentinho e óculos que chamavam a atenção”, disse-me Espinosa, durante um almoço num shopping de Osasco, onde mora.

Em duas conferências em Mongaguá, no litoral paulista, foi formalizada a fusão que deu origem a uma nova organização – a Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares, ou VAR-Palmares. Dilma e Carlos Araújo estiveram presentes entre os representantes do Colina. Pela VPR, o nome mais ilustre era Carlos Lamarca.

O professor de português Fernando Mesquita mora em Nova Xavantina, no Mato Grosso. Tem 64 anos e uma tese defendida no curso de letras da Universidade de São Paulo, sobre o sol na obra de Caetano Veloso. Esteve nas duas conferências de Mongaguá. “A Dilma era agressiva verbalmente”, ele me disse numa entrevista por telefone. “Mas tinha certa fragilidade, algo como uma adolescência não realizada. Na fusão, ela tinha uma crítica à visão militarista da VPR. Já falava na necessidade de um trabalho político de massas, paralelo às ações armadas.” Espinosa também esteve em Mongaguá. Ficou com a impressão de que o capitão Lamarca achava Dilma “metida a intelectual”.

Carlos Araújo foi eleito um dos seis dirigentes da nova organização. O primeiro artigo do seu estatuto dizia: “A Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares é uma organização político-militar de caráter partidário, marxista-leninista, que se propõe a cumprir todas as tarefas da guerra revolucionária e da construção do Partido da Classe Operária, com o objetivo de tomar o poder e construir o socialismo.”

Nas contas do relatório de um Inquérito Policial Militar, a VAR-Palmares contou no seu início com “312 militantes, 94 fuzis, 18 metralhadoras INA, duas metralhadoras Thompson, quatro pistolas 45, 53 FAL, as armas roubadas à Casa Diana (São Paulo), além de grande quantidade de armas individuais de pequenos calibres, muitas bombas, explosivos, carros adquiridos e cerca de 25 mil cruzeiros novos em dinheiro”.

Em Mongaguá, Juarez expôs parte dos planos para o que chamou de “grande ação”. Ela veio a ser, em 18 de julho de 1969, a mais espetacular e a mais rendosa de toda a luta armada: o roubo de 2,5 milhões de dólares do cofre da casa da amante de Ademar de Barros, ex-governador de São Paulo, em Santa Teresa, no Rio. Nem Dilma nem Araújo participaram da ação, mas ambos estiveram envolvidos na sua preparação.

“A ação do cofre foi fundamental para nos dar estabilidade”, disse Araújo. “Fui eu quem levei, de Porto Alegre, o metalúrgico Delci, que abriu o cofre com maçarico no aparelho para onde ele foi levado, em Jacarepaguá, no Rio. Eu também ajudei a tirar de lá as malas com o dinheiro.”

A fortuna não evitou a desintegração da VAR-Palmares. Entre agosto e setembro de 1969, durante um longo e tenso congresso numa casa de Teresópolis, cinquenta militantes discutiram o que fazer. A divisão era entre os “basistas”, que defendiam o trabalho de “massas”, com as “bases”, e os “militaristas”, que advogavam a prioridade da luta armada. “A Dilma se bateu contra o militarismo, defendendo que também se desse importância ao trabalho político”, contou Espinosa. Maria do Carmo também se lembrou da hoje ministra em Teresópolis: “Ela acreditava que a luta de massas era mais importante que a luta armada.”

Não houve acordo entre as facções e a organização se cindiu – de um lado, a VAR-Palmares “basista” e, de outro, a VPR “militarista” de Lamarca. Começou a disputa pelo botim: o dinheiro do cofre e as armas. Em outubro de 1970, quase dois meses depois da sua prisão, Carlos Araújo deu um depoimento ao Dops de São Paulo. Nele, disse que ficou em seu poder 1,2 milhão de dólares, dividido “em três malas de 400 mil dólares cada uma”, e que o dinheiro ficou cerca de uma semana “em um apartamento situado à rua Saldanha Marinho, onde também morava Dilma Vana Rousseff Linhares”.

Araújo não quis comentar o depoimento ao Dops. E nem outros, como um de Espinosa, que fala em 720 mil dólares terem ficado com a organização, ou um de outro militante, que chega à soma de 972 mil dólares. “É impossível chegar a uma conclusão sobre isso, que não tem mais importância nenhuma”, disse Araújo.

Num dos inquéritos é dito que Dilma Rousseff “manipula grandes quantias da VAR-Palmares. É antiga militante de esquemas subversivo-terroristas. Outrossim, através de seu interrogatório, verifica-se ser uma das molas mestras e um dos cérebros dos esquemas revolucionários postos em prática pelas esquerdas radicais. Trata-se de pessoa de dotação intelectual bastante apreciável”. Em outros relatórios do gênero, foi chamada de “Joana D’Arc da subversão”, “papisa da subversão”, “criminosa política” e “figura feminina de expressão tristemente notável”.

Depois do racha, Dilma foi enviada a São Paulo. Ela tinha um problema prático a resolver: esconder em melhores condições de segurança um monte de armas que estavam correndo risco em apartamentos pouco seguros. Dilma mudara-se para uma pensão pre-cária, de banheiro coletivo, na avenida Celso Garcia, Zona Leste. Dividia um quarto com Maria Celeste Martins, hoje sua assessora. Na entrevista de 2003, Dilma contou o que as duas fizeram:

Eu e a Celeste entramos com um balde; eu me lembro bem do balde porque tinha munição. As armas, nós enrolamos em um cobertor. Levamos tudo para a pensão e colocamos embaixo da cama. Era tanta coisa que a cama ficava alta. Era uma dificuldade para nós duas dormirmos ali. Muito desconfortável. Os fuzis automáticos leves, que tinham sobrado para nós, estavam todos lá. Tinha metralhadora, tinha bomba plástica. Contando isso hoje, parece que nem foi comigo.

No primeiro dia do ano de 1970, Galeno e outros seis militantes sequestraram, em Montevidéu, um Caravelle da Cruzeiro do Sul. Três dias depois, conseguiram chegar sãos e salvos em Cuba. Ele recebera a ordem de treinar guerrilha e voltar para o Brasil. Galeno tentou voltar, mas, com a repressão crescente, não conseguiu. Casou-se no exílio com a nicaraguense Maira, com quem teve duas filhas, que moram fora do Brasil e lhe deram quatro netos.

Quinze dias depois do sequestro do Caravelle, Dilma Rousseff foi presa, em São Paulo. Seu destino começou a ser selado quando uma onda de prisões pegou José Olavo Leite Ribeiro, que mantinha com ela três contatos semanais. Ribeiro, professor universitário, mora num prédio nos Jardins, em São Paulo. Numa manhã de fevereiro, ele me disse que, depois de um dia inteiro de tortura, contou aos militares que o interrogavam que tinha um encontro com Antônio de Pádua Perosa num bar da rua Augusta. “Eu até sabia que a Dilma podia aparecer porque era um ponto alternativo entre nós, mas o certo mesmo era que um outro companheiro aparecesse.”

Levado até o bar, onde foi obrigado a sentar-se e a fingir que estava tudo bem, Ribeiro viu que Perosa já o esperava no balcão, como combinado. Ao aproximar-se e falar com ele, foi preso por policiais disfarçados. “Eles já estavam desmontando o cerco quando a Dilma apareceu”, disse Ribeiro. “Ela chegou perto, percebeu que eu sinalizei alguma coisa e foi-se embora, disfarçando. Mas eles desconfiaram, foram em cima, e descobriram que ela estava armada. Se não fosse a arma, é possível que conseguisse escapar.”

Dilma foi torturada dias a fio com palmatória, socos, pau-de-arara e choques elétricos. Em seus depoimentos judiciais, denunciou as torturas e deu o nome de oficiais militares que delas participaram, por ação ou omissão, entre eles o capitão do Exército Benoni de Arruda Albernaz, presença recorrente na lista de torturadores.

Mesmo com a tortura, Dilma não revelou o que sabia de Carlos Araújo, seu companheiro, e de Maria Celeste Martins, sua ajudante no recolhimento das armas. Eles só vieram a ser presos muito tempo depois.

Na luta para ganhar tempo com os torturadores, às vezes enrolando-os, ela levou uma equipe de policiais à praça da República, de manhã cedo, inventando que tinha um encontro. Botaram-na num banco, sentada, e montaram o cerco. Um rapaz, ao passar pelo banco e ver a moça sozinha, interessou-se por ela. Voltou-se, deu mais uma paquerada e resolveu sentar-se. Ele foi preso e levado à sede da Operação Bandeirante, a Oban, na rua Tutóia, no Paraíso. O rapaz era argentino. Apanhou muito até provar que não tinha nada a ver com o terrorismo.

Dilma tinha encontros regulares com Natael Custódio Barbosa, que participara das greves operárias de 1968 em Osasco. “Dilma era uma companheira muito séria e dedicada, que acreditava no que estava fazendo”, disse-me Barbosa na sua casa, em Londrina, onde é caminhoneiro e vive com a mulher e três filhos.

No final de janeiro de 1970, Barbosa foi ao encontro que haviam marcado, às cinco da tarde, na movimentada rua 12 de Outubro, na Lapa. Ele vinha numa calçada, do lado oposto e em sentido contrário ao que ela deveria vir. Quando a viu, de braços cruzados, atravessou a rua, passou por ela sem dizer nada, andou uns vinte passos e, sem desconfiar de nada, voltou. “Voltei, encostei do lado dela e perguntei se estava tudo bem”, contou Barbosa, emocionadíssimo. “Ela fez aquela cara de desespero e eles caíram imediatamente em cima de mim, já me batendo, dando coronhadas e me levando para o camburão, e depois para a Oban.”

E prosseguiu: “Nunca mais a vi. Ela me entregou porque foi muito torturada, e eu entendo isso. Acho que me escolheu porque eu era da base operária, não conhecia liderança nenhuma da organização e não tinha como aumentar o prejuízo.”

Com Dilma presa, Carlos Araújo ainda teve tempo para um romance rápido, mas intenso, com a atriz Bete Mendes, da TV Globo, à época simpatizante da organização. Foi preso em 12 de agosto. “No primeiro dia levei pau-de-arara, choques, pauladas e bofetadas”, disse. “Vi que não ia aguentar o pau e logo no segundo dia resolvi me matar. Decidi que não tinha outra saída. Disse pra eles que eu tinha um ponto com o Lamarca, que era tudo o que eles queriam, em uma rua de bastante movimento na Lapa. Eu não tinha, é claro, mas eles acreditaram. Logo de manhã cedo me levaram para lá, cercaram a área toda, com um espalhafato fantástico. Qualquer um que me olhasse eles prendiam. Eu ali, na calçada, vendo os carros passarem. Era só me atirar, mas bateu uma dúvida. Acabei me atirando embaixo de uma Kombi. Machuquei bastante o joelho e a cabeça, mas não quebrei nada.”

Depois de um dia no hospital, Araújo voltou a ser torturado, mesmo ferido. Ficou setenta dias na Oban e passou por outros centros de tortura, como o comando da Base Aérea do Rio, onde ficou sete meses preso. Nessas idas e vindas entre cadeias, para responder a diferentes processos, cruzou com Dilma num comboio, mas em viaturas diferentes, e em auditorias militares, para audiências ou julgamentos. Quando finalmente estiveram por uns meses no mesmo presídio – o Tiradentes, em São Paulo, com direito a visitas íntimas –, Dilma reclamou do romance com Bete Mendes. E voltaram às boas, dispostos a retomar o casamento depois da prisão.

Vânia Abrantes, a ex-mulher de Carlos Araújo, presa em maio de 70, esteve com Dilma numa mesma viatura policial, durante uma viagem de São Paulo ao Rio. Foram uma na frente, outra atrás e não puderam conversar. Mas um testemunho de Vânia sobre a viagem foi decisivo para que Dilma, já ministra, tivesse aprovada a indenização que requereu ao estado do Rio de Janeiro, no valor de 20 mil reais, que ainda não foram pagos.

A pedagoga Maria Luiza Belloque, coordenadora da Universidade Corporativa do Metrô de São Paulo, fez amizade com Dilma numa cela da Operação Bandeirante, e depois em outras, no Dops e no Presídio Tiradentes. “Me jogaram na mesma cela que ela”, contou. “A Dilma levou choque até com fiação de carro. Fora cadeira do dragão, pau-de-arara e choque pra todo lado. Ela levantava o meu astral quando eu chegava arrebentada da tortura.”

Leslie Beloque, cunhada de Maria Luiza, fica sem jeito quando conta a única ação armada que praticou: o roubo de um salão de cabeleireiro chique, com um revólver 38 na mão. “Nós também levamos as jóias e os relógios dos clientes, mas, moralistas, preservamos as alianças”, disse. Dilma foi sua colega de Dops e de Tiradentes. “Ficar presa com a Dilma foi uma coisa de doido. Ela não era nada chorona. Falávamos como se não tivesse tortura. A Dilma é um tenente, é muito forte.”

Condenada em alguns processos e absolvida em outros, Dilma saiu do presídio Tiradentes no final de 1973. Sua mãe, tias e irmãos a receberam depois de quase quatro anos de cadeia e a levaram para uma temporada de recuperação em Minas. Depois, mudou-se para Porto Alegre, onde Carlos Araújo estava cumprindo seus últimos meses de quase quatro anos de pena. Ela o visitava sempre, muitas vezes com o pai do marido, o dr. Afrânio. Ajudava o marido nos trabalhos que ele fazia na cadeia, como a criação de uma biblioteca e de um curso supletivo, no qual Dilma deu aulas. Afrânio morreu em 8 de junho de 1974, com o filho ainda preso. Dois dias depois, Araújo foi solto.

“Foi uma cadeia longa, mas não foi tão ruim assim, porque eu aproveitei para estudar”, disse Araújo. De más lembranças, além da fase da tortura, ficaram os muitos atritos que comprou “com aquele pessoal que queria continuar a fazer a revolução dentro do presídio”.

Carlos Araújo mora hoje sozinho, com os vira-latas Amarelo e Negrão, numa casa às margens do rio Guaíba *, em Porto Alegre. A diarista Eliete cuida das tarefas domésticas. No meio da tarde, Araújo a dispensou. “Não precisa deixar nada para o jantar”, disse. Vestia bermuda azul-marinho, camisa pólo branca e chinelos. Com 71 anos, e apesar de um enfisema do qual não cuida com a atenção devida – e que ultimamente o tem levado ao hospital –, tem energia de sobra. “Sou uma pessoa muito feliz”, isse. “Vivo do meu trabalho, não dependo de ninguém, tive a sorte de ter filhos que não vivem me incomodando e tenho muitos amigos.” Está na varanda, com duas televisões enormes, uma ao lado da outra – onde assiste simultaneamente, pela tevê a cabo, a jogos de futebol. É um ambiente aberto, de onde se vê, numa ilha, o presídio, há muito desativado, em que cumpriu parte da pena. “É ali”, apontou. “Quantas vezes a Dilma foi lá me visitar...”