sábado, julho 28, 2007

Medalha, medalha, medalha!

Todas as condições para que se produzam novos acidentes estão perfeitamente no arEu gostaria de ser um cínico elementar ou um pusilânime contente para não julgar ninguém e deixar que o caos do sistema aéreo brasileiro flua normalmente. Como um Plangloss da tragédia, eu diria que tudo vai ficar bem porque assim tem de ser, afinal esta é a forma cabal de se confirmar "a prosperidade do País", como quer o ministro da Fazenda. Relaxado e no pleno gozo da minha faculdade de genuíno sem-vergonha, eu faria coro ao presidente da Anac para quem "a crise no transporte aéreo brasileiro está longe de ser uma crise." Caso eu fosse um tolo na colina, eu faria uma interpretação literal do ultimato que o presidente deu naquele 21 de março e aceitaria o "dia e hora" para o problema acabar como um momento incerto, cujo implemento poderia acontecer a qualquer tempo, mesmo por que, "não pode haver pressa neurótica e temperamental", conforme acredita o ministro da Justiça.

Hoje faz cinco dias do novo caos aéreo nos aeroportos. O problema virou uma versão do inferno à brasileira. O consolo do passageiro não é mais chegar ao destino, mas permanecer vivo. No placar da Infraero o anúncio de previsto virou uma grande notícia entre vôos com atrasos ilimitados e cancelamentos inexplicáveis. Tudo começou na sexta-feira, quando ocorreu pane ou sabotagem no sistema de fornecimento de energia elétrica do Cindacta 4 em Manaus. Depois, as chuvas de inverno inviabilizaram a pista secundária de Congonhas, um nevoeiro fechou o aeroporto de Porto Alegre, no Galeão o tumulto se instalou, enquanto em Guarulhos a imagem dos passageiros sendo torturados pelo atraso e a falta de informação virou regra.

Quem vinha do nordeste em direção à Belo Horizonte, quase aterrissou em Cumbica, por pouco não desceu em Viracopos e acabou no Rio de Janeiro. Há passageiro que deveria ter embarcado no sábado para Belém, mas só hoje, com muita bondade, deve seguir viagem. Agora há mais uma escusa esfarrapada para quem acredita que não se deve atribuir a ninguém a razão da crise. Falta tripulação de reserva porque os vôos estão sendo remanejados de Congonhas. Sobre a pista do aeroporto, no meio da tarde de ontem, a Infraero disse que a perícia da Polícia Federal atrasou a sua liberação, há buraquinhos para serem tapados e tudo ficaria bem ainda nesta semana. Quando a noite caiu, parte da pista desabou e escorreu na enxurrada de desculpas e protelações.

Eu seria um estulto mau-caráter caso afirmasse que a tragédia do vôo 3054 é o limite da crise. Todas as condições para que se produzam novos acidentes estão perfeitamente no ar. Continua a valer a insuficiência de comando do Ministério da Defesa, mãe de todos os males do setor. Os investimentos do governo permanecem precários, como se nada tivesse acontecido. A incompetência gerencial é a mesma, assim como vigora a negligência com o dever objetivo das autoridades de prover a segurança. A facilitação do interesse público à corrupção e à ganância das empresas aéreas é rigorosamente o resumo de um quadro geral de irresponsabilidade expresso em centenas de mortos.

As autoridades brasileiras não aprenderam nada com a tragédia do acidente da Gol ocorrido há dez meses. Ao contrário, assistiram inertes e pacientes o agravamento da crise do sistema aéreo quando deveriam ter realizado planejamento estratégico e executado as providências necessárias ao bem-estar e à segurança do povo brasileiro. Apostaram no esquecimento, fator que sempre dilui as crises neste País. Esquecimento da caixa-preta onde estão guardadas as gravações dos pilotos do Air Bus que explodiu. Esquecimento de uma vítima na lista dos mortos, justamente um co-piloto da própria TAM. Esquecimento da decência e do respeito com a dor alheia, patrocinado pelo senhor Marco top Aurélio top Garcia. Esquecimento do bom-senso ao se condecorar o presidente da Anac com o mérito Santos Dumont. Para mim, ele é o Muttley da aviação brasileira. Está aberta a eleição do Dick Vigarista. Medalha, medalha, medalha!
Senador Demóstenes Torres (GO)

domingo, julho 22, 2007

Preço da trágica incompetência

O gesto obsceno-comemorativo de assessores presidenciais só repete o cínico tripudio de autoridades (relaxa e goza) sobre a dor dos cidadãos. A sociedade brasileira está pagando um preço alto demais para entender que a incompetência na gestão pública é muito mais do que um prejuízo, uma perda de oportunidade, um atraso no processo de desenvolvimento, um abafamento de potencial criativo ou uma destruição de valores morais. Por sobre tudo isso a incompetência governamental é uma tragédia literal, que ceifa preciosas vidas humanas, que joga na lixeira promissores destinos individuais, assim como desfaz, de maneira tão perversa quanto irresponsável, as melhores perspectivas das novas gerações.

Por uma crueldade da História, tem sido justamente no campo em que o País já teve um papel brilhante no desenvolvimento tecnológico do mundo - exercido pelo gênio de Santos-Dumont - que o Brasil vem sofrendo, da forma mais perceptível, os efeitos da trágica incompetência. Incompetência geral e, em última instância, de um chefe de Estado e de governo para quem governar não é “abrir estradas” - mas sim discursar sobre a necessidade de abrir e conservar estradas; não é escolher pessoas competentes para funções relevantes - mas sim compor cambalachos políticos para o loteamento de cargos públicos; não é fazer reformas - mas sim improvisar pronunciamentos genéricos e vazios sobre a necessidade das reformas; não é imprimir com o próprio exemplo, perante a sociedade, os valores mais elevados da moralidade pública - mas sim deixar-se cercar por camarilhas multipartidárias, rapinadoras do erário, com estas mantendo afetuosas relações de compadrio e complacência; não é acompanhar nos pormenores, “entendendo”, os processos da administração e a execução de ordens pelos subordinados - mas sim cobrar com energia (sempre nos discursos e falas improvisadas) providências “com dia e hora certa”, que nunca se cumprem, sem que isso implique sanção alguma contra faltosos e omissos.

A manutenção em área de máxima relevância pública, em termos da segurança dos cidadãos, de pessoa sem qualificação alguma para a função, sem a mínima noção do que ocorre na pasta da qual é titular, significa, mais que uma irresponsabilidade, um verdadeiro dolo eventual, pelo qual se prevê um resultado nefasto - no caso, da incapacidade total de administrar um setor de governo -, não se importando a mínima se tal resultado se concretizará ou não. O insulto à inteligência com que se atribui ao “sucesso” de movimentação de um setor o colapso do serviço público a ele referente é um dos mais abjetos expedientes de enganação pública já usados pelo governo de uma Republica. É o recibo passado da imprevisibilidade, da falta de projeto, do improviso crônico, que não leva em conta a segurança, o trabalho, os compromissos, o bem-estar e o respeito à própria vida das pessoas.

Para a grande maioria da população não é perceptível a relação de causa e efeito entre a corrupção desenfreada, institucionalizada, contaminando todos os Poderes de Estado, e os prejuízos concretos causados à coletividade pelas montanhas de dinheiro público desviado, pelas propinas, comissões, pelos superfaturamentos, licitações fraudulentas, termos de aditamento em contratos de obras públicas, depósitos em contas secretas em paraísos fiscais, transportes de dinheiro vivo em malas, pastas ou cuecas, lavagens de todo gênero - de preferência, via negócios da China com gado vacum nordestino, embargado por aftosa - e tantas bandalheiras mais, que fazem sumir os recursos públicos da educação, da saúde, da Previdência, do saneamento básico, da infra-estrutura de transportes, da segurança, da habitação, do meio ambiente e tudo o mais que, no espaço público - e nos Poderes de Estado -, afeta a vida dos cidadãos. No entanto, com a tragédia de 154 mortos e, depois de dez meses de muito sofrimento, a outra tragédia de cerca de 200 mortos, a população começa a sentir, de maneira bem próxima, o preço da trágica incompetência da gestão pública.

Os aeroportos do País ficaram defasados em relação às necessidades reais dos transportes aéreos porque, em lugar de receberem reformas e aperfeiçoamentos técnicos que melhorassem suas condições de segurança, se tornaram shopping centers. Contratos de reforma de aeroportos foram superfaturados - conforme inúmeras denúncias do Tribunal de Contas. Da mesma forma, negligenciou-se na seleção e no treinamento de controladores de vôo, assim como na modernização de equipamentos destinados ao controle do sistema de transportes aéreos do País. Nos últimos dez meses, com a continuidade implacável do apagão aéreo - assim como com a manutenção de emprego de todos os altos escalões responsáveis pelo setor -, o governo federal deu ao País - e ao mundo - a mais espetacular demonstração de inação já ocorrida na história da administração pública contemporânea. Só que tal incapacidade de decisão, tal inconseqüência de determinações, tal distância entre enérgicos discursos de cobrança e a efetiva ação de governo podem ser ilustradas, desgraçadamente, por rios de sangue brasileiro.

Com toda a certeza, essa desgraça que levou a vida de cerca de 200 cidadãos do Brasil se tornará inesquecível para as futuras gerações, não como uma tragédia aérea, como um grande acidente de avião, mas sim como uma tragédia de governo. Ficará marcada, para todos os que vierem a se debruçar no estudo da evolução político-administrativa de nosso país, como o verdadeiro, perceptível, notório e muito sofrido preço da trágica incompetência - da qual um dia, se o bondoso Cristo Redentor o permitir, haveremos de nos livrar.

Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e produtor cultural. E-mail: mauro.chaves@attglobal.net

Dez meses, 350 mortes depois

No Brasil presidido por Luiz Inácio da Silva é assim: o governo não sabe o que fazer, faz qualquer coisa e ainda quer que o País reaja sereno, quando não agradecido. O presidente da República talvez se surpreenda e ainda mais uma vez se sinta injustiçado com a avaliação de que seu pronunciamento à Nação na noite de sexta-feira foi pífio.

Falhou no quesito emoção, porque lhe faltou a veracidade da manifestação de solidariedade no momento exato da comoção e falhou no requisito administração, ao anunciar medidas para minorar os riscos futuros, menosprezando a gravidade dos fatos e, sobretudo, insistindo em não dar à crise aérea a sua real dimensão.

O máximo a que se permitiu foi reconhecer que o sistema de tráfego aéreo passa por "sérias dificuldades". Isso, dez meses e 350 mortes depois de repetidas e não resolvidas demonstrações de que a situação está absolutamente fora do controle.

Falou como se a crise tivesse começado com o desastre de terça-feira à noite e se encerrasse com alterações no "perfil operacional" do Aeroporto de Congonhas, no anúncio sobre "estudos" para a construção de um novo aeroporto em São Paulo (em área ainda não determinada, conforme informou com caprichada grosseria a ministra Dilma Rousseff), na promessa vaga de "modernização" do sistema aéreo e na difusa referência ao "fortalecimento" da Agência Nacional de Aviação Civil - personagem naquele mesmo dia do debochado episódio de condecoração de seus incompetentes dirigentes por "serviços prestados ao País".

Para o presidente parece que não houve o acidente da Gol, não aconteceram suas nefastas conseqüências, não há um desacerto aberto no serviço de controle de vôos, não existiu inversão de prioridades nas obras de embelezamento dos aeroportos em detrimento da segurança, é obra de ficção a sobejamente demonstrada inépcia em todas as cadeias de comando do setor, não há no País um ministro da Defesa incompatível com o cargo, inexiste o descompasso entre demanda de passageiros e oferta de infra-estrutura, seguindo, ademais, tudo normal num ambiente em que a ganância das companhias aéreas regula as ações da agência criada para regulá-las.

Certamente foi por isso que apenas ontem se reuniu o Conselho de Aviação Civil, nem uma só vez convocado desde o início do calvário dos passageiros nos aeroportos.

Ao fim de seu pronunciamento, o presidente pediu serenidade aos brasileiros, que dele esperavam mesmo era mais seriedade. Já que não adianta cobrar celeridade.

Agora, uma coisa Lula percebeu ao evitar comparecer ao enterro do senador Antonio Carlos Magalhães: que daqui em diante ficará mais difícil aparecer em público fora de solenidades oficialmente controladas.
Dora Kramer

sábado, julho 21, 2007

Basta!
por Márcio Chalegre Coimbra
A tragédia com vôo 3054 da TAM é assustadora em muitos aspectos, entretanto nenhum deles supera o fato de que era anunciada. Todos sabiam que um desastre não demoraria a ocorrer. O governo federal esperou e jogou, perigosamente, com a sorte. Sua responsabilidade é clara, objetiva e evidente nesta monstruosidade que já se transformou em crime. É preciso ser explícito e direto: o governo Lula é, sem dúvida, culpado. A irresponsabilidade que impera no Palácio do Planalto deixou de ser folclore e passou ao patamar do assustador, pois começou a ceifar vidas, destruir famílias, dilapidar sonhos.

Nesta sexta-feira, o Presidente fala a nação e anuncia medidas para sanar a crise. Mas Lula já perdeu a credibilidade para aqueles que ainda possuem discernimento. Seu governo é marcado por irresponsabilidades, falcatruas, desvios, falsidades, mentiras, enrolações, esquemas, embustes, safadezas e crimes. Lula não possui estatura moral para propor coisa alguma. Sua gestão virou uma ação entre amigos para se esbaldar nas benesses do poder. Nunca se viu na história deste País tamanha incompetência aliada a tanta corrupção.

Lula não possui retidão ética para seguir como Presidente do Brasil. Seu governo se tornou um espetáculo macabro onde a rotina de sacos pretos com corpos de vítimas de sua inoperância está se tornando uma constante. Enxergar seus assessores diretos comemorar com gestos obscenos uma suposta falha no Airbus acidentado é revoltante, uma cena dantesca, um desrespeito às centenas de famílias que ainda tem esperança de identificar seus entes queridos entre os corpos. O povo tem sido muito condescendente com este governo infestado de patifes, canalhas e criminosos. O governo Lula zomba da população. Marta Suplicy anuncia que devemos “relaxar e gozar”. Estas pessoas perderam a noção de todos os limites éticos, morais e de respeito com o cidadão. Isto é inaceitável. Precisamos evitar a degradação cívica e moral de nossa nação.

Se o Brasil fosse um país sério, o Presidente, que teve sua campanha paga com dinheiro sujo no Caribe, nem poderia ter concorrido à reeleição. Em um país sério Lula e muitos de seus assessores já estariam na cadeia. Em um país sério, Marco Aurélio Garcia e Bruno Gaspar, autores dos gestos asquerosos e grotescos, já estariam demitidos. Em um país sério, Marta Suplicy não era mais ministra. Em um país sério, Congonhas não funcionaria como aeroporto. Se Lula fosse uma pessoa séria, preocupada com os destinos da nação, já teria renunciado.

É triste também perceber que as saudosas vítimas do vôo 3054 faziam parte de um País que produz, que trabalha, que gera empregos. Pessoas no auge profissional, prósperas, com média de idade de apenas 39 anos. Pessoas, vale lembrar, de lugares que impuseram uma amarga derrota a Lula na última eleição, Rio Grande do Sul e São Paulo. Estados essenciais na economia nacional, que pagam pesados impostos para que o apedeuta e sua turma façam turismo, desviem recursos (como na Infraero), se locupletem com dinheiro e contratos públicos, escondam dólares em cuecas, comprem dossiês fajutos e distribuam esmolas em forma de programa social para se manter no poder. É preciso acabar com esta festa para poucos.

Já é hora de falar nisso. Chega de bom mocismo e do politicamente correto. Nós temos uma responsabilidade perante o País, perante nós mesmos, nossas famílias e filhos. Não podemos virar as costas e aceitar essa canalhice uma vez mais! A inoperância deste governo está matando pessoas na nossa frente!

Onde está a população brasileira? Onde estão os protestos? Onde estão as marchas contra a corrupção, contra o caos, contra esta catástrofe que tomou conta do Palácio do Planalto e tem nome? Será que Lula também acabou com nosso amor próprio, com nossa dignidade, com nossa capacidade de protestar, de reagir, de mudar?

É preciso dar um fim a certeza da impunidade. É impossível acreditar em um país guiado por pessoas que deveriam estar na cadeia. Jornalistas perseguidos, professores universitários intimidados, pessoas sem esperanças que emigram, um país inteiro desmoralizado. Somos um rebanho imbecil, uma sociedade covarde e acomodada vivendo de esmolas ou somos uma nação com um mínimo de postura moral e integridade cívica? Cada um de nós pode ser a próxima vítima da irresponsabilidade assassina deste (des)governo. Precisamos de uma mobilização nacional exigindo o fim deste governo para garantir um futuro decente para nosso País.

Lula, se você quer acabar com a crise no setor aéreo e todas as outras, a solução é muito fácil e simples: RENUNCIE. Mas para isso é preciso ter muita honradez, algo que sua administração (e estou seguro que você também) nunca teve.

RENUNCIE e tire de nosso caminho sua presença incompetente, nefasta e macabra.
20.7.07 [17h59]

sexta-feira, julho 20, 2007

Muito além da omissão

Duzentas pessoas estão mortas, duzentas famílias choram suas perdas, a maior cidade brasileira convive com os escombros à margem de uma de suas avenidas mais movimentadas, o País está aturdido com a tragédia de dramaticidade acentuada por ter sido anunciada e o cidadão que, embalado pelos números de pesquisas, se pretende a síntese do Brasil tira o corpo fora.

Ontem, 48 horas depois do segundo sinistro aéreo gravíssimo em 10 meses de exposição do colapso do setor aéreo, o presidente Luiz Inácio da Silva ainda examinava a conveniência de se dirigir à Nação hoje, quatro dias depois.

Em ocasiões de comoção, autoridades com um mínimo de consideração para com seus compatriotas costumam aparecer de pronto em público, sem pesar nem medir se isso lhe renderá benefícios ou malefícios políticos.

Esse gesto mínimo o presidente da República ontem ainda devia ao País, a São Paulo, às famílias, aos mortos.

Seja para uma explicação a respeito do ocorrido, seja para uma palavra além da nota formal de consternação, seja para demonstrar interesse em algo além do culto à própria personalidade, seja para preencher o silêncio indolente e covarde da instância do poder público responsável pelo tráfego aéreo, seja para corrigir o rumo das estultices ditas por quem falou.

No dia seguinte ao desastre, o presidente da República de objetivo só fez livrar-se do desconforto de um terçol no olho direito, após o que descansou.

Até o início da tarde de ontem, a única voz palaciana a se pronunciar havia sido a do ministro das Relações Institucionais, Walfrido Mares Guia, para pedir prudência para com "julgamentos apressados". Ato contínuo, julgou: "Não é culpa do presidente nem de ninguém, a não ser de quem estava pilotando, se o desastre tiver ocorrido por falha humana."

Do presidente a quem se confere o atributo de fenômeno andante - mas sobretudo falante - nem um reles telefonema de solidariedade ou oferta de auxílio aos governadores José Serra, de São Paulo, onde não conseguiu aterrissar o avião , e Yeda Crusius, do Rio Grande do Sul, origem de vôo e de boa parte das vítimas.

Quando em campanha eleitoral, no ano passado, o presidente da República não perdia uma única oportunidade de fazer publicidade em torno de suas reiteradas ofertas de "tropas" para auxiliar no combate à violência nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Agora mesmo, quando 20 pessoas foram mortas no complexo do Morro do Alemão, no Rio, Lula de pronto manifestou-se ao governador Sérgio Cabral. Lá, durante a campanha, pretendia mostrar-se como contraponto de eficiência diante de dois governos adversários: o de Geraldo Alckmin, ocupado por Cláudio Lembo, e o de Rosângela Matheus, do clã dos Garotinho.

Aqui, teria tido alguma influência em seu silêncio - indolente não denotasse pusilanimidade pura e simples - o fato de os governadores Serra e Crusius pertencerem a um partido de oposição?

Tudo indica que sim, se acrescentarmos ao silêncio sinais de que o governo federal busca jogar o problema no colo das autoridades paulistas quando, de forma sub-reptícia, divulga a existência de um laudo inexistente de instituto ligado à Universidade de São Paulo atestando as condições perfeitas de uso da pista principal do Aeroporto de Congonhas, onde o piloto do Airbus da TAM não conseguiu aterrissar.

Que o presidente da República tem predileção por situações favoráveis e horror físico às desfavoráveis, diversos episódios ao longo dos últimos cinco anos já demonstraram sobejamente. No último, recusou-se a declarar abertos os Jogos Pan-Americanos por contrariedade com as vaias no Maracanã.

O que não se sabia, porém, é que o homem que preside o Brasil se deixaria tomar pelos mesmos sentimentos de mesquinhez auto-referida em situação de tragédia nacional.

Omitiu-se ao longo dos primeiros meses da crise, bravateou no restante deles e, quando sobreveio o desastre, escondeu-se. Preocupado apenas - isso transpareceu em todos os movimentos originários do Palácio do Planalto - com a repercussão política do fato sobre sua popularidade.

Sua imagem era o centro da aflição. Tanto que a reunião de ontem de manhã foi com a coordenação política, para avaliar como contornar os obstáculos e reduzir o risco de danos nas próximas pesquisas.

Estas sim o termômetro das ações do Palácio do Planalto, que trata como cidadãos de segunda pessoas que supõe sejam de primeira classe porque viajam de avião, lêem jornais, compram ingressos para ir ao Maracanã, vivem do trabalho, não estão entre o público alvo das esmolas oficiais, não vêem os governantes como benfeitores a quem se deve reverência e gratidão e acham que nunca antes neste país um governo desdenhou de tantos durante tão longo tempo com tal grandiosa desfaçatez.

A frase original é de Millôr Fernandes e trata da fronteira da ignorância, mas pode ser adaptada à circunstância: na crise, o governo chegara ao limite de sua capacidade de omissão. E, no entanto, prosseguiu.

Dora Kramer

quinta-feira, julho 19, 2007

O que ocorreu não foi acidente, foi crime

Gostaria imensamente de ter minha dor amenizada por uma manchete que estampasse, em letras garrafais, "GOVERNO ASSASSINA MAIS DE 200 PESSOAS". O assassino não é só aquele que enfia a faca, mas o que, sabendo que o crime vai ocorrer, nada faz para impedi-lo. O que ocorreu não pode ser chamado de acidente, vamos dar o nome certo: crime.
Remeto-me ao livro de García Marquez, "Crônica de uma morte anunciada". Todos sabiam e ninguém fez nada. E não me refiro a você, leitor, que se consome em sua impotência diante deste e de tantos descalabros que vimos assistindo semanalmente. Ao ponto de a ministra se permitir ao deboche extremo do "relaxa e goza'? Será esta sua recomendação aos parentes das novas vítimas? Refiro-me às autoridades (in)competentes, inapetentes de trabalho gestor. Refiro-me ao presidente Lula, que, há quantos meses, ó Senhor, disse em uma de suas bazófias inconseqüentes que queria "data e hora para o apagão aéreo acabar", como se não dispusesse da devida autoridade para tal.
Sinto pena de não ter estado na abertura do Pan, de não ter engrossado aquelas bem merecidas vaias. Talvez o presidente não se importe tanto, afinal, quem viaja de avião não é beneficiário de sua bolsa-esmola, não faz parte do seu particular curral eleitoral cevado com o dinheiro que ele arranca de nós. Devem fazer parte das tais "elites", que é como ele escarnece da classe média que faz (apesar do governo) o país crescer.
Qual de nós escapou do medo de voar desde o desastre da Gol HÁ NOVE MESES? Qual de nós assistiu confortável o jogo de empurra, "a culpa é dos controladores'; "não, é do ministério da defesa'; "a mídia também exagera tudo'; "é do lobby das empreiteiras que só querem fazer obras inúteis e superfaturadas nos aeroportos". Qual de nós deixou de ficar perplexo com a falta de ação efetiva para que o problema se resolvesse?
Perdão, acho que a tal falta de ação geral de governo é de tamanho tão extenso e dura tanto tempo que muitos de nós a ela nos acostumamos. Sou psicanalista, e, por dever de ofício, devo escutar o que meus clientes queiram dizer.
Pois nunca pensei que fosse pronunciar no consultório uma frase que venho repetindo há algum tempo, depois de que mensalões, valeriodutos, Land-Rovers, dólares na cueca, dossiês fajutos, renans calheiros, criminalidade, insegurança pública, impunidade, pizzas e tudo isso que o leitor já sabe se despejam fétida, diária e gosmentamente sobre nossas cabeças. A tal frase: "Não quero falar desse assunto". Os pacientes me respondem com alívio, "Ufa, eu também não!' É o desabafo da impotência partilhada. "Welcome to Congo'? Talvez seja um insulto ao Congo.
Pois agora quero falar deste assunto. Deram-me a oportunidade de ser menos impotente. Sei que falo por uma enorme quantidade de brasileiros trabalhadores que sustentam essa máquina de (des)governo, muitos mais que os 90 mil do Maracanã, para expressar o nojo e a raiva que esse acúmulo de barbaridades nos provoca. O governo sairá da inação, da omissão criminosa? Alguém será preso, punido por todas essas coisas? Infelizmente, duvido. Talvez condenem a mim, por ter deixado o coração explodir. Pagarei o preço alegremente, lembrando Graciliano Ramos, que, visitado no cárcere, travou com o amigo o seguinte diálogo:
- Puxa, Graça, você, aí dentro, de novo?
- E você, o que faz aí fora? Nestes tempos, lugar de homem honesto é na cadeia.
FRANCISCO DAUDT

Era só o que faltava...

Como se não bastasse todos os desmandos que ocorrem nesse país, toda a violência, toda impunidade, toda falta de tudo temos que aceitar uma peça de teatro que faz apologia ao crime.

É isso mesmo meus amigos. Peça de teatro fazendo apologia ao crime. Desde a semana passada esta em cartaz a peça “Salmo 91”, que é uma adaptação do livro de Drauzio Varella, Estação Carandiru. A peça, segundo todos os grandes meios de comunicação, gira em torno dos fatos ocorridos na Casa de Detenção em 2 de outubro de 1992 que terminou com um saldo de 111 criminosos mortos em confronto com a policia.

Não podemos admitir que isso aconteça, enquanto gritamos aos quatro ventos implorando por justiça aos nossos entes queridos brutalmente assassinados, enquanto lutamos para que o código penal seja alterado, enquanto vivemos revoltados com a impunidade de verdadeiros monstros, temos que abrir os jornais e as revistas que circulam em nosso país e ler que existe uma peça em cartaz que conta as atrocidades de que foram vitimas os bandidos que se encontravam presos.

Não é possível uma coisa dessas. Parafraseando o amigo Jorge Damus, pai do Rodrigo – que teve sua vida ceifada na flor da juventude por um “menor” – “Até quando” teremos que tolerar esse tipo de atitude? Não estou aqui clamando pela volta da censura no país, estou aqui tentando descobrir, desde que li o Caderno 2 do Jornal O Estrado de São Paulo dessa quarta-feira (18/07/2007), onde esta o bom senso das pessoas? O que se pretende com uma peça desse tipo? Com certeza receberemos como resposta que isso é uma “obra de ficção”, como o filme de Hector Babenco, Carandiru. Obra de ficção de um fato verídico?

O título da peça é “Salmo 91”. Um dos versículos desse Salmo diz o seguinte: 'Mil cairão à sua direita, e dez mil à sua esquerda, mas a ti nada acontecerá, nada te atingirá'. Se formos aplicar aos presos, teremos que concluir que: Aos presos nada acontecerá!

Como assim? Será que enlouqueci? Em que mundo estou vivendo? O que mais vai acontecer?

Perdoem-me, mas estou completamente indignada. Há 4 meses escrevi um desabafo como este intitulado “Basta de Impunidade”, falando do absurdo de termos assassinos soltos por aí, convivendo com cidadãos de bem. Falando de minha revolta por saber que a pessoa apontada pela polícia e pela promotoria pública como assassina do Coronel Ubiratan Guimarães continua solta. Naquele momento estávamos revoltados com o assassinado do menino João Hëlio. Nós, os defensores dos humanos direitos, dos direitos dos cidadãos de bem, passamos esses meses lutando, fazendo passeatas e tentando sensibilizar os governantes e a sociedade para os absurdos que acontecem em nosso país, enquanto artistas fazem montagens defendendo os criminosos. Repito, não estou querendo censura, só peço bom senso. Quando se fala de um fato ocorrido, de uma história verídica, temos que tomar o cuidado de não sermos parciais, temos que apresentar o que realmente ocorreu, sem ser tendencioso.

Agora pergunto a vocês: O que mais falta acontecer? Mais uma menina ser estuprada como Liana Friedenbach? Mais uma jovem como Gabriela Prado Maia Ribeiro, Rodrigo Damus, Felipe Caffé e tantos outros ser assassinado? Mais uma criança como João Helio ser arrastado pelas ruas de uma cidade? Teremos que ter mais uma mãe, como Dona Fumio, que sabe que o assassino do seu filho de apenas 23 anos esta nas ruas? Vamos esperar mais um “crime passional” como o que vitimou o Coronel Ubiratan?

Até quando? Não sei quanto a vocês meus amigos, mas eu não suporto mais!

Karina Florido Rodrigues, 30 anos, ex-assessora do Deputado Coronel Ubiratan Guimarães

domingo, julho 15, 2007

Palavra de arquibancada

Pior não foi a vaia. Ruim mesmo foi a combinação de falta de espírito esportivo do presidente Luiz Inácio da Silva, ausência de senso de realidade de seus áulicos e sabujice do cerimonial, que levaram Lula a passar um recibo diante do mundo: é intolerante com a divergência e não tem desenvoltura para enfrentar algo perfeitamente natural na vida de um homem público.

Não suporta a vaia e só transita bem em platéias treinadas para a aclamação.

Podia perfeitamente ter evitado passar para a história do Panamericano como o primeiro presidente, em 56 anos, a não abrir oficialmente os jogos.

Alega-se que o conselho a fuga ao cumprimento do dever - apelidado de 'quebra de protocolo' - teve o intuito de proteger o presidente de constrangimentos.

Se foi essa mesmo a intenção, conseguiu-se o efeito oposto, pois o constrangimento acabou sendo muito maior.

Vaiado seis vezes, se falasse, Lula enfrentaria a sétima, daria por iniciado o Pan e nada mais sobraria do episódio a não ser a óbvia e normalíssima constatação de que o Brasil não é governado por um fenômeno andante e, sobretudo, falante, mas por um homem em quem a população reconhece qualidades, mas não deixa também de enxergar seus defeitos.

Isso é espírito crítico, exercício saudável da contradição. Anormal mesmo é que nem o presidente nem sua assessoria ou mesmo seus aliados políticos tenham feito em momento algum uma concessão ao bom senso e imaginado que uma vaia - mesmo monumental - estaria perfeitamente dentro do roteiro.

Ainda mais em quadra da história particularmente infeliz para a relação entre Estado e sociedade, dada a rejeição geral ao mundo da política, do qual Lula era ali o representante mais vistoso.

Mas a lógica do tributo à egolatria como forma de governo obstrui os canais da percepção e como ocorreu na abertura do Pan, pega desprevenidos tanto o vaidoso quanto o bajulador.

Consulte-se a antologia de um especialista em natureza humana e se encontrará a frase de Nelson Rodrigues que, levada em conta com antecedência, livraria Lula da surpresa: 'No Maracanã vaia-se até minuto de silêncio e, se quiser acreditar, vaia-se até mulher nua.'

Pois, então, era de se imaginar, ao menos como possibilidade robusta, que alguma contestação pudesse ser feita naquele cenário a um presidente da República cujo partido, equipe, aliados, familiares protagonizam escândalos em série em governo de eficácia administrativa celebrada apenas na pirotecnia da auto-exaltação e ele próprio se dá ao desfrute de defender malfeitores de malfeitorias reconhecidas - como Severino Cavalcanti, para citar só um exemplo.

Por muitíssimo menos, Lula foi vaiado no velório de Leonel Brizola, no ambiente fechado do Palácio Guanabara, em junho de 2004, quando o único escândalo conhecido ainda era o de Waldomiro Diniz.

'O carioca é o único sujeito capaz de berrar confidências secretíssimas de uma calçada para a outra', dizia também o cronista de almas, contribuindo mais uma vez para a compreensão do episódio muito facilmente compreensível, embora o berro do Maracanã não tenha revelado confidências secretas e sim traduzido o devidamente sabido e dito em toda parte.

Mas, e as pesquisas?

Elas medem a popularidade genérica, refletem o efeito da presença de um personagem único em cena a atuar sem contraditório e com a força do uso do aparelho de Estado em prol do culto à personalidade.

Além do mais, se metade aprova o presidente nas pesquisas, metade não aprova.

Na sexta-feira, no Maracanã, certamente não havia só críticos do presidente, mas, assim como os apoios prevalecem na medição fria dos números, o barulho da vaia se sobrepõe a qualquer outro quando a manifestação ocorre ao sabor do anonimato da multidão, o ambiente de espontaneidade e o controle do oficialismo não exerce poder sobre o desenrolar da solenidade.

Após o ocorrido, as autoridades presentes tiveram o bom senso de economizar declarações para esperar a digestão das avaliações. A exceção foi o ministro dos Esportes, Orlando Silva.

Figura apagada no cenário governamental, o ministro perdeu excelente oportunidade de continuar calado. Deu o palpite de sempre, atribuindo tudo a uma 'orquestração'.

Isso falando de um público de 90 mil pessoas vindas de toda a parte da cidade, do País e das Américas, que pagaram ingressos de R$ 20 a R$ 250, que receberam convites e estavam ali para celebrar o esporte e se divertir.

E, de fato, se divertiram dentro do espírito da festa - sem ofensas, exercendo só o direito à barulhenta contestação. Nenhuma seriedade maior teria o episódio caso Lula não se sentisse ofendido e seus áulicos não errassem feio ao aconselhá-lo a se esconder atrás do biombo da omissão.

No mais, o espetáculo da abertura do Pan foi de competência exemplar. Exuberante, organizado, ao mesmo tempo técnico e despojado, brasileiríssimo, exibindo aquilo que o Brasil sabe fazer de melhor: um carnaval muito do profissional
Dora Kramer

sexta-feira, julho 13, 2007

Emoções baratas

- A cada semana me prometo não falar mais de políticos, não gastar tempo e neurônios com essa alta ralé de Brasília inutilmente. Eles são muitos e cada vez mais poderosos, são invencíveis como o tráfico de drogas.
Mas não consigo, estou drogado em escândalos e bandidagens de políticos, já não vivo sem eles, percorro avidamente os sites e os jornais em busca de minha dose diária de lixo moral e emoções baratas.
Estou dependente desse prazer perverso de ver expostos ao público e humilhados esses cínicos que nos roubam e nos mentem, que desmoralizam a democracia e a Justiça e riem de nossa indignação.
Como não há esperanças de punição pela Justiça, pelo menos temos a execração pública desses figurões vaidosos e poderosos, que têm suas vidas, vícios e vísceras revelados a todos, parentes, amantes, filhos e amigos. Já é alguma coisa, uma espécie de justiça instantânea, uma das poucas que nos restam.
O barato do escândalo nos diverte, inebria e vicia, um depois do outro, em doses cavalares, cada vez mais fortes, fazendo salivar as glândulas da vingança contra os que se apoderaram dos nossos melhores sonhos e esperanças e os transformaram em lixo e lama, que nos ignoram e nos afrontam com seus privilégios e sua impunidade.
Estamos nos viciando nessas vinganças simbólicas, pelo ridículo, pelo deboche das piadas e das charges e pela humilhação pública desses bandidos travestidos de representantes do povo. Já que não se pode apedrejá-los, não deixa de ser um progresso civilizatório rir de suas desgraças.

Paulo Francis não acreditava em reencarnação, mas advertia, "se houver, levarei meu ectoplasma para Brasília para infernizar a vida dessa "canaille"".

O ectoplasma de Francis deve estar às gargalhadas.


NELSON MOTTA

quarta-feira, julho 11, 2007

Plebe ignara

Os pescadores entraram como Pilatos no credo na sessão de ontem do Senado, e o problema do financiamento da pesca no Nordeste serviu de pretexto para que o senador Agripino Maia, líder do DEM, colocasse o partido em obstrução para não deixar que a sessão presidida pelo senador sob investigação Renan Calheiros tivesse resultados práticos na aprovação da ordem do dia. A áspera discussão que Renan tivera momentos antes com o líder do PSDB, Arthur Virgílio, mostra bem o grau de destempero com que o presidente sob suspeita pretende enfrentar seus críticos.

O líder do PSDB havia reclamado do fato de o presidente do Senado ter encaminhado ao Conselho de Ética uma série de contestações aos procedimentos adotados pelo novo presidente, senador Leomar Quintanilha, teoricamente um seu aliado. Virgílio, com razão, estranhou que Renan tenha se utilizado mais uma vez do cargo para contestar o Conselho, num procedimento claramente indevido. E insistiu para que se licenciasse do cargo para se defender, sem misturar a instituição com seus problemas pessoais.

O presidente do Senado, mesmo estando sob investigação, não se faz de rogado e atua em todas as instâncias, alegando que está se defendendo. Ontem, ele disse que somente sairia da presidência com a votação do plenário e, num claro desafio, disse que os que quiserem tirá-lo "terão que sujar as mãos". Renan Calheiros conta que muitos senadores não se postarão como Poncio Pilatos, que lavou as mãos e não interferiu na condenação de Cristo, mas a cada dia ele conta com menos apoio no Congresso.

Seus defensores são tão inexpressivos que ontem ele mesmo não teve paciência para ouvir o discurso do senador Almeida Lima, um dos relatores do novo processo. Na tentativa de defender Renan, e de justificar sua parcialidade, Almeida Lima pôs-se a criticar "a grande mídia" que, segundo ele, está alimentando a sede de vingança "da massa ignara", incapaz de, como ele, ter um comportamento altivo e de juiz, diante das acusações a Renan Calheiros. Longe três anos e meio das eleições, Almeida Lima acha que pode desdenhar da "opinião pública" sem sofrer conseqüências.

Tão coerente quanto sua história política - já foi do PSDB, do PDT e hoje está no PMDB governista -, Almeida Lima é o mesmo que anunciou, em plena crise do mensalão, que faria uma denúncia "bombástica" contra o então ministro José Dirceu, e acabou lendo da tribuna notícias requentadas e desimportantes. Quem definiu bem a situação, na ocasião, foi o senador Antonio Carlos Magalhães quando disse, na tribuna do Senado, que o PT deveria erguer uma estátua para o senador Almeida Lima, que acabara de fazer um papel ridículo na mesma tribuna.

Anunciando, com estardalhaço e antecedência, uma bomba acusatória contra o ministro José Dirceu, o senador sergipano mexeu com os nervos do mercado financeiro e foi o assunto entre políticos e empresários de todo o país naquele dia. Depois, fez jus ao apelido de Rolando Lero, que ganhou pela semelhança de seu linguajar enrolador com o do personagem de Rogério Cardoso na "Escolinha do Professor Raimundo", de Chico Anysio, e teve afinal mais do que os 15 minutos de fama.

A situação de Renan Calheiros é tão difícil que é esse seu principal defensor no Senado. E ele, disposto a montar uma farsa para aparentar que sua presidência não corre o risco de ser esvaziada pela crise, já anunciou que presidirá a sessão do Congresso que tem que analisar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), sem cuja aprovação os parlamentares não terão recesso oficial. Os deputados da oposição prometem obstruir a sessão, da mesma forma que estão agindo no Senado, por não reconhecerem mais em Renan a capacidade de representá-los.

Caminha assim o Congresso para uma crise de governabilidade que pode ter conseqüências desastrosas para a já combalida credibilidade da classe política. Ao contrário do que imagina Renan, sua truculência no comando dos trabalhos, na tentativa de impor sua presença a seus pares, vai reduzindo cada vez mais suas chances de manter o mandato.

Os sinais de incômodo são visíveis, e mesmo os que não se dispõem a enfrentá-lo frente a frente, já parecem prontos a cassá-lo em uma votação secreta, que a cada dia que passa torna-se uma armadilha para Renan, em vez de ser uma possibilidade de absolvição.

A decisão do novo presidente do Conselho de Ética, Leomar Quintanilha, de anular o relatório anterior do senador Epitácio Cafeteira, que era favorável a Renan Calheiros, era a única possível, pois o trio de novos relatores precisa começar mesmo da estaca zero, para que as investigações sejam feitas de maneira mais aprofundada e de acordo com trâmites burocráticos que podem ter sido atropelados no auge da crise.

Não era possível, como queria Renan, que o relatório Cafeteira ainda prevalecesse, mesmo porque ele não tinha levado em conta todos os fatos novos que surgiram. Nada indica que Renan terá uma trégua nesse processo, pois as novas acusações da revista "Veja", sobre uma possível venda superfaturada de uma fábrica de bebidas da família Calheiros para a Schincariol, deverão ser objeto de uma nova representação do PSOL.

O senador sob investigação Renan Calheiros parece querer constranger seus pares e ganhar a absolvição no grito. Cada vez mais se transforma no exemplo do que o Senado não pode aceitar, se quiser manter um mínimo de credibilidade diante da opinião pública, que o senador Almeida Lima chama de "plebe ignara".
Merval Pereira

domingo, julho 08, 2007

Colaborando com a prosperidade

Não sei, mas, na minha opinião, estão querendo nos dizer alguma coisa, ensinar-nos novos comportamentos ou amestrar-nos mais adequadamente, para prosseguirmos no florescer de nossa exuberante vocação de otários, acomodados, explorados, esnobados, individualistas ou excluídos da locupletação geral - que é às vezes o que suspeito que a maioria sente, Deus me perdoe. Refiro-me às operações da Polícia Federal, em que nos mostram gente presa, algemada e encarcerada, para pouco depois vermos todo mundo solto e nada mais acontecer, até porque aprendemos a consumir escândalos. A produção é farta e então ninguém quer assistir ao mesmo episódio muito tempo. Como tudo mais hoje em dia, consome-se o escândalo do momento com cada vez maior velocidade e é necessária uma novidade a cada instante.

Acho que o que querem nos dizer é que não adianta chiar. É o relaxogozismo estendido a toda a vida nacional. O relaxogozismo foi lançado de forma que não condiz com sua importância em nossa maneira de ver as coisas. Devia ter havido uma solenidade. Ouso mesmo afirmar que melhor síntese da sociedade brasileira jamais foi feita desde Tomé de Souza e, se a examinarmos com vagar, veremos que não só se trata de um retrato sem pose do que pensam nossos governantes dos seus governados como de um conselho que, se tomado adequadamente, poderá facilitar a vida de todos. É assim mesmo como está aí, não vai mudar, o Homem tem terror de que alguma coisa mude, não quer saber de aporrinhação nem de trabalho nem de largar o bem-bom.

Quanto à punição de ladrões do dinheiro público e assemelhados, já devíamos ter assumido a postura indicada pelo relaxogozismo, o que nos teria aliviado - e deverá aliviar, se tomarmos tento - porque é claro que não vai haver punição nenhuma para nenhum prevaricador, digamos assim, padrão A, ou mesmo B. Quanto a mudar alguma coisa de verdade, também esqueçamos. Acho que de há muito devíamos estar sentindo isso. Poderíamos ter até erigido alguma ocasião como o marco definidor de onde jazem as preferências do Novo Lula (agora já não tão novo assim, a não ser para os religiosos) - o dia em que ele chamou os usineiros de heróis, para mim muito mais importante que o Dia do Fico.

Como ninguém vai em cana mesmo, a não ser os de sempre, nem acontece nada a quem tem poder e grana, resta, tudo dentro da base filosófica relaxogozista, oferecer algumas achegas ao esquema reinante, sempre no intuito de colaborar para o bem-estar geral e uma convivência bem mais objetiva e prazerosa com a realidade. Leio aqui numa revista americana uma notícia não muito clara sobre juízes federais, acho que na Flórida, terem aceitado trocar as penas de detenção ou reclusão de alguns condenados leves por prisão domiciliar, contanto que o condenado pagasse uma certa quantia ao Estado, como, por exemplo, no caso que vi mencionado, US$ 5 mil por dia. Isso pode parecer dinheiro a nós, pés-rapados, mas há muitas suítes de hotéis que custam bem mais caro e vivem ocupadas.

De início, achei uma bela idéia. Poderá funcionar no Brasil, mas só durante algum tempo, em que não passaremos pelo constrangimento de ver pessoas de posição e status sujeitas à prisão. Depois de um ano ou dois, o Congresso aprova uma verba indenizatória qualquer para cobrir essa despesa e quem acaba pagando somos nós mesmos, como sempre. Não, pensando bem, isso não serve. Ainda não sou um bom relaxogozista, que teria imediatamente chegado a essa conclusão.

Aqui a coisa tem que ser adaptada às nossas condições. E, modestamente, acho que cheguei pelo menos ao esboço dessa adaptação. Ela certamente não é perfeita, mas é aperfeiçoável e creio que, com a pitada de programa social que incorporei, poderá ser mais um adorno na coroa desse governo, que faz tudo pelo social. A idéia é a seguinte: em vez de pagar ao Estado para curtir a pena em casa, o abonado paga a um pobre para ir para a cadeia por ele. Já pensaram no alcance disso? Sentiram o imediato impacto no mercado de trabalho e na renda das classes menos favorecidas?

A carga de trabalho do Judiciário (não me refiro à venda de sentenças e correlatos, isso já está resolvido pelo relaxogozismo - e aliás, por mim, que sou homem de decisão, adotavam logo uma tabela para a venda de sentenças, é o que aconselha o melhor relaxogozismo) seria aliviada, porque ninguém ia gastar uma fortuna com advogados e firulas jurídicas, quando podia resolver o problema com o sustento de um ou dois pais de família. E tenho certeza de que o governo seria rigoroso quanto a isso: carteira assinada, plano de saúde, todos os direitos do trabalhador. Alegue-se que não haveria espaço suficiente nos estabelecimentos penintenciários para tanta gente. Mas não seria tanta assim. Num primeiro momento, eles poderiam amontoar-se a 200 por cela, relaxar e gozar - o que, a bem dizer, requereria considerável versatilidade, mas não se pode querer tudo neste mundo e, além disso, cadeia não é hotel. E, se a crise se tornasse insuportável, soltava-se logo todo mundo, com anistia geral, bolsa-família pelo resto da vida e R$ 400 por obra de arte realizada ou filho parido ou campeonato do Corinthians ou qualquer coisa que desse na cabeça do legislador.

Está assim relembrada a esculhambação que é isto aqui, onde apenas a roubalheira é séria, e demonstrada a relevância do relaxogozismo para a nação. Creio mesmo que 'Relaxe e Goze' poderia ser o lema do governo, um governo otimista, bonachão, aberto, bem-humorado. Claro - por que não? - relaxe e goze. O único problema é que para nós só fica a parte do relaxe.
João Ubaldo Ribeiro

Mercosul: a hora de nos livrarmos de Chávez

Diante do ultimato de Hugo Chávez, que fixou prazo até setembro para aprovação do ingresso da Venezuela no Mercosul, o Senado tem tudo para rejeitar o acordo, corrigindo o erro da diplomacia de Lula, que poderia ter sido evitado caso tivesse olhado adequadamente o exemplo da União Européia. Nesta, a admissão de novos membros não se guia por ações políticas inconseqüentes ou sem observar regras de convergência.

Não faltam razões adicionais para o Senado livrar o Mercosul da presença nociva de Chávez. Afora ter tachado aquela Casa de “papagaio” dos EUA, ele insinuou que os senadores eram submissos. “Se não pudermos entrar porque a direita brasileira tem mais força do que a idéia de integração, nós nos retiramos do Mercosul.”

Além de afrontar a regra democrática do bloco, Chávez tem idéias contrárias às da sua criação. No seu giro pela Rússia e Irã, ele não deixou dúvidas. “Não estamos desesperados para entrar no Mercosul, porque nossa prioridade é construir nosso modelo de desenvolvimento.”

Qual é esse modelo de desenvolvimento? Não é claro o que significa “socialismo do século 21”, mas boa coisa não é. Parece mais uma reedição do velho populismo latino-americano, sob a liderança de um caudilho defensor de idéias desconexas. Tem tudo para resultar em desastre maior do que o do argentino Perón. Como disse com precisão o cientista político mexicano Jorge Castañeda, Chávez é “um Perón com petróleo”.

No Irã, Chávez declarou que seu interesse é por um “novo Mercosul” e não por um bloco marcado pelo “capitalismo e a concorrência feroz”. Se esse “Mercosul” não for viável, prometeu dedicar-se inteiramente à “Alternativa Bolivariana para os Povos da América (Alba)”. Do contrário, seria “perder tempo com reuniões e cúpulas que no final não chegam a nada”. Mais um motivo para recusar o acordo.

As idéias de Chávez são incompatíveis com as do Mercosul. A base institucional do bloco, o Tratado de Assunção, não prevê a adoção do socialismo. Embora não explicite, a opção foi pelo sistema capitalista (ou pela economia de mercado, que significa o mesmo), apesar das deformações derivadas do excessivo intervencionismo estatal, de sistemas tributários caóticos e de outras mazelas latino-americanas.

No sistema capitalista, a concorrência tem de ser mesmo feroz. Ela é parte essencial dos incentivos que impulsionam a inovação e a busca de eficiência, contribuindo para gerar ganhos de produtividade e daí para o crescimento e o bem-estar. A partir das leis antitruste americanas do fim do século 19, que coibiram o domínio dos mercados pelos barões da indústria, marcos regulatórios e leis de defesa da concorrência surgiram em toda parte para combater os efeitos negativos de monopólios, oligopólios e conluio entre empresas.

O desafio dos líderes do Mercosul não é promover uma guinada rumo ao socialismo autoritário de Chávez, mas consolidar com reformas o modelo de desenvolvimento fundado na economia orientada pelo mercado, que é essencial para ampliar a integração. Se Chávez professa um ideário distinto, não há como admitir a Venezuela no bloco. Nada indica que a recusa do Senado acarretasse um desastre para as exportações brasileiras.

Está provado, mais uma vez, que Lula continua com muita sorte. Chávez forneceu ao Senado os motivos para reparar o equívoco do apoio precipitado do Brasil e da Argentina ao ingresso da Venezuela no Mercosul, que pode tornar o bloco mais irrelevante. O ministro das Relações Exteriores, um dos arquitetos do acordo, ainda tentou trazer o fanfarrão para dentro dos conformes, mas não conseguiu. Sua esperança de que Chávez fornecesse uma “palavra simpática” ao Congresso brasileiro foi respondida com grosserias.

O Senado não precisa esperar que se esgote o prazo estabelecido por Chávez, ao fim do qual prometeu retirar-se “por dignidade”, já que considerou a demora uma falta de respeito. “Os Congressos do Brasil e do Paraguai não têm razão política nem moral para não aprovar nossa entrada.”

Livre da presença deletéria, o Mercosul poderá alcançar um acordo com a União Européia e, quem sabe, com os EUA, se os assessores de política externa de Lula abandonarem seu antiamericanismo. Chávez vetaria ambos. O mais provável, contudo, é que o governo lute em favor da aprovação do acordo, o que será uma pena
Mailson da Nóbrega

Horizonte perdido

Se existe um partido que não pode reclamar, muito menos estranhar, a boa sorte do presidente Luiz Inácio da Silva - confirmada nas duas pesquisas de opinião divulgadas na semana passada, registrando popularidade intocada -, este partido é justamente aquele com veleidades a capitalizar o apoio dos outros 50% que não se encantam com o desempenho pessoal do presidente nem consideram seu governo ótimo e bom.

Falar sobre a dubiedade, a fragilidade, a ausência de identidade e a inércia do PSDB equivale a chover no molhado. Notícia antiga, constatação superada de uma realidade consolidada.

Digno de registro para análise a respeito do cenário ou mero raciocínio que venha a nos ajudar a entender o quadro eleitoral quando esse futuro próximo se apresentar, é o fato de o maior - e auto-proclamado melhor - partido de oposição do País não perceber o quanto se desgasta em praça pública atraindo a desconfiança e alimentando a desesperança de seu eleitorado real e potencial.

Dias atrás, um grupo de 70 simpatizantes típicos do PSDB, paulistas de classe média alta, fortemente críticos do governo federal e fartamente informados sobre o mundo da política, trocava idéias num centro de estudos e debates, em São Paulo, quando alguém abordou o assunto desempenho da oposição como um todo e comportamento do tucanato em particular.

Estabeleceu-se sem contestação a unanimidade sobre a incapacidade do PSDB de se firmar como um contraponto à aliança entre PT e PMDB. Aquele grupo, talvez majoritariamente eleitor de José Serra na eleição para o governo do Estado, não enxergava no PSDB uma alternativa, um partido diferenciado da desqualificação genericamente atribuída à classe política ou uma possibilidade para adesão entusiasmada na próxima eleição presidencial.

Aos fatos que sustentam tal avaliação: recuo na crise do mensalão por causa da descoberta de que o senador Eduardo Azeredo (naquela época presidente nacional do PSDB) tivera acesso ao caixa 2 de Marcos Valério de Souza; participação fundamental na eleição do PT para a presidência da Câmara em função de acertos conduzidos pelos governadores José Serra e Aécio Neves; titubeio prolongado no caso Renan Calheiros, por conta das relações de amizade da bancada tucana com o presidente do Senado e da aliança política de Calheiros com o governador de Alagoas, Teotônio Vilela Filho, também ex-presidente do PSDB.

Juntem-se esses três episódios e teremos um denominador comum entre eles: a submissão do partido à defesa de interesses localizados que não rendem um só benefício e produzem todo o malefício resultante do abandono de uma política de atuação partidária referida em idéias, princípios, projetos, valores, pensamentos, ações conjuntas bem definidas e, de preferência, um projeto com começo, meio e fim.

Caso não surja nenhuma novidade no cenário da sucessão de Lula nem prosperem idéias sobre um terceiro mandato, o quadro caminha para se ter em 2010 a disputa entre um partido (PT) sem candidato e dois candidatos (Serra e Aécio) sem partido, brigando entre si.
Dora Kramer

quinta-feira, julho 05, 2007

Nosso dinheiro não é capim!!!!

É evidente que uma avestruz, que pesa de 90 a 150 kg, além de comer de tudo, aboca mais, muito mais, do que uma galinha, com seu 1,3 kg. O governo-avestruz do PT é o campeão absoluto da América Latina em número de ministérios: temos, já contando o novo Ministério da Bola de Cristal confiado ao ininteligível (nas idéias e no sotaque) professor Mangabeira, 37 pastas de primeiro escalão; a ilha do decrépito tirano Fidel ocupa a vice-liderança, com 28; e a Venezuela, do burlesco neoditador Chávez, aparece colada e cheia de inveja, em terceiro, com 27. É a combinação nefanda entre o patrimonialismo, que vê novos ministérios como solução - quando é problema - e a fragilidade institucional que leva, em nosso regime presidencialista sem partidos programáticos, os presidentes, no afã de obterem apoio político, a criarem pastas e mais pastas, para rateá-las entre companheiros e aliados.


O furor ministerial gera pencas de cargos de confiança que, no nível federal, abrangem desde o DAS 1, equivalente, hoje, a um salário de R$ 1.977, até os disputados DAS 5 e 6, que rendem, respectivamente, R$ 8.400 e R$ 10.488 por mês. Lula, que, quando candidato, jurou moralizar a administração pública, acaba de criar mais 626 cargos de confiança, para "atender à demanda gerada pela criação de mais ministérios para contemplar novos segmentos da sociedade" (é dose para avestruz). Na verdade, isto significa apenas aquinhoar os filiados ao PT e, em menor escala, os aliados de outros partidos que vendem apoio, pois os cargos comissionados são de livre provimento, sendo preenchidos por indicações políticas, sem qualquer vínculo com o serviço público e sem concurso. Aos amigos - tanto os fiéis como os de ocasião - tudo...


Em 1999, início do segundo mandato tucano, o total de cargos comissionados (DAS) já era extremamente elevado: 16.306; em 2003, começo do petelhato, havia 18.374 desses cargos e, atualmente, há 22.228. Eis para onde é destinada uma parte do nosso dinheiro, tomado à força pelo leão da Receita, certamente o animal mais eficiente, em sua insaciável voracidade, do zoológico estatal! E olhem que é uma bela parte: do início do período petista até hoje, os gastos anuais com esses cargos experimentaram um crescimento nominal de cerca de 116,3% e um aumento real (descontada a inflação) de 63%, saltando de R$ 4,3 bilhões para R$ 9,3 bilhões, valor que supera o carro-chefe da demagógica caravana dos barbudos, o Programa Bolsa Família, que suga R$ 8,7 bilhões anuais dos impostos que suamos para pagar. Se adicionarmos às sinecuras federais as estaduais e aquelas dos mais de 5.560 municípios, entenderemos a escassez de recursos nas áreas fundamentais da segurança, educação, saúde, justiça e infra-estrutura.



Se somarmos, ainda, as tais "agências reguladoras", que foram transformadas em cabides políticos pelo atual governo federal, bem como as estatais, ou infladas ou ressuscitadas pelo petismo, saberemos claramente por que a economia só cresce de forma sustentada na visão bufa e cínica do ministro da Fazenda, que, sem usar uma gota sequer de teoria econômica, enxergou nas multidões que padecem nos aeroportos um sinal de que a ordem e o progresso são incontestáveis.


Trabalhamos até o dia 26 de maio de cada ano para pagar tributos. Mas, se adicionarmos o que temos de gastar - em duplicidade - com educação, previdência e planos de saúde privados (porque, com justa razão, não confiamos nos serviços públicos), concluiremos com espanto, após ligeiros cálculos, que trabalhamos até meados de agosto para termos acesso digno a direitos nossos, pois nos são cobrados compulsoriamente. O governo, tão eficiente quando se trata de arrecadar, é de uma ineficiência aterradora na hora de gastar. Até quando vamos nos conformar em pagar essa conta? Nosso dinheiro suado não é capim para servir de refeição à avestruz estatal!
Ubiratan Iorio, economista