quinta-feira, outubro 30, 2008

Ao vencedor, o desmanche

por Dora Kramer

As piores previsões feitas quando da nomeação de Lina Maria Vieira para o comando da Receita Federal se concretizaram: o aparelhamento do aparato de fiscalização e arrecadação, uma das áreas ainda razoavelmente imunes ao loteamento partidário/sindical patrocinado pelo governo Luiz Inácio da Silva em setores-chave da administração federal.

Trata-se de um plano bem planejado e gradativamente executado. Portanto, enquanto estiverem no manche do poder governantes com esse tipo de visão (utilitária) do Estado, nada há a fazer. Não adianta reclamar, denunciar, apontar os malefícios, os retrocessos, a ótica distorcida, o espaço aberto a ilicitudes e as intenções subjacentes, porque para tudo há uma justificativa quando a decisão de governo está tomada.

Na Receita foram substituídos cinco dos seis secretários-adjuntos, os superintendentes de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo e mais os responsáveis pelas regiões Norte e Nordeste, nos últimos três meses.

Uma remodelação dessa amplitude em tão curto espaço de tempo, se fundamentada em motivações exclusivamente profissionais, teria necessariamente de ser acompanhada dos devidos esclarecimentos.

Se algo andava mal na Receita, o contribuinte tinha o direito de saber. Se a partir da nova política de remanejamento de pessoal começaria a andar melhor, o governo seria o maior interessado na divulgação e poderia merecer aplausos.

No lugar disso, o que se viu muito bem relatado na reportagem da edição de ontem do Estado foram trocas paulatinas na estrutura central e nas superintendências regionais feitas com o oficioso objetivo de substituir a "turma do Everardo" para pôr fim à influência do secretário na gestão Fernando Henrique Cardoso, Everardo Maciel.

Mas, se o critério é nebuloso, a intenção é claramente exposta: dar lugar à "turma do Unafisco", o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais, de onde saíram os novos superintendentes. Concursados todos eles, aponta a reportagem.

Só que não é a condição legal ou a capacidade técnica o que se discute, mas o comprometimento dos sindicalistas com uma causa política e o retrocesso - para não dizer o risco - que isso representa no tocante ao uso partidário da máquina do Estado.

Numa área como a Receita esse tipo de controle pode ser uma arma de potência incomensurável sobre adversários, principalmente em períodos eleitorais.

Se o governo ganhar a próxima eleição presidencial, os poucos avanços obtidos na despolitização da burocracia no governo anterior continuarão sendo anulados - exatamente como fez a aliança PMDB/PFL na Nova República em relação à estrutura herdada do regime militar - até o limite do imprevisível.

Mas, se o vencedor for da oposição e tiver da administração pública uma visão profissional, vai se deparar com o desafio de desmontar o aparelho sindical antes mesmo de manifestar o tradicional repúdio ao loteamento partidário que preside as relações entre Legislativo e Executivo e impede o Brasil de ser governado por um projeto de País, mantendo-o atrelado a planos alternados de poder.

Há quem trema só de pensar no enfrentamento do próximo governo com o PT se o partido porventura voltar derrotado da batalha de 2010 diretamente para a trincheira da oposição.

Mas há quem lembre também que pior que o embate na base do grito e da cobrança será a resistência da aliança entre ideológicos e fisiológicos que, na defesa de seus interesses, vai se movimentar ainda na fase de escolha de candidaturas dentro dos partidos. De todos eles, os oposicionistas e os governistas por adesão ou por convicção.

segunda-feira, outubro 27, 2008

Começou a autópsia

A se confirmar a estiagem de dinheiro no mundo nos próximos dois anos, começa agora a autópsia da Era Lula.

Aninhado em seu berço esplêndido, o operário terá que descer do paraíso e dar uma chegadinha na Terra para ver um pouco da vida real. E preparar-se para ver seus mitos em liquidação nas Casas Bahia.

Um deles é Dilma Rousseff. A mãe do PAC e de outras abstrações, a super-gerente da Carochinha, a ministra-candidata que ia acabar com a pobreza em 15 anos com o dinheiro do pré-sal – toda essa literatura pode começar a ser catalogada no museu do folclore.

O mito do Lula desenvolvimentista também logo dará entrada no IML. Por trás do presidente generoso, quase um clone de JK, que dá dinheiro de graça aos pobres (mesmo os que têm carro na garagem), que cria repartições infinitas e distribui empregos aos companheiros, surgirá enfim a conta (salgada) da festa.

A pedagogia da crise fará a autópsia do Lula sobre-humano. Com os bolsos apertados, a população começará a sentir a ressaca de ter absolvido um estado-maior quase 100% acusado de operações obscuras.

A cândida inocência do líder, que nunca soube de nada do que aprontavam os seus Dirceus, Delúbios, Silvinhos, Gushikens, Berzoinis, Waldomiros, Valdebrans, Gedimars, Bargas, Lorenzettis e companhia, ficará sub judice.

O sufoco econômico fará bem a Lula. Ele será despido de seu figurino de santidade, e entenderá o seu real valor – o de ter mantido o receituário da estabilidade econômica e surfado na estabilidade política.

Talvez até dedique seus últimos dois anos no Planalto a governar. Os hobbies e passatempos – espionar Daniel Dantas, retocar a maquete da super Dilma, trocar bilhetinhos ideológicos com as Farc, insuflar Tarso Genro contra a imprensa burguesa etc – ficarão como doces lembranças de um tempo feliz. É chegada a hora de trabalhar.

Adeus, Lula de pelúcia.

por Guilherme Fiuza

Um domingo feliz!!!

Para mim, este foi um dos domingos mais felizes dos últimos seis anos.
Tive a felicidade de encontrar, no colégio onde voto, uma de minhas primeiras professoras, D. Yolanda Assis Pacheco, noventa anos de absoluta lucidez, que fez questão de ir às urnas, para dar o recado de São Paulo ao PT. Assim como ela, vi inúmeros idosos, inclusive meus pais, que, não obstante todas as dificuldades naturais da idade, também fizeram questão de comparecer e dar seu recado.
A cada 25 digitado, mais de 60% dos eleitores de São Paulo diziam:
- Esta cidade tem caráter.
- Esta cidade quer trabalhar.
- Esta cidade tem valores.
- Esta cidade foi construída por imigrantes, assim como meu avô, que aqui chegaram no início de século passado, com a roupa do corpo,trazendo só sua vontade de trabalhar. A eles só foi dado trabalho. Ninguém lhes deu moradia, ninguém lhes deu terra, ninguém lhes deu cesta básica, ninguém, a não ser eles mesmos, lutaram por seus direitos, venceram e, além de suas vidas, construíram esta cidade e muitas outras pelo Brasil afora.
- Esta cidade não quer invasores de propriedade privada e nem de bens públicos.
- Esta cidade quer gente que, quando põe filhos no mundo, o faz para lhes dar amor, educação, responsabilidade, e não para que sirvam de motivo para receber um pouco mais do bolsa-esmola, ou para cheirar cola na rua, fazer "circo do seu lé", perscrutar o interior dos nossos carros ou nos ameaçar nos cruzamentos, ou pior, para serem vítimas de pedófilo seqüestrador que não foi denunciado a tempo porque o pai da vítima é criminosos foragido, etc. etc. etc.
- Esta cidade não quer essas crianças na rua, sendo defendidas por igrejas e ONGS que querem, acima de tudo a sua multiplicação, sabe-se lá com que intenções.
- Esta cidade não tem preconceito. Já provou inúmeras vezes que não tem. Ela quer dar valor a quem merece. Ela quer ordem. Esta cidade só quer viver em paz, trabalhar para continuar podendo pagar a conta que Brasília nos manda e nos devolve em xingamentos e perdigotos.
- Esta cidade sabe que, daqui para frente não vai ser fácil. Apesar de termos ganho, vamos ter de continuar lutando contra quem perdeu. Sabemos do que eles são capazes.
- Esta cidade sabe que não dá para resolver tudo, principalmente por causa de seu gigantismo. Mas dá para melhorar. Principalmente se Brasília melhorar a situação do povo brasileiro de verdade, e não só em discurso, para que ele não venha se socorrer aqui.
- Acima de tudo, a cada 25, o povo de São Paulo, hoje, disse alto e bom som: AQUI NINGUÉM É BOBO. VOCÊS RIDICULARIZARAM O "CANSEI", MAS ELE NÃO MORREU. SE ELE NÃO TEVE FORÇA NAQUELA SEXTA-FEIRA NA PRAÇA DA SÉ, ELE RESSURGIU COM TUDO NESTE 26 DE OUTUBRO. POIS É: CANSAMOS. E ESPERAMOS E EXIGIMOS QUE VOCÊS NOS ESCUTEM.


Angela Caracik
Email: angelacaracik@terra.com.br

quinta-feira, outubro 16, 2008

CUSPINDO EM ARISTÓTELES

Coluna Isto Posto - Paulo Martins - Gazeta do Paraná

Não estou lamentando o fato de não terem sido fuzilados no paredon e, sim, intrigado e, a bordo desse "intrigado" me pergunto: Por que os militares não fuzilaram, quando da vitória de 1964, o bando contrário, o que estava vencido, já que se o oposto tivesse ocorrido teria sido a conseqüência natural ? Fidel Castro, quando venceu em Cuba ao lado do cruel facínora Tchê Guevara, não fuzilou aqueles que foram identificados como opositores? Sem julgamento, sem questionamentos, mortos como animais? Inclusive, os primeiros tiros de misericórdia nas nucas dos fuzilados saíram da pistola assassina de Tchê Guevara. Mas, a resposta do "por que" está, justamente, na índole e na formação dos dois sanguinários; "Índole". Eram assassinos, eram bandidos, eram dementes (um ainda vive, esperando carona para o inferno) enquanto que no Brasil o lado vencedor não era integrado por celerados, por bandoleiros, por endemoniados, por sanguinários. Eis a razão de hoje estarem vivos elementos como José Dirceu, como Marco Aurélio "top-top" Garcia, Dilma Rousseff, José Genoino, Tarso Genro. Fossem os militares de 64 assassinos cruéis e bestiais como o eram os inspiradores comunistas que lutavam para implantar no Brasil o "logos" Marxista-Leninista, nem Lula teria sido tolerado apesar de sua insignificância de então, ele se "desenvolveu" depois. Assim, ao invés de hoje reverenciarem os que estavam no comando do contra-golpe que a extremada esquerda pegajosa, anacrônica e estúpida planejava aplicar, ao contrário, tripudiam sobre "as memórias". Ingratos. Algo como a velha expressão: "cuspir no prato que comeram". Suas vidas foram preservadas e, os que tombaram, foram conseqüências de decisões próprias, tomadas a bordo do "matar ou morrer" pelo qual optaram. Já os que tombaram pelo lado dos militares foram vítimas até de tocaias e emboscadas, isso sem se falar na quilométrica lista de inocentes, vítimas quando de bombas, assaltos a bancos, seqüestros e outros atos de terrorismo. Em Cuba, que idolatram, os contrários a ditadura comunista foram fuzilados, foram massacrados ao "sabor até de rituais públicos". Assim, no Brasil de hoje, numa "questão de lógica", tentam "mastigar, oprimir, esfolar e até matar se possível fosse aqueles aos quais devem suas vidas". De "lógica", sim, pois é aí que está o conflito, já que essa é que é "a lógica" da extrema esquerda carcomida, fossilizada, "a que não tem lógica", e não a terá nem que se "esfregue nos focinhos de seus enfurecidos, destemperados e obsessivos inquilinos" a essência verdadeira de Aristóteles.

SOLTEIRA, SEM FILHOS. E DAÍ?

Dona Marta e sua gente, que me perdoem todos, mas diretamente desejo de coração que vocês todos sejam jogados na lata do lixo da história. E que suas cabecinhas falsas, perversas, atrasadas e ignorantes fiquem bem longe de nossa cidade. Vocês, Dona Marta e sua gente, estão querendo governar São Paulo? Deus nos livre de vocês, com esse pensamentinho barato, esse jeitinho comunista de ser que não resiste a um vento, essas balelas religiosas, esses estelionatos que estão praticando em todo o país.

Dona Marta e sua gente, vocês não mexeram só com os gays, ou os seus simpatizantes, o que já seria mais do que suficiente para afundá-los na lama. Vocês mexeram com os solteiros, sem filhos. Mexeram comigo. E com milhões de outras pessoas que são, sim, SOLTEIROS. E que não têm filhos, não! Vocês chamaram para a guerra – e como seus fidagais inimigos – os solteiros, sem filhos. Somos muitos, Dona Marta, e somos poderosos! Porque vivemos para nós. Podemos ser gays. Podemos não ser. Podemos ter cachorro, gato, papagaio, beijá-los na boca, dormir com eles na cama. Podemos transar. Podemos nos manter sem transar. Podemos transar com um, com dois, com três. Podemos nos apaixonar. Sabia? Podemos até casar! E ter filhos... Ou adotar, ou cuidar dos filhos dos outros...

Olha, só, Dona Marta, podemos ter amantes! Não é muito mais divertido?

Está com inveja? Saiba, Dona Marta e sua gente, que há muitos de nós! Sabe que somos muito bem requisitados e valorizados no trabalho? Que nossas casas são mais bonitas? Que gastamos melhor nosso dinheiro? Que somos mais responsáveis, carinhosos e ligados aos nossos amigos e familiares? Por um acaso, Dona Marta, sabe que somos a cara da cidade que a senhora ousa se recandidatar a governar?

Que papelão, que nojo. Quem são vocês, Dona Marta e sua gente, para ousar questionar essa opção? Vocês têm alguma idéia de como é, para nós, importante, poder responder orgulhosamente: Solteiros, sem filhos. Imaginam o que eu, mulher, solteira (embora com muitos casamentos sem papel) já passei, encontrando nesses meus 50 anos de vida, gentinha como vocês? Gentinha que considera, no fundo de suas pequenas almas, que somos gente de “segunda categoria”, ou que – nossa! – por não sermos casados, somos “gays”? Cansei e canso de ouvir insinuações, em geral veladas. “Humm... Ela deve ser sapatão!”

Sou não, Dona Marta. Mas nem eu nem o prefeito Kassab, nem nenhum de nós, lhe deve satisfações sobre para quem damos, se comemos ou somos comidos, se fazemos sexo com homens, mulheres, ou ambos.

Não, Dona Marta e sua gente: somos livres! Eu, por exemplo, não tenho que agüentar um marido argentino rabo de saia ou um senador idiota ilustre por anos para dizer que tenho alguém. Eu não tenho que sorrir em festas infantis, muito menos ver meus lindos filhinhos virando pseudopunks ou sambistas chatos e sem noção. Mais: eu não tenho que a qualquer preço vender a minha biografia ou tentar mudar minha cara e minha personalidade. Dona Marta, a quem a senhora pretende enganar tentando parecer a Luiza Erundina? Ficou igual à Vovó Donalda, Dona Marta, olhe bem no espelho. Porque a Luiza Erundina, Dona Marta, que deveria estar muito envergonhada de estar do seu lado, nunca teve problemas em dizer que era solteira, sem filhos. Governou a cidade, foi muito querida, e só se atrapalhou mesmo quando essa sua corja petista começou a meter a mão na cumbuca.

Como vocês ousam fazer essa pergunta ao prefeito Kassab? Sim, eu respondo por ele: é solteiro, sem filhos; ouvi dizer que tem um gato de estimação. Mas Kassab tem uma família; todos com uma história construtiva, muitos engenheiros, gente do bem, Dona Marta! Irmãos, que o querem muito bem, com certeza. Cuida do pai, cuidou da mãe, vive feliz, seus olhos brilham e ele gosta de trabalhar pela cidade. A senhora pode dizer que tem uma família? Cadê? Mostra aquela foto da sua família! Aparece com o Luis Favre! Apresente-o para a gente! Não me faça rir. Mas, por favor, chega, não me faça querer xingá-la, como é o pensamento que tenho agora. Me deixe simplesmente esquecê-la, ou lembrar apenas de seus melhores momentos. Olha que já está ficando difícil lembrar dessa parte de sua biografia.

Vamos falar sério, Dona Marta e sua gente: podemos começar com Celso Daniel. Que tal? Não, não quero saber de nada de crime de Santo André. Quero saber como é que vocês conseguem dormir depois de, por causa do preconceito, há exatos 6 anos fazer de tudo para que a verdade mais clara do mundo a respeito de Celso Daniel (e verdade com a qual ele lidou numa boa) não aflorasse? Petista não pode ser veado, né? Pode, sim!

A senhora e sua gente acha mesmo que levantou alguma suspeita sobre o prefeito Kassab? Ora, seu filhinho Suplinha pula dali, pula daqui... e não é que ele é solteiro, sem filhos? Será gay? Será por isso que ele usa aquelas tachas na roupa, pinta o cabelo, faz cara de mau? Lá pelos lados do Palácio do Planalto tem outras pessoas assim, hein? Solteiras, sem filhos! Quer que eu lembre de algumas ou não precisa?

Dona Marta, que vergonha, que papelão! A gente não lutou tanto tempo, não morreu brigando, foi torturado, batalhou tanto para a senhora e sua gente vir agora mexer com uma coisa tão importante como é a liberdade individual. Dispensamos e desprezamos gente como você, e como o Eduardo Paes, esse simplesmente um moleque safado, que deveria ir, logo, para o PT.

Marli Gonçalves, jornalista, 50 anos, solteira, sem filhos. E não é gay!

Lehman Brothers, Marx & Sons.

por Demétrio Magnoli

Quando o Lehman Brothers entrou em bancarrota, provocando a implosão de Wall Street, os filhos órfãos de Karl Marx começaram a disseminar uma narrativa ideológica da crise que é tão desonesta quanto reacionária. Essencialmente, eles dizem que o neoliberalismo faliu e que a causa da catástrofe é a desregulamentação do mercado financeiro. Neste mantra, convertido em senso comum, uma mentira factual fica protegida atrás da paliçada conceitual de uma fraude.

O neoliberalismo não faliu porque não existe. A fraude conceitual ampara-se no ocultamento dos dados empíricos. Nos anos 20, tempos do liberalismo, os gastos públicos sociais nos EUA (pensões, educação, saúde e welfare) não alcançavam 5% do PIB. Depois, com o New Deal e os "30 anos gloriosos" do pós-guerra, criou-se o Estado de Bem-Estar e os gastos sociais cresceram até perto da linha de 20% do PIB. Segundo o teorema histórico que emoldura a noção de neoliberalismo, o Estado de Bem-Estar ruiu sob os golpes hayekianos de Ronald Reagan. Mas - surpresa! - os números contam outra história. A "era Reagan" não provocou contração dos gastos sociais, conseguindo apenas estabilizá-los temporariamente. Hoje, eles ultrapassam os 20% do PIB (veja o gráfico no blog http://www.terra.com.br/economia/blog/iconomia/index.htm, de Gilson Schwartz).

O Estado de Bem-Estar é um fruto da democracia de massas. O neoliberalismo só poderia existir com a restauração da democracia restrita dos tempos do liberalismo, quando o direito de voto era privilégio de uma minoria. Os filhos de Marx não entendem isso porque hostilizam o princípio democrático, que imaginam representar uma invenção "burguesa". Eis o motivo pelo qual suas análises econômicas se chocam com os dados empíricos.

Na hipótese de desabamento de um viaduto condenado por erros de engenharia, deve-se culpar a lei da gravidade? É algo assim que fazem os filhos de Marx quando atribuem o colapso financeiro a uma combinação de ganância com livre mercado. A referência à "ganância" nada diz sobre esta crise específica, pois o imperativo do lucro é um traço estrutural da modernidade capitalista, mas diz muito acerca de um pensamento econômico contaminado pelos dogmas do cristianismo medieval. Quanto à desregulamentação, ela só existe no mundo imaginário dos ideólogos.

O economista Steven Horwitz escreveu uma carta aberta a seus "amigos da esquerda" identificando as diversas regulamentações políticas que incentivaram o tsunami especulativo no mercado imobiliário (o link está no blog de Gilson Schwartz). Ele prova factualmente que o mercado no qual se armou a tragédia nada tem de liberal, articulando-se sobre uma teia de regras, emanadas do Executivo e do Congresso, que pavimentaram o caminho rumo à concessão de empréstimos cada vez mais arriscados. Fannie Mae e Freddie Mac são corporações hipotecárias tecnicamente privadas, mas patrocinadas pelo poder público, que operavam sob garantia de resgate estatal em caso de falência. As agências reguladoras autorizaram-nas, em 1995, a entrar no mercado de subprime e exigiram dos bancos privados um aumento dos empréstimos imobiliários para devedores com poucos recursos. A "ganância" fez o resto, mas no ambiente de liquidez abundante, propício à especulação, gerado pela política monetária do banco central americano e pela política fiscal do governo Bush.

Para salvar sua narrativa ideológica sobre os mercados desregulamentados os filhos de Marx erguem um Muro de Berlim metodológico entre as esferas da economia e da política. O conservador Horwitz é mais honesto, evidenciando a presença ubíqua da "mão visível" do Estado no financiamento privado do mercado imobiliário americano. Mas a sua honestidade tem limites, definidos por uma perspectiva ideológica. A utopia inviável de Horwitz é um retorno à idade de ouro liberal e ele prefere criticar a "mão visível" democrata à republicana. Por esse motivo, menciona só de passagem a política econômica da "era Bush" e, sobretudo, não a vincula à guerra no Iraque.

Pela primeira vez na história, uma guerra de grandes proporções foi conduzida por um governo que não conclamou os cidadãos a fazerem sacrifícios, mas, explicitamente, a "irem às compras". A mistura tóxica de juros baixos e cortes de impostos com um déficit orçamentário crescente formou o pano de fundo da ciranda especulativa num mercado intensamente regulamentado. A implosão das altas finanças nos EUA, contagiando os mercados internacionais e anunciando a recessão global, não é obra exclusiva do governo Bush, mas tem as digitais de uma "mão visível" disposta a tudo para assegurar apoio interno à política externa cruzadista dos neoconservadores. A análise econômica reacionária dos filhos de Marx oculta tudo isso.

Neoliberalismo é um signo que adquiriu diferentes significados desde o seu uso inicial, no fim do século 19. A partir das "revoluções" de Reagan e Margaret Thatcher, contudo, sua utilização se disseminou e seu significado deslizou rumo a um colapso. Depois da queda do Muro de Berlim, neoliberalismo sofreu um processo de redução fetichista, convertendo-se em senha de identificação coletiva de uma confraria dos derrotados - algo como um lenço de lapela pelo qual um nostálgico do "socialismo real" reconhece seus iguais. Não há problema nisso, com a condição de que a nostalgia de uma minoria não destrua a capacidade pública de decifrar o sentido das coisas.

Marx podia estar fundamentalmente errado, mas nunca deixou de buscar as articulações entre economia e política. Seus órfãos, traindo-o, inventaram uma economia "neoliberal" desregulamentada e denunciam uma "contradição" fatal quando os governos "neoliberais" se preparam para estatizar o núcleo do sistema financeiro. Eles não percebem que um padrão de regulamentação está sendo substituído por outro. Nem que a "mão visível" da política está presente nos dois.

Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP. E-mail: demetrio.magnoli@terra.com.br

sábado, outubro 11, 2008

A tortura pública do coronel Brilhante Ustra

por Félix Maier em Usina das Letras

Infelizmente, o Exército deu as costas ao oficial que um dia combateu a Peste Vermelha, evitando que o Brasil se transformasse numa Cuba continental. Não temos mais Exército Brasileiro, mas um bando comandando por generais babacas, subservientes, cretinos, que só se interessam em defender suas mesquinhas mordomias, como diárias de viagens pelo Brasil, carro funcional com motorista e os serviços de taifeiros, muitos dos quais são obrigados a lavar calcinhas de madames-quatro-estrelas, como denunciou um taifeiro da Aeronáutica.

No entanto, temos que confiar na Justiça, que certamente reverterá esse absurdo, de condenar um réu sem nenhum tipo de prova, a não ser a palavra de um comunista. O Supremo, com certeza, não aceitará participar desse show maldito, tendo em vista a Lei da Anistia, que não permite que esse tipo de crime possa ser punido, tanto os alegados "crimes de tortura", quanto os "crimes de terrorismo". Se o coronel Ustra for condenado em última instância, os terroristas-ministros de Lula (Carlos Minc, Dilma Rousseff e Franklin Martins) e políticos como Fernando Gabeira e José Genoino também devem ser condenados, por uma questão de coerência. Crime de terrorismo e sequestro é tão ou mais hediondo que crime de tortura.

Todo esse episódio envolvendo o coronel Ustra prova que existe um revanchismo sem fim no Brasil contra o Exército em geral e oficiais em particular. Tanto isso é verdade que a denúncia da família Teles só ocorreu mais de 30 anos depois dos fatos alegados. Por que só às vésperas do lançamento do livro "A Verdade Sufocada" é que esse episódio veio à tona? Ora, é prova cabal que tem o dedo dos terroristas por trás desta safadeza, para tentar desmoralizar a obra de Ustra, livro que chegou a estar entre os três mais vendidos segundo noticiou o JB. Além disso, o objetivo dos acusadores vermelhos é receber uma fenomenal piñata, bancada pelo Erário, cujo montante da "bolsa-terrorismo" já passa dos RS$ 4 bilhões!

Enfim, nunca se deve confiar em comunista. Como dizia Lênin, "a verdade é um conceito pequeno-burguês" e "os fins justificam os meios utilizados".

Para mim, o cocô de um vira-lata e o mijo de uma cadela têm mais valor do que a palavra de um comunista.

quarta-feira, outubro 08, 2008

Valorização falseada, falsa economia e um prejuízo infernal

Valorização falseada, falsa economia e um prejuízo infernal
3 outubro 2008
Editorias - Economia, Estados Unidos, Livre iniciativa

Nossa infeliz economia, baseada em valorizações falseadas, não pode continuar por muito tempo. Ela é o equivalente doméstico da amizade que o presidente Bush tinha por Vladimir Putin. É o mundo da fantasia, do eterno mercado em alta e dos pacotes governamentais “bem sucedidos”. As lideranças políticas nos Estados Unidos demonstraram que não entendem de economia. Elas não podem resolver a crise atual a não ser que voltem para a escola e consultem a sabedoria que por tanto tempo negligenciaram. Elas construíram seu mundo do pós-Guerra Fria sobre uma falsa expansão da economia, sobre falsas “parcerias” com inimigos. Elas permitiram uma política de expansão ilimitada de crédito.

“Expansão de crédito”, escreveu o economista austríaco Ludwig von Mises, “[é] a principal ferramenta dos governos em sua luta contra a economia de mercado. Em suas mãos está a vara de condão projetada para esconjurar a escassez de bens de capital…e tornar a todos prósperos”. Mas nem todos podem ser prósperos. O crescimento econômico criado pela expansão de crédito não pode durar. E é isto que os líderes americanos não perceberam. “As conseqüências inescapáveis da expansão de crédito estão demonstradas pela teoria dos ciclos econômicos. Até mesmo aqueles economistas que ainda se recusam a reconhecer a correção da teoria monetária — ou da teoria da circulação de crédito — das flutuações econômicas cíclicas, nunca ousaram questionar o caráter conclusivo e a irrefutabilidade do que esta teoria afirma com respeito aos efeitos inescapáveis da expansão de crédito”.

E quais são esses efeitos?

De acordo com Ludwig von Mises, um impulso econômico ocasionado por uma expansão creditícia só pode ser mantido por mais expansão de crédito; no longo prazo, “[t] ransforma-se em depressão [1] quando cessa a expansão de crédito”. Esta conseqüência é absolutamente certa e a crise financeira atual ressalta o ponto. A expansão [o boom] econômica de anos recentes foi impulsionada por uma expansão de crédito sem precedentes. A cada vez que o mercado estava ameaçado de contração, mais expansão de crédito era insistentemente recomendada e logo posta em prática.

A vara de condão da expansão de crédito age como o vício da heroína. Quanto mais você a injeta, mais você a quer. Inevitavelmente chega o dia em que você não pode mais aumentar a dosagem porque acabou o suprimento. E assim é com a expansão de crédito. Os mercados estão acostumados com o acesso fácil ao dinheiro. Eles agora exigem mais e mais facilidades. Estão viciados. Mas ao fim, todavia, serão forçados a sofrer os efeitos da abstinência.

Será que pensamos que esta expansão poderia continuar para sempre e sem conseqüências? Evidentemente, não consideramos onde iríamos parar. E agora, finalmente, o governo dos Estados Unidos acredita que pode saciar a fome de crédito através de um impulso coordenado – o último suspiro de nossos insaciáveis viciados em crédito. O presidente Bush oferece um plano. A portas fechadas, Bush teria dito: “Esse trouxa pode afundar”. Mais uma vez, a gramática do presidente está errada. O trouxa em questão irá afundar.

Cada dólar derramado no resgate proposto será perdido. Comprar dívida “tóxica” não é uma solução. O mecanismo proposto para resgatar a economia representa uma nova falsificação de valores – e um novo desvirtuamento do mercado. Um pacote de resgate de US$700 bilhões é apenas o começo. Não é possível que o dólar sobreviva a esta nova iniciativa. O que vemos em Washington é um exercício de auto-engano. É o auto-engano de um país que não vê o perigo, de um país que ignora a sabedoria dos antepassados e o ABC da economia.

Eles querem uma economia sempre em expansão. O que falharam em considerar é a natureza falsa de uma expansão assim engendrada. Valores falseados, idéias falsas e promessas de prosperidade falsas temperam o programa dos políticos de hoje. O lugar deles não é na direção de um grande país. Sua liderança consiste em lamentável ignorância e a república pode estar em seus últimos dias. Houve uma chocante disposição de destruir a moeda do país. “Se o governo não dá importância para até onde as taxas de câmbio podem subir, poderá, durante algum tempo, continuar a se agarrar à expansão de crédito”, explicou Mises. “Mas, um dia, o colapso da expansão aniquilará o seu sistema monetário”.

O plano proposto para salvar os mercados nada salvará. A solução proposta não é solução. Investimentos impróprios foram feitos e enormes perdas devem deles resultar. Devemos tomar o nosso remédio antes de melhorarmos. Depreciar a nossa já depreciada moeda torna as coisas piores. A expansão artificial deve ter um fim. Falsas apreciações devem consumir-se de modo que valores reais possam ser restabelecidos.

Poucos percebem o quão destrutivo foi o boom econômico; pois o dano real é feito pelo regime de valores falseados e pelo nosso investimento coletivo nesses valores. Mises ressaltou: “[O] boom econômico é chamado de prosperidade, negócios em alta e impulso econômico. Sua conseqüência inevitável, ou seja, o reajustamento das condições aos dados reais do mercado é chamado de crise, queda brusca, negócios em baixa, depressão”. Esta última, porém, é o período de cura e correção.

A verdadeira mágica da ciência econômica é aprender a aceitar a correção. E é isto que nos recusamos a fazer. Os administradores financeiros do país deram um exemplo terrivelmente ruim. Tradicionalmente, o capitão afunda com seu navio. Enquanto o Titanic afunda, nossos financistas não querem ser resgatados em botes salva-vidas, mas em iates. Eles não querem aceitar que guerras e depressões são necessárias porque a natureza humana deseja a fantasia. A bolha da falsa paz e da falsa prosperidade necessariamente se rompe. Ao fim, a realidade precisa ser confrontada.

“As pessoas se rebelam contra a noção de que o elemento perturbador verifica-se no mau investimento e no consumo exagerado do período de expansão”, escreveu Mises. O fato curioso é, segundo Mises, que, “[Se] aplicarmos essa medida de comparação às várias fases das variações cíclicas da economia, deveríamos chamar a expansão de retrogressão e a depressão, de progresso”. A expansão se dissipa através do mau investimento dos escassos fatores de produção e reduz o estoque disponível através do excesso de consumo; suas supostas bênçãos são pagas com o empobrecimento. A depressão, por outro lado, é o caminho de volta ao estado de coisas no qual todos os fatores de produção são empregados para a melhor satisfação possível das necessidades mais urgentes dos consumidores.

Se o Estado deve fazer alguma coisa construtiva durante o período “progressivo” da depressão [i.e., o período de reajustamento de valores e alocações de recursos escassos conforme a realidade] é manter o poder de dissuasão nuclear do país e preservar a unidade nacional. Não há dúvida de que em breve os Estados Unidos se verão forçados a trazer de volta as tropas e fechar as bases militares no exterior. A situação financeira ditará a retirada do cenário internacional. Ela ditará um governo mais modesto. Mas os políticos se agarram à idéia de que o boom econômico pode continuar e que sua abordagem falsa da situação internacional é viável. Os Estados Unidos não podem salvar o mundo. O país terá sorte se puder salvar a si mesmo. O plano de resgate financeiro proposto pelo presidente Bush não é apenas uma medida socialista. É uma tentativa de evitar o retorno às avaliações corretas, reais. De fato, é uma tentativa ignorante de prolongar o dano que já foi feito.

Nossos políticos querem nos dar dinheiro [crédito] fácil, um fomento ao regime de shopping-center. Eles acreditam que isto evitará que milhões percam seus empregos. Eles acreditam que as medidas que propõem salvarão bancos em apuros. A prosperidade, então, continuará. “Esse raciocínio parece plausível”, escreveu Mises. “Não obstante, ele está completamente errado”. O boom econômico elevou os preços e salários a níveis altos demais. A demanda perdeu toda a noção de oferta. O consumidor agora está acostumado a obter o que quiser, ainda que não tenha os recursos para tanto. A fim de colocar as coisas no lugar, os salários precisam cair, o consumo precisar ser restringido e práticas imprevidentes devem ter um fim.

“Não há nenhuma utilidade na interferência por meio de uma nova expansão de crédito”, escreveu Mises. “Na melhor das hipóteses, isto apenas interromperia, perturbaria ou prolongaria o processo curativo de uma depressão, isso se não trouxesse de volta um novo boom, com todas as suas conseqüências inevitáveis”. Quando Bill O’Reilly [2] diz que o desastre é grande demais, que a despeito de seu apoio à economia de mercado não vê alternativa ao plano de resgate do governo, ele está negando o poder curativo de uma depressão. Ele está negando a lição fundamental da economia. O dano ao sistema econômico já ocorreu durante o período de falsa prosperidade.

Tão estranho quanto possa parecer, uma crise financeira e a depressão são necessárias. Nós precisamos passar por um período de dificuldades. Não há outro caminho para corrigir o regime de falsos valores, ou de valorizações irreais. O problema, é claro, tornou-se político. O regime é um sistema político onde o economicamente ignorante dá o tom. A magnitude do desastre é, por meio disso, amplificada, Os atores políticos agora põem o sistema político em risco. E porque há implicações de segurança nacional, eles agora põem nossas vidas em risco.


[1] NT: No contexto atual, “depressão” pode também ser entendida como recessão, ou recessão profunda. Todavia, na versão original de sua obra magna, Human Action [Ação Humana], de 1949, Ludwig von Mises usa apenas o termo depression. Por este motivo, decidimos manter o termo.
[2] NT: Bill O’Reilly é um dos mais famosos, influentes e respeitados comentaristas da TV a cabo americana, sendo talvez a principal estrela do canal de jornalismo FOXNews. Tido como conservador, é temido e odiado pela esquerda americana. Sua declaração, portanto, assume importância maior, apesar de equivocada.

© 2008 Jeffrey R. Nyquist

Publicado por Financialsense.com

Tradução: MSM

Burrice e Vigarice

O Brasil tornou-se uma procissão de cegos guiados por loucos, uma imensa falta de assunto.
Olavo de Carvalho - 2/10/2008 - 20:49

É um fenômeno tão estranho e incomparável, que desafia qualquer descrição.

Quando comecei meus estudos, uns quarenta e cinco anos atrás, uma de minhas primeiras preocupações foi rastrear a bibliografia das várias disciplinas que me interessavam – especialmente a crítica literária, a filosofia, a história, a sociologia e a ciência das religiões – de modo a obter uma visão clara do desenvolvimento histórico de cada uma delas e a mapear assim o meu roteiro de leituras pelos dois séculos seguintes, que era o tempo que eu planejava viver. Só por uma curiosidade, averiguava de tempos em tempos o currículo de várias universidades nesses campos, para comparar o avanço dos meus estudos solitários com aquilo que poderia obter numa dessas venerandas instituições.

Não demorei a perceber que em nenhuma universidade brasileira eu poderia obter aquela visão global do status quaestionis em cada uma das disciplinas, bem como das suas disputas de território, visão que, constituindo a condição indispensável para o domínio de qualquer uma delas em especial, é, no fundo, o único objetivo dos estudos universitários.

Não digo apenas que houvesse lacunas no que se transmitia dessas disciplinas aos estudantes brasileiros. O que havia, no mais das vezes, era a ignorância total dos problemas essenciais e do tratamento que haviam recebido ao longo da história. Mesmo a mera consciência da necessidade de conhecer a evolução temporal das discussões era em geral ausente, tanto nas fábricas de diplomas (autorizadas pelo Ministério da Educação como quem legalizasse o banditismo), quanto nas instituições de maior reputação nacional, como a USP, as PUCs de São Paulo e do Rio e a Unicamp.

Isso era visível não só pelos seus programas de ensino, onde o que se entendia por história das disciplinas era apenas uma introdução sinóptica mais adequada a revistas de cultura popular do que ao ensino universitário, mas também e sobretudo pelos trabalhos publicados pelos mais badalados professores, onde a ignorância detalhada dos problemas em discussão constituia a base indispensável para o cultivo de seus mitos ideológicos provincianos mais queridos.

Quando comecei a dar cursos e conferências, tive ao meu alcance um terceiro meio de averiguação do estado de coisas no ambiente universitário: o nível médio de conhecimentos com que chegavam às minhas aulas os diplomados e diplomandos das faculdades de Letras, Filosofia, etc. Aí, aquilo que de início me parecera um estado alarmante de miséria mental tomou as feições de uma catástrofe cultural sem precedentes na história do mundo. Não havia uma única disciplina cuja história eles dominassem, não havia um único problema que soubessem equacionar como estudiosos profissionais dignos do nome, não havia entre eles, em suma, um único universitário no sentido real do termo.

Outros materiais para a avaliação do ensino superior brasileiro vinham-me da imprensa dita cultural, especialmente os suplementos d'O Globo e do Jornal do Brasil, bem como o caderno Mais! da Folha de São Paulo, que era a vitrine oficial da USP. Parte daquilo que observei nessa documentação está no meu livro O Imbecil Coletivo (1996), cujo título resume as minhas conclusões.

Desde a publicação desta obra, no entanto, as coisas pioraram demais, com a ascensão de uma nova geração de tagarelas, ainda mais ignorantes e presunçosos do que seus antecessores, fortalecidos na sua autoconfiança demencial pelo sucesso político dos partidos de esquerda e pela deliciosa sensação de poder daí decorrente, a seus olhos uma prova cabal das suas altíssimas qualificações intelectuais. Hoje em dia, a cultura superior está completamente extinta no Brasil, substituída por um falatório subginasiano sufocantemente uniforme, que, sob o pretexto irônico de “pensamento crítico” e “libertação”, se impõe a um amedrontado corpo discente com a autoridade irretorquível do magister dixit.

Misto de vigarice, ignorância pétrea, fingimento histriônico e delírio psicótico puro e simples, o arremedo de vida intelectual no Brasil de hoje é um fenômeno grotesco do qual não encontro paralelo em nenhuma outra época ou nação. E a maior prova da sua gravidade é o fato de que, mesmo entre aqueles que o enxergam, a tendência geral é minimizá-lo como se fosse apenas a deterioração de um adorno supérfluo, sem maiores conseqüências para a vida real. O homem inteligente é sensível ao menor sinal de decréscimo do seu QI; o imbecil sente-se tanto mais tranqüilo e confiante quanto mais imbecil se torna.

Como os intelectuais são os olhos e ouvidos da sociedade, não espanta que esta última, sob a influência das hordas de miúdos vigaristas que hoje exercem essa função, tenha se tornado incapaz não somente de acompanhar razoavelmente o que se passa no mundo (comparar o que observo nos EUA com o que a respeito sai nos jornais brasileiros é ter diariamente a visão de um abismo sem fundo), mas até de compreender, mesmo por alto, aquilo que se passa no território nacional.

Políticos, empresários, líderes militares e religiosos tomam suas decisões, dia após dia, com base na ignorância radical dos fatos mais decisivos. O Brasil tornou-se uma procissão de cegos guiados por loucos. É um fenômeno tão estranho e incomparável, que desafia qualquer descrição. A capacidade humana de expressar em palavras a experiência coletiva depende de que esta tenha um mínimo de luminosidade e transparência. A opacidade completa só pode ser descrita pela indiferença e pelo esquecimento. O Brasil tornou-se uma imensa falta de assunto.

Olavo de Carvalho é jornalista, ensaista e professor de Filosofia

terça-feira, outubro 07, 2008

ATIVISMO DE ESQUERDA DENTRO DO PODER JUDICIÁRIO

Entrevista realizada pela redação da revista Catolicismo com a Doutora Arinda Fernandes, Procuradora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e Professora da Universidade Católica de Brasília.

Alerta sobre os graves riscos do movimento organizado para manipular o Direito, como objetivo de corroer o ordenamento legal e favorecer o advento de um Estado socialista.

Como a Sra. vê o problema da politização do Poder Judiciário?

A militância ideológica dentro do Poder Judiciário é um fenômeno relativamente recente no Brasil, mas vai tomando rumos preocupantes. Nos Estados Unidos, o problema é mais antigo e vem sendo combatido por diversos setores da sociedade. Recentemente foi lançado naquele país um livro intitulado Homens de preto: como a Suprema Corte está destruindo os Estados Unidos, mostrando que a esquerda está utilizando o Poder Judiciário para colocar em prática sua agenda reformista. Aqui no Brasil, já existe uma considerável rede de profissionais do direito - especialmente na magistratura e no Ministério Público - empenhados em questões como legalização do aborto, união de homossexuais, eutanásia, enfraquecimento do direito de propriedade. A ação desses operadores do direito está pautada por sua ideologia e conseqüentemente não há por parte deles nenhum compromisso com a legalidade instituída. É bastante comum ver esses profissionais evocarem os princípios constitucionais para fundamentarem suas peças processuais como sentenças, pareceres, pedidos de arquivamento. Trata-se de um sagaz exercício de retórica: afirmam estar cumprindo a Constituição, no momento mesmo em que a desobedecem. Por exemplo, não faz muito tempo, um Juiz do Rio Grande do Sul reconheceu como união estável o relacionamento de cinco anos entre dois homossexuais. E fundamentou sua decisão na Constituição Federal. Mas a Constituição, assim como o Código Civil, é taxativa em reconhecer união somente entre homem e mulher.

A ação desses juristas é um fator de enfraquecimento da ordem legal?


Sim, e de várias formas. Uma delas é debilitando a própria organização do Estado. Nossa Constituição define claramente a existência de três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Em linhas gerais, a tarefa de exprimir a vontade popular cabe ao Legislativo, por meio da elaboração de leis. Ao Executivo, administrar e executar as leis. E, por fim ao Judiciário dirimir as controvérsias em torno das leis. Quando esses ativistas dentro do Judiciário têm a oportunidade de levar à frente alguma de suas propostas progressistas, passam por cima de toda a legalidade instituída. Afirmam que as leis são injustas, ou que estão realizando mera interpretação. Na prática, estão furtando uma tarefa que é do Poder Legislativo e colocando em xeque o próprio Estado de Direito. Mas o problema central - e muitos juristas sérios se recusam a ver essa realidade - é que boa parte desses profissionais engagés não está interessada meramente em aplicar uma agenda reformista, Isso é apenas o começo. O objetivo principal - dizem explicitamente - é corroer o ordenamento legal para, com isso, favorecer o advento de um Estado socialista. Usam o Direito como arma na pretensa luta de classes teorizada pelos socialistas.

Qual é a inspiração ideológica ou doutrinária desses magistrados?


Aqui no Brasil, esses juristas realizaram todo um trabalho teórico de adaptação da estratégia de revolução cultural do ideólogo italiano Antônio Gramsci para poder aplicá-la ao direito. Gramsci queria uma revolução cultural capaz de apagar todos os valores ocidentais e cristãos que orientaram a atual civilização. Para ele, não seria possível estabelecer o socialismo sem antes realizar essa reforma intelectual. Dentro desse esquema, é muito importante apagar nas pessoas as noções tradicionais de justiça. É o que ocorre, por exemplo, quando um proprietário tem sua terra invadida e recorre ao judiciário, exigindo reintegração de posse. Na sentença o juiz afirma que os invasores têm o direito de permanecer na terra invadida. O caso é noticiado na imprensa. Se ao longo de alguns anos houver vários casos semelhantes, a idéia que fica para a opinião pública é a de que alguma coisa mudou, e que um invasor tem mais direito sobre a terra do que o próprio dono. Gramsci chamava isso de “função pedagógica de direito”. É uma forma de educar e assimilar as massas. Outro aspecto interessante foi abordado por um aluno da Universidade Católica de Brasília, chamado Mauro Alves Corrêa, em sua monografia de conclusão de curso intitulada “Revolução Cultural no Direito: Gramsci e o Direito Alternativo”, cuja banca examinadora tive a grata satisfação de integrar: é a ação conjunta desses magistrados com os tais movimentos sociais. A inspiração disso também está em Gramsci. A idéia é tentar passar à opinião pública a impressão de que estão amparados pelo apoio popular, e ao mesmo tempo, dar a idéia de que tais grupos representam a totalidade da população.

Esse ativismo revolucionário é realizado apenas pelos adeptos do direito alternativo?

Eu diria que existe hoje um ativismo de esquerda dentro do Poder Judiciário e do Ministério Público, mas que não está propriamente ligado ao direito alternativo. A grande maioria desses magistrados e representantes ministeriais engajados não quer ver seu nome associado a um movimento organizado, porque a existência de um rótulo capaz de designar toda essa rede de profissionais ativistas é algo muito incômodo para eles. Atualmente, até mesmo conhecidos líderes do alternativismo jurídico têm se esforçado para colocar em desuso expressões como “direito alternativo” ou “uso alternativo do direito”. No último congresso internacional de direito alternativo do trabalho, elas não apareciam em nenhuma das teses. Não quero dizer com isso que eles não estejam organizados. Pelo contrário, acredito que estão muito bem organizados.

A senhora julga que pode ser feita alguma coisa em sentido contrário?

Uma forma muito inteligente encontrada por esses ativistas, de camuflar seus objetivos e confundir a opinião pública, foi tomar para si bandeiras como reforma do ensino jurídico, celeridade processual, assistência aos necessitados. Seria uma coisa muito bonita, imagine, um grupo de juristas que realizasse um trabalho de apoio aos necessitados, como fazem os Católicos Vicentinos. Mas não é isso. E há muita gente pensando que é esse tipo de ideal que une esses ativistas. É preciso mostrar a realidade: esse ativismo ideológico dentro do Poder Judiciário existe é um movimento organizado tem um objetivo. É preciso apresentar essa visão de conjunto, porque a maioria das pessoas não tem a capacidade de juntar os fragmentos e ver a realidade inteira. Se realizarmos essa tarefa, a ação desses operadores do direito estará esvaziada e enfraquecida. O que pode ser feito em sentido contrário é mostrar a verdadeira face do alternativismo jurídico, em trabalhos, artigos, teses, monografias como a desse aluno da Universidade Católica de Brasília, Mauro Corrêa, que assim conclui seu brilhante trabalho: “A continuar ignota a verdadeira face do alternativismo jurídico, a penetração sutil de suas doutrinas não cessará. A substituição do senso comum jurídico realizar-se-á, sem que para isso o direito alternativo, enquanto movimento distinto do restante dos juristas, seja preponderante, afinal, militância declarada não era a preocupação de Gramsci, e os seguidores do direito alternativo sabem disso. Talvez quando nossos juristas se derem conta de que o Movimento do direito alternativo não é simplesmente um grupo de aventureiros, mas parte de uma matizada estratégia revolucionária, possa ser tarde demais”.

Arinda Fernandes é Pós-Doutorada em Crime Organizado e Criminalidade Transnacional pela Universidade de Roma - Tor Vergata, integra a Câmara de Coordenação Criminal, é professora da graduação e pós-graduação da Universidade Católica de Brasília, Pesquisadora do CNPq, membro do Conselho Pontifício do Observatório do Crime Organizado - Genebra (Suíça) e da Société Internationale de Droit Pénal - AIDP, com sede em Pau, França.