domingo, julho 30, 2006

Para onde vai a esquerda?

Há duas semanas, no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, um deputado do PT da Bahia abordou, aos brados, o presidente do PPS, deputado Roberto Freire (PE), com uma provocação que causou frisson: "Como é que você deixa o campo da esquerda para fazer aliança com a direita?" O parlamentar pernambucano não deixou por menos: "Faço aliança com quem quero, menos com ladrão." Risos e aplausos dos ouvintes. O bate-boca não mereceria registro, não fosse pelo fato de que revela a cegueira que turva a visão de parcela do corpo parlamentar do País. O Muro de Berlim caiu, as duas Alemanhas se unificaram e conceitos de esquerda e direita perderam o sentido clássico. Sobranceiros representantes do povo brasileiro, porém, continuam a enxergar na careca de Lenin o farol da consciência. E, pior, não se dão conta de que é extemporâneo falar em esquerda quando ondas tsunâmicas de corrupção devastam sua praia, afogando mensaleiros e sanguessugas, nivelando partidos e corroendo os últimos vestígios da imagem parlamentar.

Do diálogo ríspido entre os dois parlamentares, indagações e ilações podem ser extraídas, entre elas a questão central suscitada na interpelação: onde está e para onde vai a esquerda no Brasil? Para começar, ela freqüenta mais a boca e menos a consciência de nossos políticos. É um verbete que funciona como graxa para limpar perfis corroídos. Tem perdido charme. Não incorpora mais o escopo do socialismo marxista, inspirado na brilhante análise do velho Karl Marx sobre a formação do capitalismo e a previsão de sua catastrófica evolução. Por quase três décadas o PT se escorou nela para chegar ao poder. Driblando situações e esbarrando em contradições, a esquerda tupiniquim amalgamou-se, substituindo o socialismo revolucionário, com seu corolário maniqueísta do bem contra o mal, para ingressar no terreno fofo de uma "socialização humanizada". Para não perder por completo o trejeito, continuou a usar cacoetes como "burguesia decadente" e "elites dominantes".

A "violência como parteira da História", dogma apregoado por Engels e que se firmou na segunda metade do século 19, até que tentou fazer escola entre nós, nos idos de 1960, mas foi repelida pela ditadura militar. A redemocratização do País abriu espaço para vastas áreas no canto esquerdo do arco ideológico. Formava-se nova argamassa para acomodar as estacas do alquebrado socialismo revolucionário e os tijolos do liberalismo político e econômico. Nem Estado mínimo nem Estado máximo, mas um ente de tamanho adequado. A essa composição se agregaram expressões como "capitalismo de face humana" e "socialismo de feição liberal", tentativa de convergir eficiência econômica com bem-estar social. O nome de tudo isso? Social-democracia. A formosa dama chegou ao Brasil em fins dos anos 1980, com interpretação do PSDB, cujos ideólogos escreveram um texto, Os desafios do Brasil, sobre as crises da contemporaneidade, a textura da democracia social na Europa, as estratégias de crescimento e as políticas para o nosso desenvolvimento. Por tentativa e erro, nosso arremedo social-democrata entrou no terceiro milênio, ganhou o centro do poder e foi acusado de se curvar ao Consenso de Washington. De onde partia a crítica? Do PT e pequenos satélites. Deu certo. De tanto bater, as "esquerdas" alcançaram a alforria. Adentraram o Palácio do Planalto. Mas as linhas gerais da tal política neoliberal foram preservadas.

Aí veio o mensalão. Soçobram as últimas pilastras leninistas-marxistas do PT. Sujam-se bandeiras de todos os partidos. Agora, da lama saem os sanguessugas. Que matiz de esquerda se distingue nesse lamaçal? Apenas traços quase indistintos de uma ou outra sigla nanica de entonação trotskista. O velho PC do B, do neocristão Aldo Rebelo, não pode mais se classificar como ícone esquerdista. O que se distingue é um espaço central onde as siglas vegetam. Todas elas pregam posições social-democratas como liberdade política, controle social do mercado e organização da sociedade civil. Nada disso, porém, resiste às injunções do patrimonialismo, praga que consome a lavoura partidária. Por isso, ante a pergunta sobre os rumos da esquerda, só há uma resposta: ela caminha para o centrão das conveniências. Até porque o Brasil repele as margens radicais. O perfil do País - extensão territorial, sistemas econômico e tecnológico, infra-estrutura, integração geoeconômica, cultura e organização social - se encaixa numa moldura social-democrata de tom progressista. Coisas como neocomunista ou neofascista se tornam extravagâncias.

Movimentos que procuram radicalizar, como o MST, têm espaço para se expandir, mas encontrarão resistências caso ultrapassem limites e ameacem a estabilidade. Comparar o Brasil com a América andina é confundir alhos com bugalhos. Hugo Chávez tem tanta semelhança conosco como o alfajor argentino com a nossa cocada. Há ainda duas curvas para se chegar ao cantinho das esquerdas: a estrutura partidária e a organização social. Das 29 siglas registradas no TSE, sobrarão não mais que 8, depois de aplicada a cláusula de barreira. PPS, PSB ou PDT - caso consigam registro - são siglas com acento social-democrata e, é compreensível, se consideram de esquerda. O PT até poderá continuar a desfraldar a bandeira esquerdista. Mas começa a esconder a cor vermelha. Cairá no descrédito. Após o mensalão, o partido perdeu força moral para se caracterizar como tal. E Heloísa Helena? Esta, sim, tem forte identidade. Parece autêntica. Porém é mais símbolo de indignação do que compromisso com ideologia.

Ao deputado baiano que questionou o colega do PPS resta a esperança de que, um dia, sairá do coma como a mãe do personagem Alex, que não viu a queda do Muro de Berlim, no engraçado filme Adeus, Lenin. E, se persistir com as furiosas interpelações, poderá ser condenado a ouvir um pito semelhante ao que Churchill passou num sujeito chato que se engasgou ao aparteá-lo: "V. Exa. não devia deixar crescer uma indignação maior que a que pode suportar."

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político

sexta-feira, julho 28, 2006

Nação em Frangalhos

A minha geração viveu graves turbulências políticas. Nunca a envergonhar o Brasil, como hoje. Dividimo-nos, mas não fomos cafajestes. O tenentismo combateu uma sociedade política injusta, o voto de cabresto, a apuração a ponta de lápis. Éramos um país sem cultura política, dominado pelos "coronéis", grão-senhores dos currais eleitorais numa depravação da democracia representativa. Artur Bernardes governou quatro anos apoiado no estado de sítio. Teve problemas com os jovens militares. Obrigou a domicílio forçado em Clevelândia do Norte, no Oiapoque, região dominada pela malária mortal, seus adversários civis mais respeitáveis, a começar por J. J. Seabra. Em 1924, iniciou-se a epopéia da grande marcha da coluna Miguel Costa-Luís Carlos Prestes. Terminou com o exílio na Bolívia, mas dela nascia a semente da libertação do opróbrio. Esgotada a submissão ao poder corrompido e corruptor, eclodiu a Revolução de 1930. Ainda muito longe do pregado na Aliança Liberal, terminou a imoralidade do voto de cabresto dando lugar ao voto secreto e à moralização da administração. Infelizmente, conhecemos a ditadura, que medrara irresistível na América hispânica, com seus ditadores generais fardados se revezando no poder com golpes de Estado sucessivos.

Tivemos, então, a gloriosa Revolução de 1932, sustentada só por São Paulo, abandonado com desonra pelos que lhe tinham assegurado o apoio. Sua derrota, porém, impôs a volta à democracia, ainda que efêmera, com a Constituição de 1934. Passamos a viver a influência desastrosa da ideologia. Em 1935, os comunistas, sob o comando de Prestes e obedientes às ordens do Komintern, tentaram fazer-nos satélites de Moscou. O autogolpe de 1937, de Getúlio Vargas, foi dado sob o pretexto de impedir o crescimento do comunismo. Enviamos uma divisão de Infantaria para ajudar a vencer pelas armas os ditadores mais cruéis que a Europa contemporânea conhecera. A conseqüência natural foi também derrubar do poder o ditador Getúlio Vargas, em 1945, e promulgar a Constituição de 1946. Tivemos o suicídio de um presidente, produto do ódio político, mas em toda a República não prosperou a corrupção como política de governo.

No mundo pós-2ª Guerra Mundial, o comunismo se expandira. Dominara a China, comandara a descolonização de parte da Ásia e de quase toda a África e chegara ao Caribe, em Cuba, usando a tática ensinada na guerra revolucionária. Sem apoio do povo, a luta armada comunista foi vencida no Brasil. Ressentidos, vencidos dizem que foram derrotados pela tortura, que aqui não era política de Estado, mas era das ditaduras comunistas que eles defendiam. A paixão ideológica ceifara vidas de ambos os lados. Pela primeira vez a farda, em 1964, se apoderou do poder político, num regime autoritário, mas não totalitário. Os cinco generais que nos presidiram foram incorruptíveis e modernizaram o País.

Escrevemos uma Constituição que em certas normas é das mais avançadas do mundo. Claudicamos ao acolher medidas provisórias num regime presidencialista. E a esquerda, de vários matizes, chegou ao governo, apoiada nas urnas pelos políticos que, antes, se associaram aos militares que a combateram. A despeito de inegáveis atos de retaliação, permanecem fiéis ao poder civil, preferindo confiar no julgamento da História, quando ela, livre das paixões deformadoras do caráter das pessoas, julgar em definitivo o período sombrio da contra-insurreição, o saldo trágico dos cadáveres dos revolucionários e dos que, ao iniciar a carreira castrense, no seu juramento se comprometeram a defender as instituições e a Pátria com o sacrifício da própria vida.

Mas que temos como resultado, após duas décadas do poder civil, síntese de todos os poderes? Um Executivo que, minoritário na Câmara dos Deputados (91do PT ante 422 das outras legendas), se tornou maioria corrompendo os vendilhões de votos, os mensaleiros. Um Executivo, que, usando as medidas provisórias, legisla mais que o Congresso. Um Executivo que trocou a preocupação social da administração por um modelo assistencialista que, em parte, estimula o desemprego e era chamado de esmola quando oposicionista quem hoje é presidente da República. Um Executivo, que se gaba de ter sido o melhor desde Tomé de Souza, em cuja gestão o PIB só cresceu um pouco mais que o do Haiti, em 2005. Um Executivo que se protege da corrupção dizendo que nada sabe e nada vê e se esquece de todas as promessas de campanha.

De outro lado, um Parlamento que, em boa parte, se vendeu a Delúbio Soares e Marcos Valério e, como se fosse pouco, no qual 105 dos parlamentares, agora, se igualam aos ladrões despudorados, recebendo, em dinheiro vivo, para fugir de provas, ou em conta corrente própria ou de assessores, a miserável propina derivada de emendas ao orçamento para compras superfaturadas de ambulâncias. Os Marcolas e Fernandinhos Beira-Mar, execráveis figuras do narcotráfico, são menos repugnantes que os que furtam o dinheiro público e entregam aos prefeitos (iguais a eles) ambulâncias desprovidas, muitas vezes, de acessórios indispensáveis para salvar a vida de pobres enfermos. O retrato moral do Parlamento (principalmente da Câmara, depois da desautorização do Conselho de Ética) é objeto do conceito que lhe faz o presidente da CPI dos chamados popularmente sanguessugas: "O Parlamento aceita com naturalidade os desvios de conduta de seus pares." Pior: "Os fatos colocam sob suspeita não só 10%, mas a integridade do Congresso." Nunca chegamos a um nível tão baixo e repugnante do Poder Legislativo, no qual há exceções que nos merecem admiração e não merecem tão asquerosas companhias.

Sob um bom governo, a corrupção é inevitável, mas sob um mau governo é imperdoável a conivência.
Jarbas Passarinho

quinta-feira, julho 27, 2006

De novo

EM REUNIÃO com políticos e intelectuais realizada na semana passada em Pernambuco, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou à cantilena entoada no auge da crise do mensalão. "Não pensem que o erro de cada um é individual ou partidário. O que acontece são os acúmulos de deformações que vêm da estrutura política do nosso país", pontificou o presidente.
Trata-se de uma variante da célebre afirmação segundo a qual o PT teria feito, do ponto de vista eleitoral, "o que é feito sistematicamente no país". A essa altura, o mínimo a esperar do candidato à reeleição seriam propostas objetivas para coibir a corrupção. Em vez disso, tem-se de novo a mesma e genérica insistência numa reforma política, vendida como emplastro capaz de curar todos os males.
É um equívoco supor que os escândalos de corrupção ocorridos nesta legislatura teriam sido evitados caso houvesse fidelidade partidária ou financiamento público de campanha. Como atestam os episódios do mensalão e dos sanguessugas, o loteamento político e indiscriminado das estatais e a permeabilidade de legisladores aos interesses de empresas privadas são as mais flagrantes "deformações" da estrutura política vigente. Mas não é a elas que se refere o presidente.
Em vez de acenar com a drástica redução dos cargos de livre provimento e criar condições para a profissionalização administrativa e controle público das estatais, a principal medida para o setor foi reforçar a barganha política: os Correios, por exemplo, foram entregues ao PMDB como forma de acomodar conveniências de aliança partidária.
É sintomático que o equívoco tenha sido cometido na mesma empresa onde se originaram as denúncias do mensalão. A corrupção não apenas nada ensinou ao governo como ainda encontra terreno fértil para prosperar.
Editorial da Folha

segunda-feira, julho 24, 2006

1.300 dias de indignação

--------------------------------------------------------------------------------
Os 1.300 dias de corrupção, roubo, ineficiência e mentira não vão para debaixo do tapete. Serão decisivos para derrotar Lula
--------------------------------------------------------------------------------
O REGISTRO dos 1.300 dias de corrupção e incompetência do governo Lula, que passam hoje, 24 de julho de 2006, permite várias atitudes.
Há a alternativa do proselitismo eleitoral, aproveitando a lembrança de que, em 68 dias, nas eleições de 1º de outubro, poderemos estancar a corrupção que nos agride. Se confiarmos que não haverá reeleição, como prevêem os analistas, podemos iniciar a contagem regressiva dos 159 dias que faltam para a posse do novo presidente da República.
São manifestações de otimismo razoáveis, mas prefiro não baixar a guarda e manter a coerência do bom combate a que nos dedicamos com seriedade e firmeza.
Quando Lula foi legitimamente eleito presidente da República em 2002, o povo brasileiro mandou-nos para a oposição. Aos vencedores, o poder; aos perdedores, a vigilância.
O jogo democrático não permite escamoteações, embora a tentação de fraudá-lo não poupe nem os que chegam ao poder. Foi o que aconteceu com o próprio Lula e o PT, que, achando pouco suas prerrogativas constitucionais, partiram para cooptar covarde e desonestamente parlamentares da oposição ao preço do abominável mensalão.
Assim formaram a sua "base governista", interminável e insaciável como toda chantagem.
Embora tenhamos assumido a oposição no dia seguinte às eleições, ainda em outubro de 2002, seguindo passo-a-passo esses 1.300 dias do governo Lula, ficamos estupefatos ao alinhar fatos e números que expressam uma das mais vis traições já sofridas por um povo.
Juraram que fariam mudanças e reformas e induziram os eleitores a imaginar que o país mudaria, adotando novos padrões, pois tudo estava errado e injusto. Mal atingiram o poder, porém, fizeram o contrário. A começar pelo próprio Lula. Nunca um presidente da República e sua família gastaram tanto com mordomias e confortos pessoais, abusos de que se tornou ícone o Aerolula, extravagância de novo rico. Sem falar na ética, a mais desfraldada bandeira de Lula em 2002, desprezada no dia seguinte à posse, quando se instalou no Palácio do Planalto a máquina de corrupção, suborno, intermediação a grosso e a varejo.
Inicialmente velada, tornou-se pública quando, em fevereiro de 2004, descobriu-se a biografia e as ações do sub-chefe da Casa Civil, esse patético e até hoje impune Waldomiro Diniz, fio da meada para a grande revelação de que o governo se sustentava politicamente pela distribuição de dinheiro público, desviado em operações financeiras escabrosas para alimentar os subornos do mensalão.
Tudo envolvido por uma camada de propaganda -são quase R$ 3 milhões por dia de anúncios para desviar a indignação do povo e distraí-lo com programas sociais, como o Bolsa-Família, marca de fantasia da Bolsa Escola e Vale Gás do governo anterior, apenas recauchutados e cinicamente exibidos como "obra do Lula".
Quanta audácia! Mesmo assim, os 1.300 dias de corrupção, roubo, ineficiência e mentira não vão para debaixo do tapete. Serão decisivos para derrotar Lula.
JORGE BORNHAUSEN

quinta-feira, julho 20, 2006

O dom de reincidir

Na sua antiga formação, quando ainda admitia a presença de ministros não-petistas e líderes do Congresso, o gabinete de gerenciamento de crise da Presidência da República reuniu-se, lá pelos idos de março, no Palácio do Planalto, no auge das dificuldades que envolveram o ex-ministro Antonio Palocci na onda de escândalos do governo, para analisar especificamente este caso.

Lá estavam os ministros Dilma Rousseff, Márcio Thomaz Bastos, Ciro Gomes, Antonio Palocci, os deputados Arlindo Chinaglia, Henrique Fontana e Luiz Eduardo Greenhalg, a senadora Ideli Salvati, entre outros que entravam e saíam da sala. O então ministro da Fazenda foi chamado a expor seus argumentos. Reafirmou que verdadeiramente nunca tinha visitado a casa de lobby e encontros mantida por um grupo de ex-assessores seus de Ribeirão Preto, no Lago Sul, em Brasília, que não tinha relações de amizade com aquelas pessoas, que não sabia do que estava sendo acusado, que nada temia, e outras reafirmações de inocência.

A determinada altura, Ciro Gomes, que era ministro da Integração Nacional, membro do gabinete de crise e um dos principais conselheiros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante o longo período de instabilidade política que paralisou o governo, convocou os participantes a uma reflexão, na presença de Palocci: "Senhores, o principal ministro do governo está aqui dizendo que nunca foi a esta casa de Ribeirão Preto e continuamos discutindo o assunto. Há alguma desconfiança?"
Um dos que responderam ao convite à reflexão em voz alta foi o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), que àquela época também atuava muito como conselheiro do PT e do governo nos assuntos ligados à crise: "Não é desconfiança, mas insegurança", definiu.

A partir daí, o deputado passou a citar os fatos que contribuíam para a formação do clima de insegurança em tudo o que dizia respeito às defesas de integrantes do partido e do governo denunciados por irregularidades. O ex-presidente do PT, José Genoino, havia dito que não assinara contrato de empréstimo bancário, e depois apareceu sua assinatura em comprovantes de empréstimos; o ex-dirigente Sílvio Pereira garantira que não recebeu presente de empresas, e em seguida surgiram as informações sobre o Land Rover com que fora agraciado pela GDK; o deputado Luizinho disse que não tinha assessor seu envolvido nas irregularidades, e mais tarde o assessor identificado era mesmo de Luizinho; o deputado João Paulo Cunha assegurara que sua mulher tinha ido ao banco Rural, conforme descoberto à época, pagar fatura de televisão a cabo, e depois foram comprovados saques que o parlamentar explicou como sendo transferências do partido para pagar pesquisas eleitorais. Depois de relacionar numerosos exemplos, Greenhalg concluiu:

"Nossas versões acabam sendo derrubadas pelos fatos".

Palocci, evidentemente, não gostou, reagiu, e os participantes da reunião decidiram confiar mais uma vez no ministro e sair dali fazendo sua defesa. Aproximadamente 48 horas depois, apareceu o caseiro Francenildo para testemunhar ter visto o ministro na chamada Casa de Ribeirão, e em 72 horas estava novamente o gabinete de crise da Presidência tratando do caso Palocci, se o ministro poderia ficar, como fazia questão, ou se deveria sair...

Esta história estava sendo lembrada, ontem, em círculos próximos ao presidente, a propósito da persistência do método PT, do abraço de afogados que o partido está querendo dar em Lula, e de como o presidente, para preservar sua candidatura à reeleição, tem procurado se distanciar física e moralmente e seguir sua intuição, fazendo uma campanha da forma mais independente que lhe for possível.

O PT, dizia-se nesta análise, continua negando a crise, a sua participação preponderante nela, não reconhece erros e crimes, e portanto não há perspectiva de se corrigir, numa indicação de que vai reincidir de maneira contumaz e continuar a agir como sempre agiu, obstinando-se no erro. E quer levar o presidente a fazer o mesmo, contribuindo para que perdure o clima de insegurança na campanha.

A designação de um tesoureiro de campanha já implicado em processo, por exemplo, é uma demonstração de que o partido está indiferente às lições desses dois anos de crise. O apoio aos integrantes do MLST presos por invasão e depredação do Congresso, ajudando-os a se libertarem, é outro feito temerário de cuja gravidade o partido, e seus agentes nos setores de reforma agrária do governo, não têm a menor consciência.

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, e o ministro da Secretaria Geral da Presidência, Luiz Dulci, continuam a sustentar a consolidação do chamado "neopeleguismo", o fortalecimento de organizações, sindicatos e movimentos que se disponham a apoiar o governo e fazer a campanha da reeleição, sem qualquer preocupação com o que este estímulo à criação de um canal paralelo da política poderá representar para o país em futuro próximo

Não há propostas de políticas ou de estratégias sobre como conquistar o voto de opinião, perdido pelo PT e pelo governo no rastro da crise ética. Crise esta que, até o momento, não se sabe como será enfrentada pelo candidato Lula nos debates, entrevistas e palanques. Não há, também, orientação sobre como explicar a redução dos investimentos na área social, especialmente em saúde, educação e segurança, mesmo que em benefício dos programas de renda mínima.

A assessoria política da campanha, ao contrário do que dela se esperava, formula, sim, e passa ao presidente-candidato, algumas orientações de conduta eleitoral, mas elas são um primor de covardia, de negação, de sofisma. Tais como as de não dar entrevistas, não comparecer a debates, não ir a estados onde aliados disputam entre si, não ir ao comitê eleitoral. O PT quer colocar Lula numa bolha, talvez onde o próprio partido, desprotegido, gostaria de estar nessas eleições.
Rosângela Bittar - Valor Econômico

Samuel e o átomo

NA CAMPANHA eleitoral de 2002, Lula elogiou o "planejamento de longo prazo" da ditadura militar. Agora, Samuel Pinheiro Guimarães, o secretário-geral do Itamaraty, divulga um programa de política externa que eleva o general Geisel ao panteão dos heróis da pátria, atualiza a noção de Brasil-Potência e ressuscita o projeto de desenvolvimento nacional de armas nucleares.
A leitura de "Desafios do Brasil na Era dos Gigantes" (Contraponto, 2006), de autoria do secretário-geral, é uma viagem no tempo rumo à geopolítica militar dos anos 70. A nação deveria se engajar na eliminação da "vulnerabilidade militar" que "decorre da adesão do Brasil, em situação de inferioridade, a acordos de não-proliferação de armas de destruição em massa".
O TNP (Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares) nasceu em 1968 sob um paradigma assimétrico. As potências nucleares prometiam eliminar seus arsenais num futuro incerto, enquanto os demais signatários descartavam o desenvolvimento de tecnologia nuclear com fins bélicos. O Brasil recusou-se a aderir e, por algum tempo, acalentou um programa nuclear clandestino. Nos anos 90, consolidando a aliança estratégica com a Argentina, que se baseia na desistência mútua da bomba atômica, o Brasil assinou o tratado. O secretário-geral caracteriza esse ato como renúncia "ao direito inalienável de defesa".
Samuel Pinheiro interpreta o TNP como elemento de um esforço dos EUA "de desarmamento dos países já desarmados" e rejubila-se com "o reconhecimento da Índia e do Paquistão como potências nucleares de fato", pois isso representaria "uma exceção ao processo de concentração do poder militar". Ele só enxerga desvantagens na decisão do Brasil e da Argentina de não se tornarem a Índia e o Paquistão da América do Sul e prega "a reserva ou a ausência do Brasil de qualquer negociação" de normas sobre armas de destruição em massa. No fim do livro, o autor propõe "construir uma capacidade militar dissuasiva sem armas de destruição em massa". A frase, contraditória com toda a argumentação precedente, é um álibi político elaborado ao preço da abdicação da honestidade intelectual.
Em política externa, palavras são atos. As palavras do secretário-geral, escritas na conjuntura da "guerra ao terror" e do impasse no Irã, ricochetearão sobre o programa nuclear civil brasileiro e a relação bilateral com a Argentina. Como cidadão e diplomata, Samuel Pinheiro tem o direito de difundir suas opiniões. Como número 2 do Itamaraty, não tem o direito de abrir fogo contra decisões de Estado. Um governo sério o aliviaria do peso de seu cargo. Mas isso não acontecerá.
--------------------------------------------------------------------------------
DEMÉTRIO MAGNOLI

quarta-feira, julho 12, 2006

Mamata impune e sem responsável

A solenidade em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva entregou ao PMDB o comando dos Correios é o exemplo definitivo de como a gestão petista radicalizou todas as distorções que têm desmoralizado a República e depauperado o Estado brasileiro. O primeiro aspecto relevante a ser destacado é o uso do ancestral sistema das capitanias hereditárias, pelo qual os colonizadores portugueses conseguiram, na base do mínimo esforço, extrair de forma predatória os recursos naturais de Pindorama; espoliar as populações nativas e os degredados d’África; e dilapidar as riquezas produzidas além-mar, em solo americano. Em benefício de Lula se pode dizer que o loteamento das “boquinhas” na máquina pública federal não foi inventado pelo PT e é, sim, uma herança que vem de longe, muito longe, no tempo. Mas talvez não seja excessivo lembrar que o presidente e seu partido convenceram a Nação a mudar a direção de seu destino para abolir vícios malsãos como este - na base de “jamais verás governo assim” ou “não há, ó gente, ó não, patota como esta do nosso partidão”.

Agora, com a ajuda do medo que os adversários do PSDB e do PFL têm da natureza combustível do próprio rabo-de-palha, o PT e o chefe do governo pretendem fazer o mesmo eleitorado perceber as evidências de que eles são seus semelhantes em tudo, inclusive no cinismo com que praticam e justificam suas “maracutaias” (apud Lula). O conivente silêncio com que a oposição permitiu ser assada a pizza do mensalão nos fornos da Câmara, contudo, não poderá calar a evidência do desastre da coalizão formada por derrotados do PT nas últimas eleições e aliados de ocasião, que afundou o País num mar de desmandos de corrupção e erros terríveis de administração.

A hora de lembrar é esta, às vésperas da reeleição já apregoada aos quatro ventos. Principalmente pelo fato de o escancaramento da opção do PMDB - sob o comando do líder no Senado, Ney Suassuna (PB), um dos suspeitos do último escândalo, o da máfia das ambulâncias - ter dado ao presidente a oportunidade de explicitar à Nação sua mais recente estratégia para escapar de qualquer acusação que o possa envolver na sujeira revolvida no sórdido episódio do “valerioduto”. Após se ter dito “traído” por companheiros do governo e do partido, sem delatar nenhum deles; distribuído, de forma socialista, a culpa pelo crime fiscal do “caixa 2” em campanha a todos os partidos; ungido os eventuais culpados pela bênção do próprio perdão e acusado os adversários de havê-los torturado; Sua Excelência vem entregar, juntamente com os cargos, o ônus exclusivo dos eventuais delitos neles cometidos aos meeiros de gestão.

“É mais que justo que o partido que tenha um ministro no governo seja o responsável por todo o ministério”, disse o mestre na arte de “tirar o corpo fora”, como se diz na gíria do lúmpen que o elegerá e perfeitamente entendida pelos banqueiros que, embriagados pelos lucros obtidos em seu governo, o aplaudem com fervor e mantêm seus adversários a pão e água.

Justiça seja feita: não se trata de uma atitude nova de Sua Excelência. Ele já não ouviu as denúncias do então secretário de Obras e vice-prefeito de Campinas, Antônio Costa Santos, que lhe contou detalhes da roubalheira promovida pelo prefeito petista ao qual era subordinado. E fez ouvidos de mercador às evidências de irregularidades nos contratos das prefeituras do PT com o senhorio do luxuoso apartamento onde morava de graça em São Bernardo, que lhe foram contadas por Paulo de Tarso Venceslau. Seu desapreço pela leitura não deixa dúvidas de que não tem conhecimento do fundador dessa prática do “não sei, não me contaram, nada tenho que ver com isso”, que foi o ídolo, não dele, mas de seu ex-lugar-tenente José Dirceu: Stalin. Simon Montefiore conta num livro como o georgiano manobrava os magnatas bolcheviques, levando-os ao massacre múltiplo e mútuo, dando a impressão a algozes, vítimas e sobretudo à população de que ele era o “único a não saber”. Sem a cultura nem os requintes de crueldade do tirano comunista, nosso “guia máximo” cumpre à perfeição seu papel de “supremo irresponsável” pelos malfeitos de seus auxiliares, ao mesmo tempo que garante a continuidade no poder se beneficiando o quanto pode do farnel de bondades que o governo sob sua égide distribui a banqueiros e miseráveis - sempre a cada um pelos serviços que poderá prestar ao amo e senhor de todos os súditos.

Esta não é, também, uma exclusividade do chefe do Executivo. Desde a promulgação da Constituição de 1988, o Congresso Nacional tem agido como se nada tivesse que ver com a hora do Brasil. O nosso é o regime da mamata impune e sem compromisso, também comungado pelo Poder Judiciário, cujos membros praticam as maiores barbaridades em nome das leis que interpretam a seu bel-prazer, embora aleguem ser impotentes para mudá-las. O discurso do presidente e candidato à reeleição na entrega da capitania hereditária (por ironia do destino, exatamente aquela em cujo núcleo apodrecido estourou o tumor da corrupção do mensalão, com o flagrante de uma propina filmada e divulgada) é a consagração definitiva dessa prática perversa na política nacional: a busca do poder total sem contrapartida de responsabilidade. O espírito folgazão, sem compromisso com nada que não seja a própria ânsia de mandar, do chefe da Nação talvez venha a autorizar a iniciativa de alguém com poder suficiente para modificar o dístico da Bandeira Nacional. Com a ordem enxovalhada pelos facínoras do crime organizado e de uns tais movimentos sociais e o progresso esfrangalhado pela desfaçatez com que os grupos que se assenhoraram do poder rapinam os escassos recursos da sociedade brasileira, é o caso de inscrever: “Poder total com responsabilidade zero.”

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

sexta-feira, julho 07, 2006

ÉTICA DA MALANDRAGEM

A Copa do Mundo acabou mais cedo para o Brasil. Perdido o jogo para os franceses parecia que o mundo se findara entre gritos, lamentações e lágrimas. Nem os ataques do PCC e sua matança de agentes penitenciários, nem os mensalões com os quais o governo do PT agraciou parlamentares que venderam seu voto e traíram o povo por trinta moedas ou bem mais, nem o peso dos impostos que levam 40% do que é produzido por todos nós, nem os escândalos que enodoaram a República de forma vexatória, nem a corrupção galopante que faria corar qualquer bandido de outras terras produziram a hecatombe de sentimentos que se viu na derrota futebolística. Patriotismo aqui é só no futebol. Bandeira brasileira tremula apenas na batalha campal travada pelos pés de nossos jogadores. Do verde-amarelo se foi ao luto. Do riso fez-se o pranto. Da esperança, desencanto.

O jeito foi mudar de país. Como o técnico de Portugal era o brasileiro Felipão, nos tornamos todos portugueses desde criancinhas. Sublimamos a própria derrota para poder suportá-la transferindo para outro time nosso orgulho nacional que só se externa em Copas do Mundo. E como se torceu pela antiga metrópole. Ao final da partida outra dolorosa frustração: Portugal também perdeu. Inominável dor. Fomos derrotados pela segunda vez.

Se torcer por nossos jogadores quando defrontados com os de outros países é mais que natural, se o entusiasmo pelo esporte é sadio, temos, porém, um exagero que raia ao fanatismo quando se trata de futebol. Apenas levamos a sério carnaval e futebol enquanto somos extremamente displicentes com assuntos políticos. Nosso voto é fútil. Nosso empenho em ter um projeto comum de país é inexistente, exceto quando se trata de partidas mundiais de nosso adorado esporte nacional. E não basta dizer que fomos intoxicados pelo invasivo martelar da TV a mostrar dia e noite os acontecimentos ligados à Copa. Isso funciona, e muito, mas não funcionaria se não fossemos tão pobres em valores. Tão parcos em heróis de verdade, tendo que nos satisfazer com jogadores de futebol transformados em ídolos. Faltam tradições mais sólidas a esse país grande que ainda não se transformou num grande país porque não soubemos construí-lo grandioso.

Em meu primeiro livro, “O Voto da Pobreza e a Pobreza do Voto – A ética da malandragem”, editado por Jorge Zahar no já longínquo ano de 1988, cheguei a algumas conclusões que, infelizmente, não mudo agora, e que também servem para explicar, entre outras coisas, porque apenas o futebol nos empolga tanto ou porque elegemos um presidente dotado da mais impressionante ética da malandragem. Por que admiramos sua esperteza. Porque rimos quando ele nos passa para trás ou nos manda levantar o traseiro. Porque muitos de nós querem reelegê-lo. Porque adoramos suas mentiras, suas piadas grosseiras, sua incapacidade de falar corretamente. Na ilusão de que ele é um homem comum e pobre, a maioria dos brasileiros põe Lula lá pensando que vai à forra contra os ricos, o capitalismo indecente, os porcos ianques, a nefanda goblalização e um tal de neoliberalimo. E para melhor nos entender conclui naquele meu livro, entre outras coisas, que:

Na verdade todos nós compactuamos com o sistema dentro do qual a massa de miséria sofre as mesmas influências passadas e presentes que nunca fizeram de nós um “povo guerreiro”. Os mais pobres como os mais abastados, geralmente aspiram a partir de suas necessidades peculiares e com a mesma voracidade nunca saciada, facilidades preferivelmente alcançadas por esperteza ou doação de alguma autoridade paternal. É que não temos de modo geral o sentido de conquista no tocante ao esforço pessoal, não nos faltando, porém, a capacidade predatória. Não sabemos na maior parte das vezes exercer o poder, mas tão-somente nos beneficiar do poder. Não temos senso das medidas, sendo capazes de passar de um extremo ao outro sem avaliar as conseqüências de nossos atos. Afetamos cordialidade, mas sabemos ser violentos. Imitamos com facilidade, nos deixando levar por modismos. Simulamos democracia, mas somos autoritários. Preferimos sempre culpar alguém ou algo para nos eximirmos de nossas responsabilidades. Abusamos da liberdade em invés de usufruí-la. Convivemos com um Estado corrupto e inepto por nosso comodismo.

Naturalmente temos exceções. Gente humilde que é trabalhadora e honesta. Lideranças que se agigantam na tentativa de romper com o ranço da mentalidade antiprogressista. Elites intelectuais. Temos nossas “aristocracias” significando arisotoi: os melhores. Mas serão essas minorias excelentes capazes de preencher a lacuna entre a classe dirigente e a massa, no sentido de romper com a mentalidade do atraso? De ultrapassar a ética malandragem, segundo a qual quem não rouba é burro, e bom governante é o que rouba, mas faz? Eis questão.
por Maria Lucia Victor Barbosa, socióloga

quinta-feira, julho 06, 2006

Lula, o conservador

Rótulos são traiçoeiros. O presidente Luiz Inácio passa por "progressista" convicto aos olhos de todo o mundo, mas, se existe um político conservador, que não quer mudar nada, é Lula. Tanto que não mudou nada até agora. A contradição entre realidade e aparência faz de Lula um simpático farsante. Falaremos do Lula conservador (ou conversador, tanto faz).

Em primeiro lugar, conservador é o político que faz de tudo para conservar a sociedade no estado secular de atraso em que ela vegeta. Em segundo lugar, é o político que se empenha ao máximo em conservar o poder uma vez conquistado, trocando o projeto de nação pela estratégia da manutenção no poder por tempo indeterminado.

Neste segundo sentido, o PT é o partido mais conservador da República. Aparelhou o governo, isto é, tomou conta dos postos-chave da administração, com base na filiação partidária, não no mérito. E não esconde que veio para ficar, arquitetando um plano de governo de duração ilimitada no espaço e no tempo. Alternância no poder? Que é isso, companheiro? Nada de ceder o lugar a outros partidos, o que interessa é engessar o governo nas mãos de um grupo, um partido exclusivo funcionando como as antigas oligarquias. Governo e partido serão um só e o mesmo, em união substancial (abençoada por parte do clero católico).

Nas políticas conservadoras tradicionais o clientelismo é a peça central na montagem da estratégia eleitoreira. Consiste na troca de favores entre o político e o eleitor. O candidato a vereador, deputado, governador, presidente da República, etc., simulando generosidade, oferece ao eleitor pobre uma cadeira de rodas, um emprego, uma dentadura, e em troca o beneficiado lhe dá o voto. Aqui, força é reconhecer que Lula inovou com brilhantismo, mostrando, ele e o PT, uma criatividade exuberante. Onde já se viu comprar o voto com uma dentadura ou um par de tênis? A principal moeda de barganha da corrente progressista dominante é hoje o Bolsa-Família. Pesquisa efetuada pelo Instituto Ipsos Public Affairs, e publicada neste jornal em reportagem de Paulo Moreira Leite, atesta que "56% dos cidadãos que avaliam o governo como ótimo ou bom já receberam benefícios do programa Bolsa-Família ou conhecem alguém que o faz" (5/6, A4).

Lula aceitou e conservou passivamente o legado da política econômica de Fernando Henrique, uma política defensiva (controle rígido da inflação, juros altos, superávit primário, etc.), aplicando-a tal como a recebeu. O homem é sempre herdeiro, mas tudo o que recebe do passado não é para ser repetido literalmente, e sim para fazer outra coisa. A língua falada e escrita é o melhor exemplo. O escritor brasileiro herdou a língua de Machado de Assis, de Euclides da Cunha e de Rui Barbosa, mas não para escrever como eles escreviam, e sim como ele sabe escrever. Escrever como Graciliano Ramos, Jorge Amado, Guimarães Rosa ou Lygia Fagundes Telles. Outro tanto ocorre com a política e a economia. Não tem cabimento reproduzir em nossos dias o liberalismo e o capitalismo segundo os padrões novecentistas. A política econômica de FHC, boa para seu tempo, deveria prosseguir de outra maneira no governo seguinte, com investimentos maciços na infra-estrutura, por exemplo, o que não houve.

Mas onde Lula fracassa redondamente como líder progressista e confirma seu feitio francamente conservador, de quem não quer mudar nada, está na circunstância de que Lula não criou, não foi capaz de gerar um fato novo. A marca do verdadeiro estadista reside na criação do fato novo irreversível, aquele divisor de águas que impõe o antes e o depois no curso dos acontecimentos. Fato novo foi o Plano de Metas de JK, a recuperação do Estado da Guanabara por Carlos Lacerda, o Plano Real de FHC. Qual o fato novo devido a Lula que marcou a política brasileira em "antes" e "depois" dele? O Fome Zero fracassou, o microcrédito gorou, o Primeiro Emprego encruou, o ProJovem deu vexame. Resta o Bolsa-Família, herança do governo anterior. Toda a política de Lula é caracterizada pelo "foquismo", uma política do varejo, que se dispersa em atender focos isolados de carência e se acaba perdendo na salvação desta ou daquela árvore, em vez de cuidar da floresta como um todo. O que falta em seu governo é a política universal de educação, saúde, previdência, segurança e infra-estrutura. A mania das "opções preferenciais", que resultou, ironicamente, mais na proteção dos banqueiros que da pobreza, foi fatal. Transformou o governo lulo-petista no maior governo remendão de todos os tempos no País.

A estratégia das "opções preferenciais" é vesga e equivocada e acaba privilegiando particularismos incontroláveis, que pervertem a relação das partes com o todo na sociedade. O MST e o MLST são quistos subversivos derivados da famosa "opção preferencial pelo pobres" pregada pela Teologia da Libertação. Nenhum grupo pode ser privilegiado na sociedade que não degenere num quisto particularista que termina rompendo com sua condição de parte de um todo para erigir-se num todo à parte. Esta é a própria definição do particularismo: um determinado grupo desfaz seus laços com o todo de que faz parte para arrogar-se como um todo à parte. E como a parte desgarrada desiste de conviver pacificamente com o restante da sociedade, com base na lei e nas instituições vigentes, só se pode impor pela agressão e violência declarada, como se viu no episódio da invasão da Câmara, em Brasília, pelo MLST.

Num tremendo erro de perspectiva, até cientistas políticos famosos associam a conduta do MLST à desmoralização do Congresso. Na verdade, o quebra-quebra de Brasília se inscreve no método da chamada ação direta, implantada por sindicalistas franceses em 1900 e logo adotada pelo comunismo e pelo fascismo. A ação direta proclama a violência como prima ratio da História, escarnecendo e passando por cima de qualquer norma ou negociação pacífica.

Gilberto de Mello Kujawski, escritor e jornalista, é membro do Instituto Brasileiro de Filosofia - E-mail: gmkuj@terra.com.br

terça-feira, julho 04, 2006

PRESIDENTE INELEGÍVEL

"O povo pensou ter escolhido o salvador da pátria, mas, na verdade, elegeu o exterminador do futuro do Brasil”.

“O ex-governador de Goiás, Marconi Perillo, confirmou na Polícia Federal, que avisou pessoalmente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a existência do chamado mensalão”.

Esta notícia, que não é absolutamente um furo jornalístico, se mistura com outra que reflete o lamento do Ministro Marco Aurélio Mello (TSE) fazendo referência aos 2900 nomes autores de desvios de verbas públicas investigados pelo TCU, mas com condições “legais” de lançarem candidaturas nas próximas eleições.

Nosso país efetivamente virou um grande puteiro da política onde tudo pode se fazer com o povo, que está sendo seduzido pelo assistencialismo irresponsável e inconsequente do desgoverno petista através da sua bolsa-família-preservação-da-pobreza, em troca de um prometido emprego justo e digno, e aceitando ser seviciado diariamente pela prostituição das relações públicas-privadas.

Por fora, correm os 40 ladrões denunciados pela Procuradoria Geral da República que não quis dar o nome do Ali-Babá com medo da convulsão social no país pelo reconhecimento oficial de que o protetor dos excluídos mentiu para mais de 52 milhões de cidadãos, praticando um estelionato eleitoral digno de destaque na história das nações.

Enquanto isso, a dupla D-W está sendo apontada por denúncias divulgadas na Internet como mentores-parceiros da promoção da maior rede de televisão do país na sua “loteria do celular”, que está sorteando carros e computadores durante a copa. Fala sério! Peguem o celular e não mandem torpedo não! Liguem para o número do telefone disque-denúncia e gritem pega-ladrão! Talvez agora, pelo vergonhoso fracasso do Brasil na Copa do Mundo, os cidadãos mais conscientes do nosso país possam lembrar de nossa bandeira, não pela paixão ao futebol, mas pelo patriotismo que todo brasileiro deveria ter no momento em que seu país está caminhando para um mergulho sem volta no pântano da corrupção no poder público protegida pelo corporativismo mais sórdido que se possa imaginar.

É absurdo o imobilismo e a passividade da sociedade brasileira diante da possibilidade da reeleição de um homem que, por tudo o que não fez, deveria ser defenestrado da vida pública por absoluta incompetência, e por tudo o que fez, deveria ser destituído junto com sua equipe desse desgoverno espúrio que está conseguindo destruir qualquer referência de ética e moralidade pública na condução do país, e nos empurrando na direção de um “Estado Comunista de Direito”.

Como reeleger um Presidente, que a par das sistemáticas, redundantes, evidentes e óbvias denúncias de prevaricação, lesa-pátria e corrupção em seu desgoverno tem, conforme noticiado na mídia, a seguinte estatística (base = 15 de maio) de “dedicação” ao nobre trabalho de ser Presidente da República:

- 40 meses de desgoverno, com uma média do “nascimento” de um participante da organização criminosa denunciado pelo Procurador Geral da República por mês;

- 102 viagens pelo mundo a bordo do Hotel Aerolulla cinco estrelas, com uma média de quase três viagens por mês;

- 283 viagens pelo Brasil a;

- 382 dias fora do país desde a posse;

- 682 dias fora de Brasília desde a posse;

- 984 dias fora do Palácio em 1201 dias de presidência representando 81,9% de ausência de sua mesa de trabalho.

Deve ser esse seu álibi ao dizer que nada viu, nada ouviu, nada leu (isso a gente até entende) e nada sabe do que se passava em frente de sua sala de “trabalho”.

Enquanto o babaca do cidadão comum paga também essa conta dos “banhos quentes” a bordo do palácio-voador – incluindo as faturas dos milhões gastos através dos cartões de crédito corporativos dos acólitos do príncipe – trabalhando mais de 5 meses por ano e mais de 10 horas por dia para sustentar um Estado perdulário com síndrome de elefante corrupto e corporativista, o presidente demonstra, com sua ausência da mesa de despachos, estar perseguindo um recorde de “nunca ter se sentado em sua luxuosa sala do Palácio do Planalto para estudar os problemas nacionais, que dirá para trabalhar em prol do futuro do nosso país”, delegando suas responsabilidades para o politburo do seu partido de governo e os “notáveis” da base aliada, ficando apenas disponível para assinar os projetos comprados com os mensalões, e as medidas provisórias típicas de um desgoverno que não tem competência administrativa e política, nem um Parlamento digno para discutir projetos, que não sejam corporativistas ou politicamente prostituídos.

Diante do caos da corrupção, da apatia da cidadania, e da falência de valores morais e éticos, somos obrigados a sugerir à Justiça Eleitoral colocar quatro urnas de votação eletrônica em cada seção eleitoral: uma normal com a bandeira do Brasil para uma minoria de cidadãos conscientes do crime que está sendo cometido contra o futuro do país; uma com a estrela vermelha, para os comunistas, fascistas, elites dirigentes, grandes empresários, banqueiros, e outros “esclarecidos amantes” ou cúmplices do lulismo predador do Estado Democrático de Direito Social; uma com enormes orelhas de burro feitas com papelão e grudadas em suas laterais para os votos do movimento apartidário ou do voto nulo; e a última com o retrato do retirante para os votos dos sem consciência crítica, esta dando direito a um ticket-bolsa-família-especial. Vai dar Lulla na cabeça! E o Brasil que se exploda!

Esqueçam a ironia das urnas e pensem seriamente no que está acontecendo no nosso país. Não é isso mesmo? Que vergonha! Como podemos permitir que façam isso com o futuro dos nossos filhos e de suas famílias?
Geraldo Almendra