domingo, abril 30, 2006

Vamos colaborar

Empenhado em me dedicar à solucionática, em vez da problemática, tenho pensado muito em nós, como povo. É indiscutível que, com a nossa existência, como já tive oportunidade de escrever, atrapalhamos bastante o governo. Dizem que Calígula, o famoso imperador romano que nomeou seu cavalo senador (hoje não fazemos mais isso, desmando de tirano degenerado; hoje elegemos mesmo), expressou o desejo de que seu povo tivesse um só pescoço, para que ele pudesse cortá-lo logo de uma vez e, assim, resolver as chateações que ele lhe causava. Imagino que alguns dos nossos governantes se sintam de forma parecida, porque realmente “este país” ficaria bem melhor sem o povo, que só serve para reclamar e estragar as estatísticas deles.

Contudo, não quis o bom Deus dar-nos um só pescoço, de maneira que persistimos em abusar da paciência de nossos extenuados governantes. Chegamos a comentar, muito caluniosamente, que somos governados por uma quadrilha e os maldosos ainda acrescentam que essa é mais uma manifestação do complexo de inferioridade brasileiro, pois não seria uma quadrilha só, coisa de pobre, mas diversas quadrilhas de escol. É de desanimar qualquer um. Vê-se defeito em tudo e o próprio presidente, em observações notáveis para quem não ouviu nem sabe de nada, já se queixou várias vezes “deste país” ou, melhor dizendo, de características que ele enxerga (sim, carecem de fundamento os boatos de que ele sempre enxergou e ouviu mal, isso é só quando tem corrupto por perto, porque a alergia dele a esses maus elementos é tal que lhe causa surdez, miopia, astigmatismo, vista cansada e catarata) “neste país”.

Agora tem gente se queixando de que os deputados usam notas frias. Antigamente era bandidagem, mas atualmente não. Se fosse, os deputados não estariam fazendo tanto uso delas. Há quem insinue que, além de falsários, são ladrões. Aonde chegaremos com esse moralismo pequeno-burguês? Nós os forçamos a essa situação e, quando eles recorrem ao antigamente reprovável expediente de fajutar notas fiscais, ficamos achando que são ladrões, assim como são seus cúmplices os encarregados de soltar o dinheiro, que não verificam as notas, e os emissores destas, que não hesitam em delinqüir. Tudo errado, tudo errado, nós é que os obrigamos a agir assim. Como em qualquer lugar do mundo, deputado tem assessor de graça, casa de graça, viagem de graça, correio de graça e mais não sei quantas coisas de graça, para segurar a merreca que lhe pagamos, suando numa semana de dois ou três dias e pegando uma grana batalhada em convocações extraordinárias e benefícios que sequer sabemos quais são, porque deputado é assim por natureza, muito discreto.

Proponho, em primeiro lugar, que o imposto de renda seja logo elevado para 50 por cento de tudo o que ganhamos, não compreendidos aí os ricos (dinheiro não traz felicidade, não sei se vocês já ouviram isso, pobre não compreende que o homem feliz é o que não tem camisa), bancos e outros que não pagam imposto de renda. É mais do que justo, meio a meio. Na verdade, eles deviam pegar mais um pouco do que esses míseros cinqüentinha, mas estamos num governo popular, que não vai atacar a bolsa do assalariado e suporta o prejuízo com resignação, ainda tendo de aturar as queixas. Quando a Câmara organizar, o que imagino que já deve estar sendo articulado, uma Comissão Parlamentar de Observação da Copa do Mundo, composta de deputados livremente eleitos por voto secreto e seus familiares, eis que a tensão de passar uma Copa longe da família pode provocar estresse, vamos demonstrar a eles nossa gratidão e nosso reconhecimento. Vamos propor recesso remunerado para a Copa e que não um mas todos os deputados desfrutem do benefício, claro que sem exageros, limitando-se as diárias, por exemplo, a uns dois mil euros, que nem dão para pagar a estada num hotel na Alemanha à altura deles.

Enquanto isso, nosso presidente faz novo sacrifício, ficando por aqui mesmo, até porque tem a campanha a cuidar e poderá observar a Copa nos 1.200 telões de plasma que o Alvorada deverá adquirir após cuidadosa licitação pública. Legislar não será problema com a ausência dos deputados, porque ele já está habituado a exercer essa função com as Medidas Provisórias. Além do mais, já conhece bem a Europa e sua família acaba de obter passaportes italianos, com a conseqüência de que, sendo casado com uma italiana, ele talvez vire italiano, quiçá uma boa para ele, pois poderá candidatar-se lá e ser o melhor governante que a Itália já teve desde Otávio Augusto. Espero apenas que a Primeira Família não tenha votado no Berlusconi e aposto que, se já tem passaporte italiano, o presidente tampouco votou nele.

Quanto a nós, o povo, inventariemos nossas bênçãos, em vez de continuar com as lamúrias de sempre. O melhor presidente que “este país” já teve (atenção: já ensinei aqui, mas ensino de novo, no interesse da brasileirada que vai à Copa: “Nosso Guia”, em alemão, é “Unser Führer” ,
não sei se pega muito bem por lá hoje em dia, é melhor deixar para puxar o saco do Homem em português mesmo) declarou maravilhado que o Brasil está perto da perfeição em matéria de saúde. Como não tínhamos notado isso, a que ponto chega nossa ingratidão, não notando a evidência diante dos olhos dele e desmentida pela mentiralhada do povo e da imprensa inimiga da pátria? E a auto-suficiência do petróleo não nos diz nada? Ela seria atingida de qualquer forma, mas ninguém notou o lance magistral que a antecipou para agora. Crescendo a taxas ridículas, a economia brasileira manteve baixa a demanda de petróleo. Sintam a originalidade. Tivemos um crescimento mixuruca em nome de um ideal mais nobre, a auto-suficiência em petróleo. Não crescemos, mas a saúde pública é exemplar e somos auto-suficientes em petróleo, nunca estaremos satisfeitos?

JOÃO UBALDO RIBEIRO.

Nos aposentos do príncipe

A frase pode ser vista como efeito de desconhecimento, o que me pareceria uma conclusão exagerada. Não seria de todo irreal debitá-la à perda de senso que é a megalomania do sucesso. Mas também é possível atribuí-la a impulsos paranóicos. Haverá quem a tome por leviandade demagógica, não faltará quem nela identifique apenas um deboche. Faça a seu escolha. Eis a frase, servida como complemento à advertência "tudo o que eu quero na vida é fazer comparação":
"Não queria comparar o meu governo com o governo passado, porque isso seria como um Corinthians e Íbis. Queria comparar o nosso governo com toda a República, com o mundo todo, para ver se em algum momento na história houve um governo com tanta participação dos trabalhadores".
A comparação que Lula faz todos os dias lhe parece, agora, covardia. E é. Se não perdeu de todo o senso e as medidas, e quer mesmo fazer comparações, tem duas bem à mão. Não precisa ir "a toda a República, ao mundo todo". Compare o seu governo aos frutos sociais, econômicos e institucionais dos governos de José Sarney e Itamar Franco. O primeiro foi o mais acusado de ineficiência nos últimos 40 anos, ou desde João Goulart. O outro durou apenas dois anos e teve de improvisar-se, nas urgências do pós-impeachment. Apesar disso, é com eles que Lula pode fazer a comparação esclarecedora.
Não é recomendável que a faça em público. O lugar apropriado é o recôndito dos palácios, um daqueles aposentos onde Fernando Henrique gostava de levar conhecidos para mostrar o que chamava de "os aposentos do príncipe", os seus. A finalidade da comparação não seria submeter a castigo público, como punição para a persistência em iludir platéias. Seria apenas, digamos, ortopédica: fazer o presidente da República pôr os pés no chão, como primeiro passo em direção às responsabilidades que dele o país tem esperado.
Espera que não inclui, é claro, os favorecidos com os juros lulistas, os que ganham fortunas diárias com os títulos da crescente dívida feita pelo governo Lula, os especuladores das Bolsas e os agraciados (a maioria deles ainda irrevelada) pela original política que compôs a "base governista" com a inspiração de Marcos Valério.
JANIO DE FREITAS

sábado, abril 29, 2006

CAMINHANDO RUMO AO ATRASO

Hugo Chávez voltou dia 26 deste ao Brasil. Portanto, com pequeno intervalo entre o encontro promovido pelo governador Roberto Requião em Curitiba (PR).

Naquela ocasião, no Teatro Guaíra, o presidente da Venezuela foi entusiasticamente aplaudido por uma platéia composta pelo MST, pela Via Campesina e por outros grupos de esquerda.

Chávez fez campanha para o companheiro Lula e pregou a unificação do MST a outros movimentos similares existentes em países sul-americanos, num evidente incitamento a desordem e a violência no Brasil.

Seu plano deve naturalmente incluir as Farc, (grupo colombiano narcoguerrilheiro) e o equivalente e sanguinário Sendero Luminoso, a ser ressuscitado no Peru se for eleito presidente Ollanta Humala, outro neocaudilho populista dito de esquerda que tem a campanha presidencial financiada pelo coronel Chávez.

Tal unificação de grupos armados reforçaria ainda mais o poder do pretenso herdeiro de Simón Bolívar, pois ele estaria à frente de um exército sul-americano de guerrilheiros que, na verdade, já o têm como único e incontestável comandante.

No dia 26 a reunião foi feita apenas entre Chávez, Luiz Inácio e Nestor Kirchner.

O tema tratado e acertado anteriormente entre os presidentes venezuelano e Argentino foi a construção de um supergasoduto que saindo da Venezuela atravessaria o Brasil de ponta a ponta, cortando o país desde o Amazonas (rio e florestas) até o sul para chegar à Argentina.

O ambicioso projeto pretende incluir a Bolívia (detentora da segunda maior reserva de gás da América do Sul, atrás apenas da Venezuela) cujo presidente, Evo Morales, ainda é contra a idéia.

É bom lembrar que Morales está nos dando um prejuízo de U$ 1.500 bi com a nacionalização da Petrobrás e expropriando os investimentos já realizados pela EBX na Bolívia.

No caso do Gasoduto Venezuela-Cone Sul caberá ao Brasil bancar a maior parte do financiamento da obra, sem que se tenha dito com clareza em quê os brasileiros serão beneficiados.

Os adeptos do empreendimento faraônico pensam que ele significa a força da liderança de Luiz Inácio na América do Sul, mas, ao contrário, estamos diante do enfraquecimento do presidente brasileiro na medida em que este vai sempre a reboque de Chávez e Kirchner.

Em artigo publicado no O Estado de S. Paulo (27/04/2006), Rolf Kuntz aponta o fracasso da diplomacia do governo do presidente Luiz Inácio, mostrando que este não tem mais influência sobre o Mercosul (“se é que teve alguma”) onde a figura de Chávez já é a mais poderosa mesmo antes da integração da Venezuela ao bloco.

Além disso, Kirchner tem imposto ao Brasil acordos comerciais aceitos passivamente por nossa diplomacia e prefere Hugo Chávez, que compra os títulos públicos de seu país, a uma bela amizade com o companheiro brasileiro.

Tudo isso significa que Comunidade Sul-americana das Nações, iniciativa do Brasil alardeada com pompas e honras, não passou de um sonho de verão tropical.

Para piorar, como nossos aliados neocaudilhos, não aceitaremos acordos globais que nos abram boas perspectivas comerciais com os Estados Unidos e a União Européia.

Melhor pertencer ao Estado Bolivariano de Chávez do que aceitar o “excremento do diabo” que vem daqueles “porcos capitalistas”.

Enquanto gritamos em coro antiamericanista junto com Hugo Chávez, Fidel Castro, Evo Morales, Nestor kirchner e Ollanta Humala, nossos sonhados parceiros, China, Rússia e Índia cuidam de seus próprios interesses e negociam com os Estados Unidos sem clamar contra a globalização ou o liberalismo.

Estes países não levam em conta a ideologia de um certo marxismo embalsamado e, assim, vão prosperando nos negócios.

Enquanto isso, nós nos fechamos num tribalismo esquerdista obtuso.

Somos fiéis seguidores do comandante Chávez e rumamos alegremente para o atraso.

Tudo indica que fomos contaminados pelos ideais das revoluções megalomaníacas dos caudilhos ambiciosos, que na América Latina sempre condenaram seus povos ao fracasso e a miséria.

Para terminar me valho das palavras do cientista político, Jorge Castañeda, sobre os atuais líderes populistas latino-americanos que tanto amamos.

Nestor Kirchner é “um peronista reacionário, mais interessado em arrancar dinheiro dos credores e do FMI do que promover políticas sociais”.

Hugo Chávez “não é Fidel Castro; é Perón com petróleo, está conduzindo a Venezuela ao colapso”.

Evo Morales “não é um Ché indígena, mas um populista esperto e irresponsável que promete muito e entrega pouco”.

Quanto a nós, creio que num eventual segundo mandato do populista Luiz Inácio saberemos de vez o que é herança maldita, aquela deixada pelo governo do PT cuja incompetência e corrupção manterá o Brasil como um país grande sem jamais chegar a ser um grande país.

Maria Lucia Victor Barbosa
mlucia@sercomtel.com.br

sexta-feira, abril 28, 2006

A Insustentável presença de Chávez

A desenvoltura com que o presidente Hugo Chávez circula e atua ostensivamente em território nacional é crescente e ganha contornos cada vez mais surpreendentes e inaceitáveis.

O presidente venezuelano assumiu a condição de interlocutor privilegiado de movimentos sociais brasileiros, notadamente o MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra -, se arvorando ao papel de mediador de conflitos internos sob o silêncio das autoridades constituídas do País.

A “última” do coronel Chávez foi protagonizada no Paraná, quando de sua caricata e histriônica visita a Curitiba. Tendo por cenário o belo teatro Guaíra, o MST “protocolou” suas queixas, no tocante ao não-cumprimento das metas da reforma agrária na gestão do presidente Lula, junto ao presidente venezuelano.

Entre os seus adeptos na América do Sul, o presidente Hugo Chávez vem recebendo guarida especial do presidente Lula, em que pese o tratamento e as mesuras que lhe reservam o comandante Fidel Castro e o presidente boliviano Evo Morales.

O neocaudilho, como já foi definido, nas suas repetidas visitas ao Brasil, tem feito questão de se avistar com o comando do MST e interferir em questões e assuntos internos. Os encontros com os representantes do movimento são constantes e, em diversas ocasiões, pautados por manifestações de apoio ao líder venezuelano, retribuídas no mesmo tom. Suas freqüentes visitas de “cortesia” incluem invariavelmente uma escala técnica pelos assentamentos do MST.

Destaco igualmente que o presidente venezuelano tem atuado como cabo eleitoral da reeleição do presidente Lula, bem como tem cabalado votos em favor de Ollanta Humala, concorrente no segundo turno das eleições peruanas. Sem dúvida, o coronel Hugo Chávez é o que podemos chamar de persona grata ao governo do presidente Lula. Não é a toa que ele declara reiteradamente que compartilha de “visões estratégicas” com o seu colega brasileiro.

Durante sua burlesca passagem pelo Paraná, em alguns momentos, o presidente Chávez foi às raias da insensatez. Referindo-se ao furacão katrina, que todos sabemos devastou parte do sul dos EUA no ano passado, com inúmeras vítimas, ele comentou: "estou cada vez mais convencido de que Deus ajuda Chávez e seus amigos".

A liderança exercida pelo senhor Chávez não é paradigma nem para os governantes muito menos para as democracias da América do Sul. Devemos relembrar que o então candidato foi alçado à presidência numa eleição na qual mais de 75% dos eleitores não votaram. Na Venezuela o seu domínio se amplifica e a prevalência do Executivo se consolida em detrimento dos demais Poderes.

A ingerência desse mandatário em assuntos internos é notória. Até quando vamos aceitar as incursões grotescas do presidente Hugo Chávez? Durante sua peregrinação na capital paranaense, deixou implícito que considera o “chefe nacional” do MST, João Pedro Stédile, seu representante pessoal no Brasil.

O presidente Chávez ainda teoriza e formula teses sobre os mais agudos problemas de nossa conjuntura política. Na sua avaliação, as acusações de corrupção na gestão do presidente Lula devem ser consideradas sob o seguinte ângulo: “querem nos impor a moral que os beneficia” (aludindo aos partidos locais de oposição). Por outro lado, não mede esforços para se fazer presente, inclusive, em manifestações populares. Todos se recordam da “ajuda” financeira oferecida à escola de samba Vila Isabel, campeã do carnaval carioca de 2006.

Estou convencido de que a presença desse mandatário sul-americano em nosso país é insustentável e merece ser examinada sob a ótica diplomática e da soberania nacional.

Senador Alvaro Dias

quinta-feira, abril 27, 2006

Pobre cidadania

Os cidadãos brasileiros vivem uma pseudodemocracia. Os sem-terra violentam, diariamente, a Constituição, com o beneplácito das autoridades, principalmente do ministro responsável pela reforma agrária. Os deputados, que não declararam nem à Receita Federal, nem à Justiça Eleitoral, fantásticas somas que dizem ter recebido como "Caixa 2" de campanha, são absolvidos por seus pares, tendo-se a impressão de que a absolvição decorreu de serem peixes do mesmo aquário, conivente e convenientemente agraciados, por terem seus julgadores pecados semelhantes, ainda não descobertos.
O presidente da Câmara, pateticamente, informa que a absolvição dos que não declararam fortunas recebidas, nem à Receita nem à Justiça Eleitoral, é "uma tradição da Casa". O presidente da República esclarece que o que a imprensa denominou de "propinoduto", para seu partido e seus aliados são pecadilhos a serem perdoados. A Comissão de Ética do Congresso é desmoralizada, pelo simples fato de defender que parlamentares tenham comportamento digno e opor-se à "tradição" de aeticidade da Casa do Povo.
Os cidadãos-contribuintes, entretanto, estão proibidos de ter Caixa 2 ou de não declarar à Receita o que recebem, apesar de serem eles que sustentam os parlamentares, os burocratas e políticos que, por "tradição", recebem recursos "não contabilizados" e "não declarados". Que malfadada tradição é esta! Quem está no poder jamais é preso, nem sofre qualquer ação da Polícia Federal ou da Receita Federal. Quem é cidadão é detido antes mesmo de qualquer processo, por mera suspeita, e recebe, depois, autos de infração ciclópicos.
Pesquisas científicas de mais de 20 anos são destruídas, assim como 5 milhões de mudas de eucalipto, com a complacência do governo federal. Este não toma qualquer atitude contra o troglodita líder dos sem-terra, que dá bombásticas entrevistas, dizendo que tais pesquisas "são semelhantes àquelas que levaram à produção da bomba atômica", durante a 2ª Guerra Mundial! Se não fosse pela estupidez da declaração (deve haver alguma forma de punir a estupidez festiva), o simples incitamento à violência à Constituição, à guerra civil, ao caos, à desordem, à desobediência, seria motivo mais do que suficiente para deter esse cidadão, pois é um perigo monumental para a democracia. Quem declara que não pretende respeitar lei alguma, porque "ele é a lei" e continuará a invadir terras e destruir propriedades, porque "ele, somente ele, sabe o que é bom para 180 milhões de brasileiros", só por isto teria que ser preso, pois sua conduta é enquadrável no Código Penal.
Continua, entretanto, assim como seu bando de estupradores da Constituição, soltos e a ameaçarem um governo acovardado de tomar as medidas necessárias para repor a ordem e o respeito à lei e à Constituição no país, como, de resto, o presidente prometeu, no juramento que fez à nação, no dia de sua posse.
O que mais impressiona é que tal grupo de violentadores, apesar de as pesquisas populares demonstrarem que não têm o apoio da população, nunca disputaram eleições para, pelo caminho correto na democracia, testar a aprovação de suas idéias. Na verdade, são uma elite ditatorial, tirânica, que pretende ver o Brasil dividido entre eles e, no momento, em que tiverem se apropriado da terra que desejam, não haverá mais terra para os futuros brasileiros e para ninguém.
A reforma agrária que desejam é apenas tirar a terra de quem produz e passá-la para suas mãos. São, pois, assaltantes da propriedade alheia. Esbulhadores, segundo a lei. Como a terra é um bem finito, no momento em que ficarem com toda ela, os "futuros sem-terra" que se danem. Pouco se fala, inclusive, de todo aparato que obtêm das autoridades governamentais, pago com os nossos tributos, ou seja, carros, tratores, celulares, armas, com o que, militarmente, podem organizar todas as invasões - leia-se todas as violações à lei, à Constituição e à ordem. E parcela ponderável dos que obtêm terras do governo, após esta pressão ilegal e injurídica, negociam-na em seguida, conforme os jornais já noticiaram.
É nesta pseudodemocracia, em que as autoridades não defendem a ética, que se autoperdoam das fortunas não-declaradas que transitam por suas contas e que não fazem respeitar os direitos dos cidadãos, nem a lei, nem a ordem, que nós, os comuns mortais fora do poder, vivemos, pobres cidadãos sem direitos e sem proteção, assistindo a este melancólico desenrolar de acontecimentos em um país que vê seus sagrados sonhos de democracia naufragarem pela mediocridade e aeticidade de seus representantes e da violência de uma "nova classe social", que deseja a ruptura completa da ordem. Pobres cidadãos!
Ives Gandra Martins

Impostura

A denúncia apresentada pelo procurador-geral contra a "organização criminosa" articulada à sombra do Planalto para corromper parlamentares, estabilizar uma maioria no Congresso e avançar o "projeto de poder" petista é o retrato acabado do governo. Ao contrário do que sugere Lula, esse retrato não se modificará ao sabor do destino dos processos judiciais individuais abertos pela denúncia, que descreve uma ação coletiva, de "quadrilha". É por isso que o PT, o aparelho político do qual emanou a "organização criminosa", que antes proclamava-se "diferente", hoje difunde o conceito de que "todos são iguais" e a noção de que a corrupção sistêmica no governo é a continuidade de um padrão vigente no "octonato" de FHC.
Muitos anos atrás, Lula cunhou a célebre acusação contra os "300 picaretas" do Congresso, uma frase cuidadosamente genérica, que lhe granjeou aplausos sem gerar a obrigação de formalizar denúncias e arrostar as conseqüências correspondentes nas arenas política e judicial. Aquela foi a senha para a onda de acusações de corrupção lançadas contra o governo FHC, que ganharam aura de verdades incontestáveis, mas, com exceções periféricas, nunca se traduziram em investigações formais. O caso mais notório, pelos valores envolvidos e pela pretensão de atingir a espinha dorsal do governo, foi a alegação de desvios bilionários do dinheiro das privatizações.
Na época, as acusações não prosperaram como inquéritos no âmbito judicial ou parlamentar. Os acusadores, impávidos, atribuíram a culpa à inação do antigo procurador-geral e ao bloqueio promovido pela maioria governista no Congresso. Mas eles se tornaram governo e, mesmo dispondo de todos os meios de investigação, preferiram conservar as antigas acusações no limbo. O expediente, que é uma modalidade de prevaricação, cobre a política brasileira com o pesado manto da suspeita e nutre uma narrativa conveniente da qual se lança mão em conjunturas de necessidade.
A estratégia não se sustentaria sem a colaboração, proposital ou não, de comentaristas políticos que a tomam de empréstimo para certificar a sua própria "independência". No conforto proporcionado pela irresponsabilidade, esses comentaristas flertam com o senso comum e, imaginando-se "neutros", sequer suspeitam que participam de uma impostura dotada de claro sentido político.
O Lula dos "300 picaretas" sem nome é o mesmo que, no poder, abriu caminho para a fabricação pecuniária de uma base parlamentar de picaretas nominalmente identificados pelo procurador-geral. Não há contradição, mas coerência e continuidade, na estratégia de desmoralização das instituições políticas. A acusação genérica, a calúnia, armas do líder oposicionista, transfiguraram-se na corrupção ativa sustentada pela caneta que assina nomeações e edita medidas provisórias.
A doença da corrupção existe no mundo inteiro, em todos os governos. Mas as suas modalidades agudas, sistêmicas, desenvolvem-se no ambiente degenerativo formado pelo confronto de líderes carismáticos e salvacionistas com as instituições da democracia. Os primeiros, cuja força deriva do contato direto com o povo, precisam desvencilhar-se da teia de mediações institucionais que circunscrevem a sua influência. O instrumento para isso, na falta de uma polícia política, é o dinheiro clandestino.

Demétrio Magnoli - magnoli@ajato.com.br

O Brasil cabe na sua dívida?

A princípio, a manchete de ontem do caderno Cotidiano desta Folha seria auto-explicativa: "País tem repetência maior que a do Camboja". Nem o genocídio de Pol Pot conseguiu transformar o Camboja em país pior que o Brasil. E atenção: nesse capítulo, o governo Lula não tem culpa, porque o levantamento da Unesco usa dados de 2002, portanto o último do tucanato.
Constatado o desastre, passemos ao ponto seguinte: a Unesco diz, no mesmo estudo, que o Brasil precisará contratar pouco mais de 396 mil professores até 2015, um aumento de 50% em relação ao quadro atual.
Pergunta inevitável: de onde virá o dinheiro para tais contratações (sem mencionar o fato de que é preciso também aumentar o salário dos professores, atuais e futuros)?
Voltemos então à página A2 da mesmíssima Folha de ontem: nela, o deputado Delfim Netto vocaliza o temor dos mercados de que o governo não consiga cumprir a meta de poupar o equivalente a 4,25% do PIB para pagar os juros da dívida.
Bom, se com uma economia já colossal, quase obscena em um país com tantos problemas (lembre-se, educação é apenas um deles), o mercado ainda está insatisfeito, o que acontecerá se e quando o governo resolver gastar mais para contratar professores (de novo sem falar no necessário aumento)?
O governo será fuzilado, qualquer que seja o presidente. Sempre é bom lembrar que só os mercados têm hoje condições de desestabilizar governos -pelo menos no Brasil, em que as ruas, outro fator potencial de ruídos, estão caladas, quase mortas.
Ligando os pontos, tem-se o seguinte: ou se continua a fazer o Brasil caber no tamanho de sua dívida, cortando-lhe asas, pernas e o oxigênio representado pela educação, ou se adapta a divida ao tamanho que se quer para o país.
Simples de expor, difícil de fazer. Tão difícil que nem remotamente aparece no pobre debate eleitoral.
Clovis Rossi - crossi@uol.com.br

quarta-feira, abril 26, 2006

PORTADORES DA DIGNIDADE

“Las variaciones de la sensibilidad vital que son decisivas em historia se presentam bajo la forma de generación. Una generacion no es un puñado de hombres egregios, ni simplesmente una masa; es como un nuevo cuerpo social íntegro, con sua minoria selecta y su muchedumbre, que ha sido lanzado sobre el ámbito de la existencia con una trayectoria vital determinada. La generación, compromiso dinámico entre masa e individuo, es el concepto más importante de la historia, y, por decirlo así, el gozne sobre que ésta ejecuta sus movimientos”.
Ortega y Gasset, em EL TEMA DE NUESTRO TEMPO

A sucessão de perdões que o plenário da Câmara de Deputados tem dado aos mensaleiros comprovados, contrariando os pareceres do Conselho de Ética e as provas documentais e testemunhais acumuladas serve para mostrar que as casas do Congresso espelham o aviltamento moral da Nação. O Congresso não é pior nem melhor que o brasileiro médio que lhe deu o voto.

Lembro aqui a idéia de Ortega y Gasset, de que cada geração tem uma certa marca característica diferente da que lhe antecedeu e daquela que lhe sucederá, isso em todos os campos, do religioso aos gostos no falar e no vestir, na estética, na filosofia e também na moral. A geração que está no poder – no poder político, no comando das famílias e das empresas, das universidades, aqueles que decidem – são os nascidos nos anos cinqüenta e sessenta, a geração chamada de 68. Sua juventude foi regada pelo discurso da rebeldia, do amor livre, contra a família, a tradição, a religião, a ordem pública, pela revolução comunista. Foi essa a marca registrada da geração que está no comando. O PT governando é o ápice desse processo, sua expressão de poder.

Temos que levar em conta que o fenômeno do homem-massa chamado a deliberar politicamente pelo voto é um fato recente no Brasil, advindo da urbanização rápida e do processo de alfabetização em massa, que se consolida depois da Segunda Guerra. A emergência da geração 68 no poder se confunde com a delegação ao homem-massa para escolher seus representantes, após a passagem do poder dos militares aos civis. Os eleitos, em sua maioria, são espelhos desses homens-massa, chegados ao poder na miragem de que é possível fazer do Estado um instrumento de igualitarismo e que o distributivismo irracional e antieconômico seria a varinha de condão para a eliminação dos males sociais. Esse é o Congresso que delibera, é o Executivo que toma decisões e governa. Lula é a expressão mais acabada do homem-massa que chegou ao poder, suportado pelas idéias tortas que vigoraram na sua geração.

É essa geração que fez explodir a inflação em nosso País e que fará explodir as finanças públicas por conta da (im)Previdência Social e as muitas bolsas disso e daquilo, que oneram os que trabalham diuturnamente. A quebra do Tesouro será inapelável e a bomba-relógio está ativada. Enquanto a explosão não acontece assitimos a mais cínica, infame, brutal e indecente concentração de renda patrocinada pelo Estado, que tira dos que trabalham para dar aos parasitas de todos os tamanhos, dos esmoleiros das bolsas aos marajás mais aquinhoados.

No Brasil de hoje vivemos tempos parecidos com a Europa dos anos vinte. As conseqüências históricas em escala global são insignificantes em face da desimportância internacional que temos como Nação. Mas os filhos desse solo não têm como escapar das dores e sofrimentos exigidos para a expiação das culpas todas. Cada um carregará o seu quinhão.

Mesmo aquelas pessoas que individualmente se afastaram daquela atmosfera licenciosa e despudorada da geração 68 estão imersos no espírito dos tempos e têm dificuldades de escapar de seus ditames. Apenas uns poucos conseguem, aqueles que carregam os restos de Israel e que entregarão à geração seguinte os bons modos perdidos e os valores morais superiores que precisam ser resgatados. Esse processo já está em marcha. Só espero que não precisemos aqui do que a Europa precisou para a sua expiação: de sangue em profusão e de fornos crematórios, uma guerra inteira.

Quero aqui elogiar as figuras públicas do Senador Delcídio Amaral e do deputado Osmar Serraglio. Muita gente esperava e desejava o indiciamento do presidente Lula pela CPI dos Correios. Mas todos sabemos que a ação políticas é a arte do possível. Esses dois homens dignificaram com a sua ação a função parlamentar, enaltecendo a democracia. Fazem parte dos restos de Israel, aquele esteio moral no qual a novíssima geração precisa se mirar. Do pântano de lama ainda é possível esperar nascer a mais bela flor.
http://www.nivaldocordeiro.org/

terça-feira, abril 25, 2006

A culpa é da burguesia?

A educação brasileira vive um tempo curioso, para não dizer exótico. As novidades se sucedem - e o ensino está cada vez pior. Em conversa com o professor Arnaldo Niskier (Acadêmico da ABL e secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro) e dele recolho o espanto com que recebeu a notícia de que algumas escolas do ensino fundamental e médio recomendaram aos seus professores que não tirassem pontos dos alunos que escrevessem errado. Ou seja, ninguém deve dar bola para a gramática e a ortografia.
Segundo uma confortável versão, quem se preocupa com essas coisas "é a burguesia".
Particularmente, esgotei a minha capacidade de espanto diante de tais barbaridades. Se o aluno toma conhecimento dessa estranha orientação, de que forma terá estímulo para demonstrar apreço pela língua portuguesa?
Ao mesmo tempo que isso ocorre, especialistas em educação apontam erros mais freqüentes anotados nas provas dos acadêmicos:
1. Falta de adequada ordenação de idéias, o que prova não ter o aluno o hábito de escrever; 2.Falta coerência e coesão nos textos;
3. Inadequação ao tema proposto ( por falta de familiaridade com o tema indicado, o aluno foge para outro mais confortável);
4. Dificuldade em estruturação de parágrafos;
5. Erros de concordância nos tempos verbais, fragmentação da frase, separando sujeito do predicado por vírgula, utilização equivocada de verbos e pronomes, o que em alguns casosleva até a prejudicar a compreensão do texto.
Se isso é verdade no texto das redações, é fácil imaginar o que ocorre quando o indivíduo se expressa verbalmente, em que as agressões ao vernáculo doem em nossos ouvidos.
Se os alunos têm dificuldades de escrever e expor com clareza suas idéias é porque sua cota de informação e leitura é mínima, para não dizer inexistente. Tenho insistido na vergonha em que se constitui a nossa taxa anual de leitura: menos de dois livros por pessoa, o que nos coloca muito longe das nações mais desenvolvidas.
Volto à escolas de ensino fundamenta e médio para lamentar que os seus professores sejam instados a abandonar a idéia da redação, "porque em geral os temas dados aos alunos são irreais".Além disso, há o desprezo pelas regras gramaticais e ortográficas, como se houvesse um desejo recôndito de prestigiar a ignorância. Não se quer exagerar os cuidados com a norma culta da língua, mas por que valorizar o linguajar sem regras? A educação não existe exatamente para conduzir os alunos ao aprendizado?
Sobre a redação, permito-me discordar frontalmente da tese enunciada. A ser verdade o que foi proclamado por tais escolas, ninguém mais poderia ser escritor, dando asas à imaginação.
Só se poderia escrever sobre vivências claras, com o evidente abandono de tudo o que pudesse privilegiar a criatividade.
Nelson Valente é professor universitário, jornalista e escritor

domingo, abril 23, 2006

Dando o troco num boteco do Leblon

Acho que você não tem razão. Acho que vai ter o troco, o povo vai dar o troco a esses caras. Outubro vem aí e eu tenho certeza de que esses caras vão dançar. Talvez um ou outro se safe, mas a maioria vai dançar. Dessa vez eles foram longe demais, eles vão dançar nas eleições.
— Eles quem? Eu sei que tu estranhou a pergunta, mas daqui a pouquinho não vai estranhar mais. Eles quem?
— Ué, precisa dizer? Esses caras aí que andam metidos nessas bandalheiras, é só abrir o jornal.
— Você vai me desculpar eu te fazer mais uma perguntinha, mas perguntar não ofende. Tu pode me dizer em quem foi que tu votou pra deputado?
— Pra deputado? Estadual ou federal?

- Não enrola, cara, pode ser qualquer um dos dois. Mas, pra não ter queixa, vamos lá: em quem que tu votou pra deputado federal?
— Pô, me deu um branco agora. É que a Janete tem uma colega de hidroginástica que ela adora e que pediu o nosso voto para um tio dela e tu conhece a Janete, tu sabe como ela fica quando quer alguma coisa. Eu perguntei ao Pachequinho, que manja essas coisas todas, e o Pachequinho me falou que o cara é um vigarista de primeira categoria, bandidão mesmo. Aí eu falei pra Janete que não ia votar num camarada desses, eu tenho consciência da importância do voto. Mas tu conhece a Janete, foi uma batalha dentro de casa, cara.
— E tu acabou votando nele.
— Não, qual é, cara, eu tenho personalidade. A Janete votou, mas eu sou moderno, não interfiro no voto de minha mulher, lá em casa é tudo democrático. E o malandro se elegeu, tu sabe?
— Como é o nome dele?
— Ah, não gravei, criei tanta aversão que não gravei. Aliás, nem a Janete gravou, porque anotou o nome do cara e levou lá, depois jogou fora o papel. Acho que é com P, Pedro, ou senão Paulo, Paulino, Patrício... Se tu quiser eu peço à Janete pra perguntar à colega dela, elas se vêem três vezes por semana.

— Não, pode deixar, vamos voltar ao princípio. Eu perguntei em quem foi que você votou, não a Janete. Em quem foi que tu votou pra deputado?
— Federal ou estadual?
— Não enrola, cara, é a segunda vez que tu fala isso. Eu já disse, qualquer um dos dois, o que você preferir.
— Continua me dando um branco, mas eu me lembro. Se você me der um tempo, eu me lembro. É que, com essa discussão com a Janete, eu tenho certeza de que, na hora em que eu ia sair para votar, ela tirou o papelzinho com os nomes dos meus candidatos que eu tinha guardado no bolso da camisa, tu conhece a Janete, ela é aquela pessoa ótima, mas tem esses negócios, ela joga duro.
— Em quem tu votou pra vereador?
— Ah, esse eu lembro, esse eu lembro. Perdi meu voto, mas perdi satisfeito, tu também deve ter votado nele. Eu sabia que ele não tinha nenhuma chance, mas é uma pessoa distinta, um homem muito educado, todo mundo gosta dele aqui. Tu deve ter votado nele, como é mesmo o nome dele?
— Só sei o apelido, Munheca. O apelido dele é Munheca, não é esse? Mas eu acho que só o pessoal aqui do boteco é que votou nele, acho que nem a mulher dele votou nele. É, eu votei nele também. Me disseram que ele teve menos de 300 votos, mas eu votei por amizade, só pra poder dizer a ele sem mentir, eu já sabia que ele não tinha chance, até porque de fato é muito boa pessoa, mas não deve ter mais que 50 gramas de cérebro. Como diz minha sogra, só que falando de mim, é uma pessoa sem a qual ou com a qual o mundo permanece tal e qual. E o resto dos votos eu anulo, não sei pra quê votar, dá tudo no mesmo.

— Ah, tenha paciência, aí tu tá me decepcionando, eu sempre te achei um cara responsável.
— A gente muda na vida. Depois da urna eletrônica, então, ainda me sinto mais palhaço votando. Aí minha vingança é anular, não voto em sacana nenhum.
— Ah, qual é cara, tu também joga nesse time paranóico, que acha que o voto eletrônico não é de confiança? Isso não tá com nada, cara, isso é de gente que tem saudade até do tempo da caneta-tinteiro, que os meninos de hoje nem sabem o que é. Eu fico muito aporrinhado com essa atitude derrotista do brasileiro. A gente tem a melhor tecnologia do mundo, vem neguinho aqui estudar e tudo, para você falar isso. Aí não, aí tu não tem razão nenhuma.
— É, vêm ver, mas ninguém adota. É porque eles são atrasados. É tudo muito atrasado, Estados Unidos, França, Inglaterra, Canadá, Alemanha, tudo muito atrasado e pobre, de maneira que não há condição de adotar nosso sistema. Deixa de ser otário, cara. Nos Estados Unidos mesmo, a primeira eleição do Bush foi decidida na conferência dos votos. Aqui não dá pra conferir, pergunte a quem entende mesmo se não é um esquema furado. Neguinho entra no sistema do Pentágono, cara, e não pode alterar as urnas aqui? Deixa de ser besta, cara. E, além de tudo, esta discussão não leva a nada, porque não é por nada disso que eu digo que ninguém vai dar troco nenhum nessas eleições.

— Ah, eu acho que vai.
— Não vai. E a razão é simples, não tem troco pra dar. Que troco a gente tem pra dar? A gente vai ter que se conformar é com a originalidade: o Brasil é o único país que não vai pra frente por falta de troco.

JOÃO UBALDO RIBEIRO é escritor.

O NOVO LEMA

"Enquanto eles acusam, o PT faz muito mais pelo Brasil". Não prima pela originalidade o slogan das inserções publicitárias do partido, cuja veiculação na TV foi sustada por liminar da Justiça na sexta-feira uma vez que o PSDB contestava as estatísticas ali apresentadas. O anúncio petista revela, de qualquer modo, uma verdade que se situa acima da querela dos números. Desde Adhemar de Barros e Paulo Maluf, passando por Orestes Quércia e outros menos votados, nunca houve governante que não tenha ostentado realizações administrativas como álibi para denúncias de que foi objeto.
Depois das notórias exibições de criatividade protagonizadas por publicitários como Marcos Valério e Duda Mendonça -cujos impressionantes dotes imaginativos se estenderam bem além da estrita área de sua atuação profissional-, a esta altura chega a ser natural que a propaganda petista se limite a um claudicante e melancólico clichê.
Passemos ao largo do fato de que, durante mais de duas décadas de existência, foi o PT quem exerceu o papel de "acusador" com máxima ênfase. A atitude que, há relativamente pouco tempo, era classificada como "defesa da ética na política", hoje recebe, no jargão petista, o tratamento característico de todo ocupante do poder: tudo não passa de "acusação" eleitoreira.
Mas quem "acusa"? E em que consistem as "acusações"? Se a denúncia do mensalão se reduzisse a alguns discursos de lideranças oposicionistas, é certo que faltariam ao partido de Eduardo Azeredo (PSDB-MG) ou ao de Roberto Brant (PFL-MG) qualificações mínimas para erigir-se em fiscal das operações financeiras de quem quer que fosse.
O que se verificou, vale insistir, não foi um corriqueiro caixa dois, e sim um sistema organizado, a partir do círculo mais íntimo do presidente da República, para construir, ao preço de saques em dinheiro vivo, uma bancada parlamentar dócil ao objetivo petista de perpetuação no poder.
O que se verificou foi um espetáculo de pressões políticas desavergonhadas e incansáveis no sentido de forjar teses conspiratórias e de boicotar pelo silêncio, pelo eufemismo, pela chicana judicial e pela mentira deslavada todo esforço para chegar à essência dos fatos.
O que se verificou foi um ministro de Estado no centro da violação criminosa do sigilo bancário de um cidadão. O que se verificou foi o secretário-geral do PT renunciando após receber um carro de presente de uma fornecedora da Petrobras.
O que se verificou -para não nos alongarmos na crônica de vexames, improvisos e desmentidos a que todo o país assistiu boquiaberto- está inscrito nas 136 páginas do relatório elaborado pelo procurador-geral da República, classificando como "formação de quadrilha" a atuação de ministros e autoridades de primeiro plano no sistema petista.
Estariam o procurador-geral da República e a própria Polícia Federal incluídos entre os que, segundo os anúncios do PT, só "acusam", enquanto o governo "faz"? Num vertiginoso truque de raciocínio, faz-se circular a tese de que seria mérito do governo a independência com que Ministério Público e polícia conduziram as investigações.
Ainda não se chegou à desfaçatez de incluir o ponto na propaganda do Partido dos Trabalhadores; o delírio da autocongratulação poderia, quem sabe, incluir a lembrança que veio de um aliado, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), a primeira denúncia do mensalão; e que o presidente Lula tinha afirmado sua plena confiança nesse "acusador", a ponto de dizer-se capaz de lhe dar um cheque em branco. A conta, de qualquer modo, talvez recaísse nas empresas de Paulo Okamotto.
Seria um toque final na comédia de um partido que se dizia "por um Brasil decente" e que agora adota um lema flagrantemente próximo do "rouba, mas faz".
Folha

sábado, abril 22, 2006

Homens em tempos sombrios

A situação no Brasil está tão estranha que decidi revisitar o livro de Hannah Arendt "Homens em Tempos Sombrios" ("Men in Dark Times"). O exemplar, junto com outros livros, foi atingido pela chuva no velho ateliê da rua Alice: páginas amarrotadas, manchas aqui e ali, mas inteiro.
Não buscava rever as trajetórias, em tempos difíceis, de Rosa Luxemburgo, Karl Jaspers, Walter Benjamin ou Isak Dinesen. Lembrei-me de que, no discurso em que recebeu o Prêmio Lessing, em Friburgo, ela havia desenvolvido uma definição de tempos sombrios. O tema do livro é a descrição das trajetórias de alguns intelectuais que, em conflito com o mundo e com a opinião pública, conseguem um nível de concórdia com suas próprias audiências.
Tempos sombrios, para ela, eram também aqueles em que faltava um espaço público, uma zona iluminada de aparência onde as pessoas se revelavam pelo seu discurso e pelas suas ações práticas. Neste sentido, não é possível dizer que vivemos em tempos sombrios.
Existe hoje no Brasil, mais do que no passado, um espaço de troca de idéias, uma imprensa competitiva, uma nervosa blogosfera, um ministério que dá nome às coisas, sem subterfúgios.
Esse espaço iluminado, se incluímos também a televisão, envolve a maioria do país. No entanto, ainda há algumas áreas sombrias aonde a informação não chega, como atestam pesquisas em São Paulo: ignora-se o nome dos novos prefeito e governador.
No meio desse espaço, entre luz e sombra, há uma grande área cinzenta de pessoas que conhecem as informações, mas não extraem delas as conseqüências lógicas: admitem, simultaneamente, a existência da corrupção no governo e o desejo de continuidade.
A cor não foi pensada aí como um juízo de valor. Uso-a como um fotógrafo que mede a luz pelo cartão cinza, para não ser enganado nem pela zona muito clara nem pela sombra.
Essa área entre luz e sombra, tem suas razões profundas. Compreende a corrupção como algo antigo e, ao constatar que os novos dirigentes caíram no mesmo erro, conclui que são todos iguais: é necessário escolher aquele que oferece maiores vantagens imediatas. Em outras palavras, o PT não apenas traiu o potencial de mudanças éticas, mas o tornou supérfluo.
É uma vasta região a se conquistar. De um lado, os que insistem no que lhes parece coerente: governo corrupto, governo derrotado nas urnas.
Outros flancos da terra virgem devem ser invadidos pelos que se afirmam éticos e querem mudar tudo o que sempre esteve aí.
A estrada está repleta de emboscadas. A maior delas: quem garante que os atuais donos das bandeiras éticas não se comportarão como os outros quando chegarem ao poder?
Que imagem nos trará outubro no entrechoque em três áreas distintamente iluminadas?
Por que transformar uma eleição numa disputa apenas ética? Por que não aceitar a premissa, pelo menos como hipótese de trabalho, que há mais esperança na mudança das regras do jogo do que na de pessoas?
Ao aceitarmos essa premissa, podemos buscar um compromisso de reduzir por lei os cargos de confiança, acabar com a publicidade de governo, exceto em casos de utilidade pública, ampliar o acesso aos dados e aos documentos oficiais.
Estamos no limiar de uma nova campanha, onde passaremos quase todo o tempo nas ruas, discutindo política. Emergem na memória as outras campanhas, desde o tempo do brigadeiro Eduardo Gomes, do trabalhismo de Getúlio Vargas. Era criança e tinha um lado inequívoco: o dos trabalhadores da rua Vitorino Braga, os imigrantes italianos, seu Pironi, seu Perini, vizinhos, todos getulistas.
Esta campanha é singular, creio. Passamos por um tsunami orquestrado pela quadrilha no governo e seus coadjuvantes, os Jim Jones da Câmara, suicidas institucionais que nos levaram ao fundo.
Não creio que surgirá dela o nível de legitimidade capaz de gerar uma energia criativa entre governantes e povo. Isso é indispensável para grandes passos.
De uma certa forma, previa isso, nos discursos e artigos desesperados. A marcha da insensatez iria tornar o exercício da política em algo envergonhado, como nossas tias cantando na sala e cobrindo o rosto com o avental.
No momento em que se parte esse banho de rua, é preciso concordar com uma constatação elementar: as pessoas são falíveis, falharam todas as retumbantes e sanguinárias tentativas de construir um novo homem, sucumbiram os salvadores, indivíduos, classes e partidos.
A concentração em novas regras do jogo, do tipo Lei da Responsabilidade Fiscal, não significa que serão abandonadas as bandeiras éticas. Continuam essenciais, apenas precisam ser redimensionadas.
Quando sairmos nas ruas, esse lado da oposição tão pobre de votos nem precisa se preocupar tanto com as pesquisas, exceto para entender a maioria, dialogar com ela, discordar de suas conclusões.
Os intelectuais de "Homens em Tempos Sombrios", entre eles duas mulheres, Rosa Luxemburgo e Isak Dinesen, além de serem brilhantes, atravessaram tempos verdadeiramente sombrios.
Manter-se fiel à sua audiência é, para nós, uma tarefa bem mais fácil. Nossa audiência não se reconhece nesse Brasil de corre-corre da polícia, mentiras, cinismo, este último talvez o mais corrosivo de todos.
Quem passou pela área do tsunami real, na Ásia, percebeu como a terra arrasada também desperta energias. Suspeito que nada pode nos impulsionar mais do que a sensação de estar vivo, de ter sobrevivido.
Vamos para as ruas.

FERNANDO GABEIRA
contato@gabeira.com.br

sexta-feira, abril 21, 2006

O advogado das mil e uma versões

Exposição de Bastos levanta dúvidas e não serve de epílogo ao caso Nildo

O depoimento do ministro Márcio Thomaz Bastos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara não forneceu uma resposta definitiva para esclarecer a participação dele e de sua equipe na operação de acobertamento dos responsáveis pela quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa e, portanto, não serviu de epílogo ao caso.

O titular da Justiça limitou-se ao relato juridicamente cuidadoso dos fatos sob a ótica mais conveniente a ele a ao governo. Não esclareceu dúvidas - ao contrário, levantou novas - e deixou a questão em aberto no ponto essencial: por que, diante da flagrante quebra da legalidade com a violação do sigilo de um cidadão, o Estado se mobilizou na defesa antecipada do beneficiário direto do crime, o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, contra quem já havia o peso das evidências?

E ainda que não houvesse, o governo conduziu-se, e assim orientou seus aliados no Congresso, para proteger o ministro da suspeita de mandar violar o sigilo e da acusação anterior de ter mentido nas diversas ocasiões em que falou sobre suas relações com amigos e antigos assessores de sua equipe na prefeitura de Ribeirão Preto.

O ministro Thomaz Bastos ontem nem de longe contribuiu para dissipar as desconfianças a respeito da lisura no comportamento do governo. Como fez no decorrer de todo o episódio, desde a primeira entrevista do caseiro confirmando a presença freqüente de Palocci na casa de lobby da chamada República de Ribeirão Preto, Bastos de novo adaptou sua versão às circunstâncias.

O ministro vem nesse ritmo há mais de um mês: a cada fato novo, põe na mesa uma variante diferente da história.

Começou advogando a inocência inequívoca de Palocci e desacreditando preliminarmente as declarações de Francenildo dos Santos Costa, segundo ele, personagem de um "ataque especulativo" da oposição sobre Palocci.

No dia em que foram divulgadas as informações sobre as contas do caseiro, o ministro da Justiça calou-se sobre a quebra de sigilo para condená-la 72 horas depois de exposta ao público e já diante da condenação geral; buscou manter distância do caso para em seguida ser obrigado a admitir que seus assessores estiveram na casa do ministro da Fazenda tratando do assunto. Na ocasião, negou ter se reunido com Palocci.

Quando a revista Veja confirmou o encontro, Thomaz Bastos voltou atrás, mas disse que esteve com ele apenas para apresentar o advogado Arnaldo Malheiros e participar de uma conversa "teórica" sobre os aspectos legais de uma quebra de sigilo bancário. E assim ficou sem dar conseqüência prática à teoria, até Jorge Mattoso deixar bem claro sua indisposição de assumir a culpa sozinho. Aí, e só então, a saída de Palocci passou a ser considerada a única saída para preservar o presidente Lula.

Ontem, diante da dificuldade de explicar que motivos "republicanos" poderiam levar dois assessores seus a se reunir com Palocci depois de violado o sigilo e divulgados os dados bancários do caseiro, o ministro Thomaz Bastos apresentou uma nova interpretação, até então inexistente, dos acontecimentos.

Argumentou que os auxiliares foram chamados pelo ministro da Fazenda para discutir a possibilidade de a Polícia Federal investigar o caseiro em virtude de "rumores correntes entre jornalistas" de que o jornal O Globo estaria preparando uma reportagem levantando a suspeita de Francenildo dos Santos Costa ter sido pago para testemunhar contra Palocci.

A história não combina com os fatos. Naquela altura não houve "rumores" em relação a reportagens sobre o tema, mas sim a publicação pela revista Época dos dados bancários, levantando explicitamente a hipótese do suborno.

Quando o Globo foi citado por Palocci em seu depoimento à Polícia Federal, já como ex-ministro, o jornal confirmou ter a informação sobre uma movimentação alta na conta de Francenildo dos Santos Costa, mas negou em nota oficial a reportagem, porque não havia consistência de dados suficientes para levá-la adiante.

Mesmo admitindo que as coisas tenham se passado como disse o ministro Márcio Thomaz Bastos, isso leva à seguinte evidência: no lugar de dar prioridade à investigação da quebra do sigilo, o governo se mobilizou para tentar desmoralizar a testemunha, como demonstra a consulta feita à PF pelos dois assessores do Ministério da Justiça, quando bastaria - como fez a direção da Abin quando solicitada a entrar no caso - a negativa de quem conhecia a lei e as implicações da solicitação de Palocci.
Dora Kramer

terça-feira, abril 18, 2006

A Varig é a nossa cara!

Lula tenta tirar a dignidade da Varig. Insiste que se trata de uma empresa privada, mas ela é um símbolo

Numa manifestação que a classe teatral fez, no Rio, no dia doze deste mês, em apoio à Varig, a imprensa, mais uma vez, não ajudou. Ao contrário, só serviu para fazer sensacionalismo, descontextualizar ainda mais as coisas e... desinformar o público.
Vamos por partes. Primeiro, o que diz respeito ao que eu falei no pequeno palco do Teatro Leblon. (Aliás, qual não foi a minha decepção ao ver tão pouca gente de teatro reunida; gente essa que "deve" um passado enorme à Varig. Na hora em que a corda aperta, some todo mundo. Típico, não é?)
Subi ao palco, seguindo o lindo manifesto lido por Marco Nanini. E expus o quanto está difícil encontrar palavras que sirvam para nos fazer entender por esses que hoje sentam no poder. No dia da manifestação, as manchetes de todos os periódicos diziam que o PT havia sido acusado de "formação de quadrilha". Então falei: "Já que Lula não nos ouve mesmo, será que uma quadrilha nos ouviria?". Comparei a Varig aos grandes patrimônios nacionais, mencionando a associação de idéias que ela, como representante do Brasil nos ares do mundo inteiro há quase 80 anos, suscita -ao nos remeter à "Garota de Ipanema" e à imagem do Pão de Açúcar ou do Corcovado, à arquitetura de Niemeyer ou ao Jardim Botânico; enfim, um patrimônio.
Fosse qualquer outra coisa sem interesses opostamente ligados a essa "quadrilha", Lula já teria feito o que deveria faz tempo: ou deixar a Varig livre para negociar seu próprio futuro sem interpor o seu focinho (assim como no melhor sentido da "deregulation" reaganiana, americana), ou pagar o que o governo deve à empresa -fazer com a Varig um plano de recuperação, incluindo subsídios de Petrobras e Infraero, como se vê nas melhores famílias.
Foi, em parte, isso que falei. E citei exemplos: depois do 11 de Setembro, a indústria aérea no mundo inteiro pegou a gripe aviária. Até a Swissair acabou. A que voa hoje se chama simplesmente Swiss, e foi comprada por uma Lufthansa pesadamente subsidiada com dinheiro da Bundesrepublik Deutschland. Ah, sim. Disse que sem a ajuda de injeção de libras esterlinas e um enorme subsídio da British Petroleum, a British Airways não estaria hoje voando com a dignidade que está.
Pois Lula está tentando tirar a dignidade da Varig. E isso é muito estranho, já que a Varig é a cara do Brasil, é a nossa cara! Lula insiste em dizer que se trata de uma empresa privada, mas sabe muito bem que é muito mais do que isso: a Varig é um símbolo brasileiro respeitadíssimo no mundo inteiro, que já serviu de embaixada, já resgatou presos políticos (alguns companheiros de Lula). Não é uma questão de símbolos? Então para que gastar US$ 10 milhões para mandar um brasileiro passar uns dias no espaço quando se sabe muito bem que o Brasil não tem uma agência espacial, que isso não terá seqüência ou conseqüência? O que foi aquilo senão um símbolo tolo de machismo? Um factoidezinho? E outras asneiras. Metrô de Caracas, quando nem São Paulo possui um metrô suficiente para seu tamanho ainda? Como assim? Caracas?
Acho que no Planalto já não se diz coisa com coisa, e é por isso que Lula insiste em dizer que não irá ajudar a Varig. Mas será que ele percebe o que está dizendo? Essa companhia pioneira, com quase 80 anos e que acaba de ganhar o primeiro lugar em segurança no mundo -da Iata, Associação Internacional de Transporte Aéreo-, pode ser extinta assim, por um capricho ou negligência, justamente por aquele que nasceu do Partido dos Trabalhadores e se diz um deles? Fechar a Varig significa demitir mais de 11 mil somente no corpo principal da companhia. Lula, pense bem! Quantos brasileiros cultos, orgulhosos, dignos de medalhas -e não do desemprego- você estaria colocando na rua?
Não faz sentido?
Há quem me escreva reclamando, dizendo que a situação da Varig é o resultado de anos e anos de má administração financeira. Minha resposta é que o Brasil é um lugar onde se pratica a má administração financeira, com mensalão, corrupção institucionalizada, caixa dois ou, até há poucos anos, uma desvalorização da moeda tão brutal que afetou até este jornal e todo o meio empresarial. Ou seja, quem tem história obviamente tem dívidas, tem carga humana, alma humana e, sem dúvida nenhuma, muitas falhas também. Não se iludam com essas novinhas aí, que estão no ar. Lembram-se quando elas caíam feito pato em temporada de caça?
A Varig é um patrimônio cultural precioso e deve ser tratada como tal. Seu pessoal de terra e todos os que nela voam são a cara do Brasil, refletem as nossas ansiedades e não usam aqueles "coquetéis esculturais" na cabeça no lugar dos cabelos, como tantas linhas aéreas ainda o fazem. Eu exijo mais respeito quando algum "foca" reproduzir o que eu digo em discurso, porque, em suma, foi isso.
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Gerald Thomas é autor e diretor de teatro.

domingo, abril 16, 2006

Clubinho Brasil

Era uma vez Itamar Franco, que não amava Fernando Collor de Mello, mas a ele aliou-se para derrotarem juntos Luiz Inácio Lula da Silva, que odiava Fernando Collor e não amava Itamar Franco, até porque não amava ninguém a não ser ele próprio.
Era uma outra vez Itamar Franco, que passou a odiar Fernando Collor a ponto de romper com ele, mas sem reatar com Luiz Inácio Lula da Silva, que vingou-se de Fernando Collor juntando-se a tantos que antes desprezava para liderarem o processo de impeachment.
Era uma terceira vez Itamar Franco, que ungiu Fernando Henrique Cardoso ministro da Fazenda, fabricando sem o saber (ah, como os presidentes sabem pouco) o futuro presidente, que Lula odiaria.
Era uma quarta vez Itamar Franco, que aceitou ser embaixador de Fernando Henrique Cardoso, que ele às vezes amava, outras odiava e com o qual vivia entre tapas e beijos até algo parecido com o rompimento.
Era uma quinta vez Itamar Franco, aquele que silenciou quando Fernando Collor usou na TV o caso da filha de Lula fora do casamento, mas que acabou aliando-se a Lula, finalmente presidente, que o nomeou embaixador, tal como o fizera Fernando Henrique Cardoso, que, no entanto, legara a Lula uma "herança maldita", segundo José Dirceu, que também não ama ninguém, a não ser ele próprio e seu projeto de poder, que foi seriamente avariado, talvez destruído, por Roberto Jefferson, que era da tropa de choque de Fernando Collor, passou à tropa de choque de Lula e, por fim, detonou com um grito de "sai daí" o Zé desta história.
Era uma vez, por fim, o Zé desta história, agora chamado de chefe de quadrilha pelo procurador-geral da República, que vai de jatinho particular a Juiz de Fora para, segundo alguns colunistas, convidar Itamar Franco para ser vice de Lula, como fora de Collor, com o que se encontram o começo e o fim da quadrilha (no sentido Drummond).
Clovis Rossi

sábado, abril 15, 2006

Derrubar Lula?

Diogo Mainardi tenta derrubar Lula. O coluna polemista da Veja não sossega. Mas não dá mais tempo. A campanha para a Presidência já começou. E em ano de Copa não se derruba presidente no Brasil. Nem síndico. Talvez a oposição consiga derrubá-lo no segundo mandato. Se rolar o segundo mandato.

Há indícios contra Lula. Seu ciclo de amigos íntimos e parceiros esquematizou o projeto PT Longa Vida, que azedou e vira coalhada. Desde a campanha, os meios pareciam feder. Lula dispensara a militância. Subia em palanques com Zezé de Camargo e Luciano (cachê de R$ 150 mil por comício), imaginando que o ideal socialista era tão irresistível que seduzira de Duda Mendonça a duplas sertanejas? Observava o material de campanha e achava que era tudo limpo, doação do empresariado disposto a acabar com a mais-valia (te peguei, você nem lembrava mais deste símbolo marxista)? Lula nunca se perguntou de onde saiu a grana dos 13 trios elétricos na Avenida Paulista na festa de quando a esperança de Paloma venceu o medo de Regina? Tá, talvez não soubesse. As maritacas que papagueiam em volta o preservaram do balanço contábil. Então, ele é um alienado.

Em outros tempos, haveria passeatas e comícios pedindo o impeachment, mas algo bem esquisito acontece no Brasil: a sociedade civil perdeu o rumo. Ou está sectária demais. Ou se vendeu.

Quem liderará a campanha pelo impedimento, Rodrigo Maia, ACM e PFL? Sarney, Itamar? Collor?! Maluf?! Quércia, Garotinho, Alckmin? A Febraban com seu lucro recorde? A Fiesp? A agroindústria? O MST e a Vila Campesina? A OAB, digo, a nova OAB, sectária como nunca? A UNE e a liderança estudantil, sentados na fortuna que gera a indústria das carteirinhas? O Supremo e o ministro Nelson Jobim, que acha normal o contribuinte pagar seus gastos de viagem? Que músicos, numa passeata liderada por MV Bill, aquele da Daslu, conseguiriam segurar a faixa do impeachment? Quem inspiraria o povo a lutar contra um regime apodrecido pela corrupção, Fidel ou Bush, Bruninha Surfistinha ou Maria do Corner, argentinos ou venezuelanos, o cocaleiro boliviano, com a chave do nosso oleoduto na mão? O astronauta Pontes? Ou seria cosmonauta? Os advogados de Suzane von Richthofen? O PCC ou o CV? Qual música animaria tal comício, Sorte Grande, com Ivete ("sigilo, sigilo, levantou o sigilo..."), ou Atoladinha, com Tati? O figurino seria da Daslu ou Daspu? O Exército, liderado pelo general que não admite overbook, daria segurança? Funcionários da Varig, Vasp e Transbrasil organizariam o serviço de palanque? O mercado apoiaria? O Judiciário? O PSOL e o PSTU levariam bandeiras? O Ronaldo Fenômeno ou o Adriano? O Luxa ou o Leão? Quem discursaria, o ACM Neto? O Aécio? Do pessoal de 68, sobrou quem? E que atores? Algum BBB? Sim, Pedro Bial com Sabrina Sato? João Kleber?!

Nem todo mundo é a favor do impeachment. Mas se provas aparecerem, quem conseguirá convocar as massas para uma manifestação, a Galisteu e a Gimenez, com a Hebe? A TV Globo? O Silvio? O Faustão e o Gugu? A Veja? Ou a Carta Capital? Quem sabe a Caros Amigos? A Caras?! A TRIP e a TPM? A MTV, representando a juventude, com aquelas gêmeas Kênya e Keyla saídas do eletrochoque, do Disk MTV, ou aqueles moleques que acham legal só falar palavrão, do Chapa Coco? Eu? Quem, minha mãe?! O frei Beto? O padre Pinto, de Salvador? Os Cassetas? Alguém se habilita? Será que existe ainda liderança da chamada sociedade civil, ou estamos sem fôlego?

A aprovação ao presidente Lula continua alta (53,6% segundo CNT/Sensus). É o maior índice de aprovação desde setembro de 2005. Não é o povo que está surdo, é a razão que está muda.

Talvez a oposição tenha razão: o PT não sabe governar. Incontestável é que era o maior núcleo de arregimentação. Sua traição não foi apenas contra seu programa e ideais. Foi contra a política nas ruas. Nem esperança, nem medo. O que rola é uma desmoralização generalizada. E desânimo.


Segundo o jornal Carta Forense deste mês, a maioria dos escritórios de advocacia não registra seus funcionários. Todo mundo do meio sabe. Ninguém faz nada. Advogados jovens (com diploma fresco) trabalham 15 horas por dia, inclusive sábados e domingos, não têm férias, 13º, nem licença maternidade. Qual advogado processaria patrões exemplares? Qual fiscal do Ministério do Trabalho multaria um escritório desses? Por que a OAB não defende os interesses de seus associados?

E sabe aquele movimento Da Indignação à Ação, que defende o resgate de valores éticos, ameaça o pedido de impeachment contra Lula e deu uma recepção heróica ao caseiro Nildo? É liderado pelo jurista Miguel Reale Jr. Sim, ex-ministro de FHC. Com que moral? Por que a sociedade civil se dividiu? Miguel Reale, como Thomaz Bastos, não deveria nunca ter participado de um governo. Sua indignação é justa, mas ganha outra tradução: "Ah, não vale, ele é tucano."


Impresso da Coelho da Fonseca Empreendimentos que recebi numa esquina de São Paulo, anunciando o edifício Via Jardins do Parque, construção em um dos bairros da elite paulistana: "O melhor do Ibirapuera sob diferentes perspectivas, principalmente, a perspectiva do privilégio." Sem meias-palavras.


Os relatos de FHC e Bruninha Surfistinha disputam o primeiro lugar na lista dos mais vendidos. Povo gosta mesmo de ler sacanagem. Brincadeirinha, presidente...
MARCELO RUBENS PAIVA

sexta-feira, abril 07, 2006

Volta, Collor

Se Fernando Collor de Mello tivesse feito a metade, só a metade, do que faz o lulo-petismo para tentar apagar suas digitais, muito provavelmente teria sobrevivido até o fim no Palácio do Planalto.
Ah, claro, teria também que pagar os R$ 146 bilhões/ano (dados de 2005) que o lulo-petismo paga à cobertura do andar de cima, na forma de juros, para comprar a omissão, a leniência e a cumplicidade dela.
A conspiração que Antonio Palocci fez para tentar desmoralizar o caseiro Francenildo Costa não tem similar. Envolveu uma das mais importantes instituições financeiras públicas, a Caixa Federal, no seu mais alto nível; envolveu o Gabinete de Segurança Institucional (o novo nome para o velho SNI da ditadura) no seu mais alto nível; envolveu o Ministério da Justiça e, por extensão, a Polícia Federal em nível bastante alto.
Repito: esse jogo só os Somozas da vida jogam. Só é possível em republiquetas nas quais se cria o caldo de cultura do abuso e da impunidade. Caldo de cultura afagado por Luiz Inácio Lula da Silva quando chama de "grande irmão" quem promoveu tão obscena conspiração.
É a conspiração premiada em vez da delação premiada. É o escrúpulo zero em vez do Fome Zero.
Mas não é tudo. O PT, de seu lado, brigou, com a prepotência de costume, não para inocentar-se na CPMI dos Correios, mas para que seus acusados fossem chamados de "bandidos". Sim, é isso. Queriam limitar os crimes cometidos a caixa dois, que, como disse o próprio ministro da Justiça do PT, é "coisa de bandido".
Quando um partido que enchia a boca para dizer-se dono exclusivo da ética não consegue lutar por algo mais do que ser chamado de "bandido", tem-se um estado avançado de putrefação.
Nesse ambiente podre, qual a surpresa no fato de a Câmara dos Deputados inocentar réu confesso de "bandidagem", ou seja, da prática de caixa dois, como aconteceu com o deputado João Paulo Cunha?
CLÓVIS ROSSI

quarta-feira, abril 05, 2006

Ao Thomaz Bastos!

De SeabraFagundes@edu para ThomazBastos@gov.br

Estimado ministro Márcio Thomaz Bastos,
Estou aqui com o Raymundo Faoro e o Sobral Pinto (eles ficaram amicíssimos). Os dois insistiram para que lhe escrevesse. Acreditam que poderei ter sua atenção porque já estive na cadeira em que o senhor está e fui-me embora no instante em que meu nervo de advogado passou a doer sempre que eu entrava no palácio. Em fevereiro de 1955, quando dei minha demissão ao presidente Café Filho, o senhor tinha 20 anos e ainda não fizera seu primeiro júri. Deve ter ouvido falar de mim depois. Pelo menos viu o meu retrato na galeria dos presidentes da OAB, onde está o seu.
O propósito desta mensagem é curto: vá embora, rápido. Não acredite na proposição de que é melhor esperar a crise esfriar. Muito menos na assertiva de que o governo lhe tem "integral confiança".
Daqui posso contar coisas que vivi. Não falo do que vejo hoje, mas o Faoro adora contar os casos que presencia. Até bem pouco tempo, até o Sobral Pinto acreditava que deixei o ministério porque o Café permitiu a divulgação de um veto branco dos ministros militares à candidatura do Juscelino. Saí por causa disso e mais alguma coisa.
Pouco antes, o Café tivera uma conversa canhestra comigo. Uma daquelas falas indecifráveis, das quais só nos apercebemos depois. Felizmente, apercebi na hora: tramava-se um golpe. Veja o seu caso, em exemplo inteiramente diverso: o senhor ouviu o deputado João Paulo Cunha dizer que, se abrissem o sigilo do Rogério Buratti, o ministro Antonio Palocci caía. O Faoro estava no almoço em que o senhor ouviu isso, mas ninguém o percebeu. Afinal, ninguém nos vê. Ele se aboletara no ombro do ministro José Dirceu, como aquele mico da propaganda da televisão.
Não queiramos fazer paralelos impertinentes entre a crise de 1955 e a de hoje, muito menos comparar os papéis que nelas desempenhamos. A semelhança está nos papéis que os poderosos esperam que desempenhemos. É disso que o Faoro e o Sobral pedem que lhe fale.
Comparemos duas situações vividas direta e indiretamente pelo senhor. Em outubro de 1998, Lula pediu-lhe que examinasse um papelório de denúncias contra autoridades do PSDB. O criminalista sagaz apontou a fraude. Graças a isso, o dossiê Cayman não entrou para a biografia desenfreada do atual presidente da República. O senhor foi o advogado certo, para o cliente certo, na hora certa.
Agora veja a situação do seu chefe de gabinete, Claudio Alencar, e do titular da sua Secretaria de Direito Econômico, Daniel Goldberg, que pelo título não se perca. Estavam na casa do ministro Antonio Palocci na alta noite de 16 de março. Eles e mais o assessor de imprensa do ministro, Marcelo Netto. Isso tudo na hora em que chegou o presidente da Caixa Econômica com um envelope. Era o mensageiro do ilícito. Admitamos que ninguém soubesse o que havia naquele envelope. Estavam todos na casa da pessoa errada (um hierarca à beira de um ataque de delinqüência) na hora errada (a chegada do extrato do crime).
Palocci queria uma investigação em cima do caseiro. Obteve-a. Se foi improdutiva, o caso é outro. Outro dia, o Gregório Fortunato queixou-se comigo de que poderia ter contratado o táxi do atentado contra o Lacerda em Copacabana, mas foi usar logo um carro do ponto em frente ao Catete.
O senhor teve toda razão ao insistir com "nosso guia" na necessidade de se demitir "o grande irmão" . Teve razão até ao exaltar-se noutra conversa. Só nós sabemos quanto o senhor sabe. Sabe demais. Pensando bem (sempre sem comparar minha crise com a sua), eu fui embora quando soube.
Respeitosamente,
Miguel Seabra Fagundes
(1910-1993)

Elio Gaspari

terça-feira, abril 04, 2006

SÓ FALTA O ‘IMPEACHMENT’

Os fatos recentes envolvendo o principal ministro do governo, Antonio Palocci, assombraram e indignaram a opinião pública.

As acusações contra o ministro da Fazenda, que causaram a sua exoneração, foram inicialmente descartadas pelo presidente Lula, com achincalhe aos parlamentares da Comissão de Inquérito e a todos os brasileiros: ''Trata-se de um período mais caloroso no debate político e o ministro Palocci deve manter a cabeça fria''.

Não sabemos a temperatura da cabeça do ministro quando determinou, conforme noticiado na imprensa, ao presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, seu subordinado, que violasse o sigilo bancário do caseiro Francenildo Santos.

Era uma tentativa dolosa de amedrontar o caseiro, por ter testemunhado a presença do ministro da Fazenda, várias vezes, na casa de negociatas montada em Brasília pelos seus ex-auxiliares, na prefeitura de Ribeirão Preto.

O ministro Palocci mentiu para a CPI e para a nação brasileira ao afirmar que nunca tinha ido à casa das maracutaias. Foi desmentido, desmoralizado por ''um simples caseiro'' na expressão preconceituosa do presidente Lula.

A leviandade e a certeza da impunidade atingiram tal ponto, que o presidente da Caixa Econômica chegou à desfaçatez de nomear uma comissão de sindicância para apurar o responsável por um ato criminoso que ele mesmo tinha praticado.

As duas CPIs, dos Bingos e dos Correios, têm provas suficientes para enquadrar o presidente da República nos crimes de responsabilidade, previstos no artigo 85 da Constituição e na Lei nº 1.079 de 10 de abril de 1950.

Apenas o relatório da CPI dos Correios comprova o prejuízo aos cofres públicos, fruto da roubalheira, da malversação e da improbidade administrativa, de bilhões de reais.

O senador Antonio Carlos Magalhães acusou: ''A grande verdade é que este governo é um governo de ladrões. No PT tem homens de bem? Tem. Mas o PT tem ladrões, e capitaneados pelo presidente da República, que diz que não sabe de nada, mas é o responsável por tudo''.

É incompreensível que até hoje os deputados não tenham iniciado o processo de impeachment do presidente.

Desde que o publicitário Duda Mendonça declarou ter recebido numa conta bancária no exterior vários milhões de dólares, em pagamento da campanha eleitoral do PT, tornou nula a eleição dos candidatos financiados por estes recursos.

Qual é a origem das vultosas quantias gastas nas eleições? Origem criminosa? Lavagem de dinheiro? Pagamento antecipado de vantagens futuras? Procedência externa com objetivo de intervir na política e no governo brasileiro?

São indagações que não podem ser justificadas pela prática delinqüente, embora tradicional no Brasil, de doações feitas pelo caixa dois de empresas que não querem ser identificadas, com medo de que os candidatos que apóiam percam as eleições, despertando a má vontade dos vitoriosos.

Como não houve a argüição de nulidade junto à Justiça Eleitoral no prazo hábil, perdeu-se a oportunidade.

O país conheceu nestes últimos meses o caso mais grave de corrupção já descoberto na História do Brasil. Corrupção sistêmica. Organizada e comandada por integrantes do núcleo central do poder, com gabinetes no Palácio do Planalto e na esplanada dos ministérios. Era inimaginável que isso pudesse acontecer. Muito menos no governo do PT, falso defensor da ética e da moralidade.

O presidente Lula já perdeu a capacidade de governar. Só falta ser destituído.

Se os deputados e senadores não o processarem por crime de responsabilidade, e continuarem a se omitir, estarão solapando os fundamentos da democracia brasileira, e comprometendo a representação parlamentar.

O processo de impedimento do presidente Collor começou com as declarações de um motorista. No governo Lula já temos o depoimento de um motorista, de um caseiro, e muito mais.
Marcelo Medeiros - JB

Lula, Nixon e impeachment

Um cidadão, presidente ou caseiro, apenas pode ser culpado de crime depois do devido processo. Mas acusar Lula da Silva por crime de responsabilidade agora depende apenas da conveniência ou do grau de pusilanimidade políticas do Congresso. Lula é suspeito de acobertar crimes cometidos por seus subordinados na conspiração contra o caseiro Francenildo Costa.
As penas para os crimes de responsabilidade são a inabilitação para funções públicas e a destituição do cargo, mais conhecida como impeachment. As penas são cabíveis ainda que tais crimes sejam "simplesmente tentados", diz a lei 1.079 de 1950, que define tais delitos.
Lula pode ser acusado de cometer crime de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos individuais por tolerar que autoridades sob sua subordinação imediata praticassem abuso de poder, "sem repressão sua" (artigo 7º, 5, da lei 1.079).
Pode ser acusado de crime de responsabilidade contra a probidade na administração "por não tornar efetiva a responsabilidade dos subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição" (artigo 9º, 3).
Lula tolerou Palocci, Mattoso e talvez outros mais sem denunciá-los de imediato, mesmo sabedor dos seus crimes (pois crimes havia, faltava apenas definir mandante).
Ao elogiar Palocci em público, em vez de denunciá-lo, Lula procedeu de "modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo" de presidente (artigo 9º, 7).
A queda de Richard Nixon (1913-1994), presidente dos EUA, começou com uma quebra de sigilo, a invasão do comitê eleitoral da oposição democrata, em ano de campanha eleitoral (1972). Era o Watergate.
Nixon conspirou para acobertar a ação criminosa de seus assessores diretos e partidários. Ainda assim, foi reeleito, com maioria folgada. Ainda assim, enfrentou processo de impeachment. Pouco mais de dois anos após a violação do sigilo de seus adversários, com assessores na cadeia, desmoralizado e arrasado politicamente, Nixon renunciou, em 1974.
VINICIUS TORRES FREIRE

domingo, abril 02, 2006

Me visitem na cadeia!

Passei uns dias fora, sem ler jornais ou ver televisão. Deve ter sido esse afastamento fugaz das notícias a razão por que, ao voltar ao convívio delas, tomei um susto. Bastaram esses dias para minha perspectiva se apurar, por assim dizer, e eu sentir em cheio a assombrosa desvergonha a que chegaram o Brasil e suas instituições. Com perdão da má pergunta, que país é este, meu Deus do céu? Resolvi tomar a liberdade de dizer o que me parece no momento, sem eufemismos ou ressalvazinhas bestas, embora, é claro, me arrisque bastante. Posso ter meu sigilo bancário aberto - o que certamente provocaria frouxos de riso nos bisbilhoteiros -, assim como qualquer outro sigilo, pois o governo demonstrou que não merece confiança e é destituído de escrúpulos. Portanto, nenhum dos nossos dados a que é garantida confidencialidade está seguro. Ou de repente escarafuncham meu passado e descobrem um contemporâneo capaz de jurar que eu colei numa prova de latim do ginásio e portanto passei fraudulentamente, o que será considerado crime hediondo por algum tribunal desses do Executivo, que por aí abundam. Finalmente, como não empregarei eufemismos, não é impossível que me acusem de calúnia, difamação ou injúria e eu venha a ser condenado pelo que se considerará um ou mais desses crimes, apesar de que, no meu parecer, se trataria de delito de opinião, figura que não existe, mas que pode perfeitamente ser posta em prática, sob nomes artísticos que lhe emprestem a aparência de legitimidade.

Começo, não sem certo enfado, a dizer o que penso do Executivo, na figura do nosso presidente. Sua conduta me tem transmitido a impressão de que ele é enganador, cara-de-pau, evasivo, fanfarrão, oportunista, ardiloso, demagogo e cínico o suficiente para encarar com desplante todo mundo saber que ele é candidato, mas se aproveita de brechas na lei para fazer campanha à custa do erário e não raro enganosamente. Acho que só é de fato sincero quando se apresenta como o melhor presidente que "este país" já teve, pois o movem as certezas absolutas que a ignorância costuma suscitar. O povo é engabelado por cestas e bolsas mil, enquanto as reformas que efetivamente o redimiriam não vêm e tudo indica que não virão. Tampouco tenho - admito que muito subjetivamente - boa impressão do caráter de Sua Excelência e da sua propalada fidelidade aos amigos, diante da gana de grudar no poder.

Estendo-me, com igual ou maior enfado, ao Congresso e em particular à Câmara. Fazendo as exceções que com certeza são em menor número do que a gente esperançosamente pensa, na minha opinião o Congresso abriga elevada população de faltos de hombridade, larápios, carreiristas, mentirosos, venais, descarados, aproveitadores e membros da futura escola de samba Unidos do Deboche, tal a desfaçatez com que perderam o senso dos limites e da compostura e acham que podem fazer qualquer coisa, inclusive transformar a Câmara em gafieira. Cobertos de privilégios incogitáveis em qualquer país civilizado, os deputados quase não trabalham, trocam de partido em busca de vantagens pessoais e agora só faltam dizer-nos que comamos brioche ou que os incomodados se mudem. Continuarão a desrespeitar e aviltar o pouco que nos deixaram de dignidade e a protagonizar o que poderia ser chamado de chanchada ou ópera-bufa, se isto não insultasse essas duas categorias artísticas.

Minha opinião sobre o Judiciário é que o número de juízes desidiosos ou venais é imenso, o povo não tem confiança na Justiça e ela própria muitas vezes parece não alimentar respeito por si mesma. Não consigo imaginar um juiz da Suprema Corte americana, que inspirou a criação do nosso Supremo Tribunal Federal, distribuindo entrevistinhas a torto e a direito. Tenho certeza de que estaria ameaçado de impeachment o magistrado da Suprema Corte que fosse cumprimentar um advogado de defesa que ganhou uma causa na qual esse mesmo juiz atuou. A Suprema Corte é sagrada, como devia ser o nosso Supremo. Mas, ainda na minha modesta opinião, o Supremo se tem abastardado em inúmeras ocasiões e nunca sua imagem foi tão vulgar e deslustrada.

O que eu penso do nosso sistema político é que falta um bom nome para designá-lo, pois democracia é que não é. Tentando assim de orelhada, ocorrem-me cacocracia, cleptocracia, hipocritocracia ou, melhor ainda, pornocracia, pois é muito menos pornográfico um travesti se exibindo na Avenida Atlântica, para faturar um dinheirinho com os pais de família inatacáveis que constituem a parte mor de sua clientela, do que um vendilhão da pátria, um traficante de votos, um deslumbrado pelo poder, um criminoso disfarçado sob alegações grotescamente entortadas. E penso que nosso país é hoje moralmente flácido e desorientado. Não é incomum que o cidadão não consiga agir corretamente porque o sistema é tão corrompido que não aceita a integridade, ela nos é cada vez mais uma estranha. A corrupção está em toda parte, da gasolina adulterada ao peso roubado nos produtos embalados, aos remédios falsificados, aos atestados forjados, às instituições de caridade trapaceiras e a tudo mais que nos rodeia, onde sempre suspeitamos da existência de uma mutreta, pois a mutreta é o nosso modus operandi trivial.

Havendo assim expressado com franqueza minhas opiniões, no que julgo ser o exercício de um direito que, mais que constitucional, é direito humano basilar (sou jusnaturalista da velha guarda, colegas bacharéis), estou disposto a enfrentar as conseqüências a porventura advirem do que acabo de escrever. Se me processarem e prenderem, espero que o dr. Fernando Henrique, que processado já está sendo, também acabe preso. Achei meu diploma em Itaparica e tenho a mesma famosa prerrogativa de cárcere especial. Mas receio que, numa insólita confluência de posições, ambos peçamos celas separadas.
João Ubaldo Ribeiro